Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O japonês chegou ao português


Já circula há muito tempo na língua portuguesa a palavra yakuza, que designa a máfia japonesa, formada de ya, 8; ku; 9; za, 3. Esses números compõem a sequência de um jogo de azar muito popular no Japão. O Aurélio ainda não a registra. O Michaelis Escolar registra yakisoba, o macarrão com carne e legumes, mas yakuza ainda não.


Temos ainda nissei e sansei, respectivamente o filho e o neto de imigrantes japoneses, explicados pela etimologia assim: ni, segunda, e sei, geração; san, terceira; e sei, geração. E agora temos o yonsei, a quarta geração.


O filho de um yonsei será provavelmente um gossei, que gerará um rokussei, do qual virá um nanassei, depois hachissei, kyussei e por fim, quando chegar à décima geração, um jussei, se prevalecer o critério utilizado até aqui: os números de um a dez como prefixos acoplados à geração que se quer designar.


Ioga, vindo de yoga, parece japonês, mas veio do sânscrito, com escalas no francês e no inglês. Por isso prevalece a pronúncia ‘ioga’, mas originalmente se diz ‘iôga’.


E temos também o japonês shiatsu, com influência do chinês, palavra formada de shi, dedo; atsu, pressão. No japonês, a palavra inteira é shiatsuryóhó. No Brasil, perdeu o último elemento de composição, ryoho, tratamento.


Gramáticos não vão além das sandálias


No século 19, viveu no Rio um médico chamado Antônio de Castro Lopes. Ele tinha horror a estrangeirismos e propôs que fossem substituídas, entre outras, as seguintes palavras; menu, por cardápio; chofer, por cinesífero; abajur por ‘lucivelo’; anúncio por ‘preconício’; cachecol por ‘castelete’; turista por ‘ludâmbulo’; repórter por ‘alvissareiro’; e futebol por ‘ludopédio’.


Vaga-lume, que Rafael Bluteau já impusera em lugar de caga-lume, por ser vocábulo obsceno, já tinha sido objeto de um concurso em Portugal para que fosse substituída e resultara em palavra bonita, que afinal pegou no gosto popular: pirilampo.


Rejeitando a proposta, Machado de Assis escreveu: ‘Nunca comi croquettes, por mais que me digam que são boas, só por causa do nome francês. Tenho comido e comerei filet de boeuf, é certo, mas com restrição mental de estar comendo lombo de vaca.’ De lá para cá, filet de boeuf tornou-se filé de bife e depois bife apenas. E o francês croquette, do verbo croquer, quebrar com estalo, tornou-se croquete apenas.


Os gramáticos, como o sapateiro de Apeles, não podem ir além das sandálias. À semelhança dos sexólogos, podem orientar-nos, jamais nos substituir na hora de falarmos ou escrevermos.


O tom apropriado


Hoje, são abundantes os estrangeirismos e muitos deles são simples abusos, mas outros são indispensáveis, já que a língua ainda não encontrou substitutos à altura e provavelmente vai adaptar as palavras vindas de fora.


É o uso que vai determinando as palavras hegemônicas. Vigia, de vigiar, do latim vigilare, se impôs no lugar de atalaia e de sentinela. Vigiar vem da raiz indo-européia weg, vigor. Quando todos, derrubados pela fraqueza advinda do sono, dormem, o vigia está forte! Ou deveria estar!


E quem vigia a entrada na língua portuguesa? Quem autoriza que novos habitantes se juntem a nós no condomínio lusófono? Quais são os requisitos? Estas e outras perguntas quem tem que responder somos todos nós, pois a língua é patrimônio público! Antônio de Castro Lopes pecava pelo exagero. Machado de Assis deu o tom apropriado.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)