Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O mal-estar na informação



(…) minha intenção de representar o sentimento de culpa como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização, e de demonstrar que o preço que pagamos por nosso avanço em termos de civilização é uma perda de felicidade pela intensificação do sentimento de culpa.’ FREUD, O Mal-estar na Civilização. [FREUD, S. O Mal-estar na Civilização. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974 (Pequena Coleção das Obras de Freud, vol. 8), p. 96]


O título deste texto não é apenas uma brincadeira com o nome da famosa obra concluída em 1930 por Sygmund Freud (1859-1936). Também não é nada original, dados os precedentes como Mal-estar na Modernidade (1993), do filósofo Sérgio Paulo Rouannet, O Mal-estar na Pós-modernidade (1997), do sociólogo Zygmunt Bauman, Mal-estar na Atualidade (2005), do psicanalista Joel Birman, O Mal-estar na Globalização (2005), do jornalista Luciano Martins Costa, e outros. Uma boa descrição desse mal-estar é dada por Birman: ‘é o que nos impede de chegar a tempo nos lances e nas divididas, deixando-nos freqüentemente desamparados e a ver navios quando a confusão está comendo solta.’ [BIRMAN, Joel. O Mal-estar na Atualidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 19]


Por mais respaldadas que estejam em estatísticas ou em avaliações conjunturais, grande parte das manifestações de jornalistas e de suas entidades sobre o atual estado da informação e sua relação com o campo mais amplo da comunicação envolvem um inegável sentimento de culpa, de perda de controle. Essa culpa transparece por mais que sejam invocados a crise econômica global, as sucessivas eliminações de postos de trabalho e o crescente processo de concentração de propriedade dos meios de comunicação como explicações para a progressiva miscigenação e promiscuidade do espaço jornalístico com o do entretenimento e a pulverização dos valores éticos e de credibilidade.


Alertas dos anos 90


Vários exemplos podem ser apontados dessa percepção, que em níveis menos rigorosos de argumentação assume muitas vezes um ar de Paradise Lost. No entanto, cabe aqui concentrar nossa atenção sobre as reflexões de teóricos da comunicação. Uma interessante síntese de conclusões apresentadas nos últimos anos do século passado sobre os rumos da informação, principalmente por parte de pesquisadores europeus, foi feita em 2000 por Ciro Marcondes Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, em seu pequeno livro Comunicação e Jornalismo: A saga dos cães perdidos [MARCONDES FILHO, Ciro. Comunicação e Jornalismo: A saga dos cães perdidos. São Paulo: Hacker Editores. 2000]. Entre essas manifestações, destacamos as seguintes.




‘Hoje em dia, divulgar tornou-se o objetivo em si, e o conteúdo só tem, no final das contas, um interesse secundário’. (FLORENCE AUBENAS e MICHEL BENASAYAG, La Fabrication de l’Information: Les journalistes et l’ideologie de la communication. Paris: La Découverte. 1999) [Apud MARCONDES FILHO, obra citada, p. 38]


‘(…) de informador, para quem prima o fato e sua relação, ele [o jornalista] se torna cada vez mais comunicador, para quem o objetivo é pôr as notícias de uma forma acessível e atraente.’ (YVES LAVOINNE, ‘Le journaliste saisi par la communication’. in: Marc Martin, Histoire et Médias: Journalisme et journalistes françaises 1950-1990. Paris: Albin Michel. 1991) [Idem, p. 40]


‘(…) com o aparecimento e expansão da televisão e, mais recentemente, com a internet, essa mercadoria público ampliou-se e migrou para outros meios, deixando a empresa jornalística fortemente ameaçada. (…) Uma das estratégias de aumento de rendas foi a paulatina aceitação do ‘jornalismo de comunicados operando junto com o jornalismo de informação’.’ (DANIEL BOUGNOUX, La Communication contre l’Information. Paris: Hachette. 1995) [Idem, p. 117]


‘Por mais injusto que possa parecer, jornalistas de informação política e geral devem reconhecer o recuo de seu prestígio, de sua influência e simplesmente de sua notoriedade em relação aos seus colegas do audiovisual (…) A tendência da imprensa escrita de multiplicar as sondagens, na esperança que isso seja reaproveitado por rádios e TVs, conduz à mesma despossessão do papel de mediador principal, através da qual o jornalista se encontra reduzido a uma simples função de comentador dos resultados de uma operação, e que deixou de lado o trabalho tradicional de pesquisa de informação, de tratamento, de análise e de reflexão sobre uma situação.’ (JEAN-MARIE CHARON, Cartes de Presse. Enquête sur les journalistes. s.l.: Stock. 1993) [Idem, p. 75]


Os preocupados de Harvard


Mas devem ser objeto de nossa reflexão aqueles de maior repercussão e que se baseiam em estudos mais abrangentes. Desse modo, destaca-se o livro Os Elementos do jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o público exigir, publicado nos Estados Unidos em 2001 e no Brasil em 2003. Reeditado em 2007, a obra teve como autores Bill Kovach, professor de jornalismo da Universidade de Missouri e ex-curador da Fundação Nieman, na Universidade Harvard, e Tom Rosenstiel, diretor do Programa para a Excelência do Jornalismo (PEJ) e ex-crítico de mídia do jornal Los Angeles Times. O livro é o resultado de 21 fóruns de debates com cerca de 3 mil convidados, dos quais aproximadamente 300 jornalistas. Essa iniciativa coincidiu com a criação do Comitê de Jornalistas Preocupados (Committee of Concerned Journalists – CCJ), fundado por 25 editores e ombudsmans, reunidos em Harvard em junho de 1997 em torno do tema da crise de credibilidade da imprensa. Estavam reunidos ali porque




‘(…) detectavam sérios problemas na profissão jornalística. Mal reconheciam o que consideram jornalismo em boa parte do trabalho de seus colegas. Seu medo maior era que, no lugar de prestar um serviço público relevante, o jornalismo na verdade estava prejudicando esse nobre propósito. (…) Na redação não falamos mais sobre jornalismo’, disse Max King, então editor do Philadelphia Inquirer. Somos absorvidos pelas pressões comerciais e os lucros e perdas no balanço anual’, concordou outro editor.’ (…) As notícias viraram entretenimento e informação sobre entretenimento. Mais e mais os bônus anuais ganhos pelos jornalistas dependiam da margem de lucro da empresa, não pela qualidade do seu trabalho.’ [KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo. Geração Editorial, 2003, pág. 19]


‘Os jornalistas correm o risco de ver sua profissão desaparecer. Nesse sentido, a crise de nossa cultura, e de nosso jornalismo, é uma crise de convicção.’ [Idem, p. 22]


Uma pesquisa realizada dois anos depois pelo CCJ, em parceria com o Pew Research Center for the People and the Press, confirmou a queda de credibilidade: em 1999, cerca de 21% dos americanos achavam que a imprensa estava de fato preocupada com as pessoas, contra 41% em 1985; também em 1999, cerca de 45% dos americanos acreditavam que a imprensa protegia a democracia, contra 55% em 1985.


Os fóruns de debates organizados pelo CCJ nos três anos seguintes corroboraram as suspeitas apresentadas na reunião de fundação do grupo. Os fatores relacionados ao desenvolvimento tecnológico e à economia foram diretamente associados ao cenário de crise da imprensa:




‘Acontece [a mudança na forma de recebermos a informação] agora com o advento da televisão a cabo e da Internet. O choque desta vez talvez seja mais dramático. Pela primeira vez em nossa história, mais e mais as notícias são produzidas por empresas não jornalísticas, e essa nova organização econômica é inquietante. Existe o risco de que a informação independente seja substituída por um comercialismo egoísta fazendo pose de jornalismo. Se isso acontecer, perderemos a imprensa como uma instituição independente, livre para vigiar as outras poderosas forças e instituições da sociedade.’ [CCJ & Pew Research Center For The People And The Press. ‘Striking the Balance: Audience interests, business pressures and journalists’ values’. Março de 1999, p. 79]


‘Essa conglomeração e a idéia por trás de muita sinergia corporativa em comunicação – o jornalismo é só conteúdo, ou, a mídia é toda igual – levantam outro tipo de perspectiva. A Primeira Emenda deixa de significar a confiança pública outorgada em nome de uma ampla comunidade. Em vez disso reivindica direitos especiais para uma indústria semelhante à isenção antitruste para o beisebol. Nesse contexto, a Primeira Emenda se torna um direito de propriedade que estabelece normas básicas para a livre concorrência econômica, não para a livre expressão.’ [KOVACH; ROSENSTIEL, obra citada, p. 23]


Pesquisa de campo


Como já destacamos em 09/07/2007 no post ‘A crise da imprensa não e só empresarial’, a confusão da informação com o entretenimento, a homogeneização temática do noticiário, a influência de empresas e governos nas pautas, a decadência do interesse público e outras tranformações de valores jornalísticos foram enfaticamente mostradas como tendências cescentes nos três primeiros relatórios anuais do projeto The State of the News Media, publicados a partir de 2004 pelo Programa para a Excelência do Jornalismo (PEJ), do Pew Research Center for the People and the Press.


Dirigido por Tom Rosenstiel o projeto envolveu em cada relatório equipes de 30 a 50 especialistas – entre eles Bill Kovach – em uma parceria com as escolas de jornalismo das Columbia (Nova York), Estadual de Michigan, de Missouri e de Ohio e com a Fundação Knight. O suporte financeiro vem da instituição Pew Charitable Trusts, criada em 1948 pelos herdeiros de Joseph N. Pew, fundador da Sun Oil Company, que contabilizou US$ 248 milhões em 2007 no apoio a pesquisas e projetos sobre o interesse público.


O levantamento de dados dos relatórios anuais do se concentra nas áreas temáticas de conteúdo, audiência ou circulação, economia, propriedade, investimento em redações e atitude pública. As mídias de âmbito nacional e regional pesquisadas são jornais diários (The New York Times, Los Angeles Times e USA Today), telejornais e blogs; as de alcance nacional são revistas (New Yorker, Newsweek, US News & World Report e The Week), websites e TVs a cabo, e de alcance regional são apenas as rádios.


Apesar do rigor acadêmico e da credibilidade dos pesquisadores integrantes do projeto, os cinco estudos pecam ao agrupar sob o mesmo rótulo de tendências principais (‘Major Trends’) diagnósticos e conclusões referentes a sugestões estratégicas para as empresas jornalísticas.


Declínio da checagem


O relatório de 2004 ressaltou que a maior parte da atividade da mídia nos Estados Unidos consiste em distribuir conteúdos e não em produzi-los, e que a tendência desse quadro é de crescimento. Além disso, o estudo naquele ano afirmou que mesmo entre os veículos dedicados à produção é também crescente a confusão entre a informação bruta e a informação elaborada por meio de contextualização, checagem e verificação. Outra tendência apontada em 2004 foi a da influência crescente, nas pautas, das fontes governamentais e empresariais em relação aos jornalistas que as cobrem.


The State of the News Media 2005 informou que a mídia tradicional passou a confiar a tarefa de explorar e inovar a internet para empresas de tecnologia (como o Google) e para indivíduos e empreendedores (como os blogueiros), ressaltando que o risco dessa atitude é o de entregar a esses novos concorrentes a tecnologia mais avançada e a audiência online, tornando-os mais competitivos. Como exemplo disso, o documento ressaltou o Google News como o grande competidor da imprensa norte-americana em 2004, quando, em apenas seis meses, a audiência dos blogs cresceu 58%, e alcançou 32 milhões de pessoas. Em outras palavras, o estudo foi mais enfático do que o do ano anterior em relação à ameaça ao papel da imprensa como gatekeeper da informação.


Essa expansão da blogosfera, segundo o relatório de 2005, expande a ‘cultura’ crescente na última década do jornalismo assertivo em prejuízo do jornalismo baseado na verificação e na checagem. Além disso, essa tendência passou a influenciar a própria mídia convencional com uma ‘filosofia afirmativa’ para esse espírito assertivo: publicar qualquer coisa, especialmente pontos de vista, deixando a checagem e a verificação para os blogs dos pares (fellows).


O trabalho do PEJ de 2005 apontou também a tendência para a diversificação de modelos editoriais, mas quase todos eles com o padrão faster, looser and cheaper (mais rápido, mais vago e mais barato), além de reforçar a menção, na versão anterior, do contexto favorável à manipulação da opinião pública por parte de governos, grupos de interesses e corporações.


Mais rápido, vago e barato


O ‘paradoxo da informação’ foi o destaque do The State of the News Media 2006: apesar da expansão do número de canais informativos, diminui a diversidade de assuntos cobertos pelo noticiário. Não bastasse essa limitação temática, o estudo afirmou também a tendência crescente da similaridade das abordagens dos diversos veículos sobre os assuntos principais, acrescentando a maior participação nesse processo de ‘repórteres de atribuições gerais’. Em outras palavras, o relatório deixou clara a homogeneização do noticiário, associando-a à tendência, apontada em 2004, de crescimento da distribuição de conteúdos e de decréscimo da produção.


Essas duas tendências – menor diversidade de assuntos e maior similaridade de abordagens – são apontadas no relatório de 2006 como fatores que permitem à imprensa ter grande controle sobre o que o público sabe. Apesar do que foi dito sobre a ‘ameaça’ dos blogs na edição anterior, nenhuma menção é feita a eles no capítulo das Major trends.


Das tendências apontadas em 2006, a mais impactante com relação aos princípios do jornalismo foi a da crescente perda de espaço do interesse público para o mundo dos negócios. ‘Em muitas das empresas de mídia convencional, embora não em todas, a batalha ao longo de décadas entre os idealistas e os contadores está acabada. Os idealistas perderam’, diz o relatório. ‘Se você apela hoje para o interesse público, será desacreditado como um obstrucionista ou como um romântico’, disse confidencialmente para os entrevistadores do PEJ o editor de um dos maiores jornais dos Estados Unidos, segundo o documento.


As tendências apontadas nos três primeiros relatórios do PEJ são complementares, ressalta a conclusão da versão de 2006. Isso é dito enfatizando o declínio do jornalismo baseado na checagem e na verificação, a substituição desse modelo tradicional pelo padrão faster, looser, and cheaper (mais rápido, mais vago e mais barato) e a vantagem crescente dos ‘manipuladores da informação’ em relação aos jornalistas.


Sobrevivência na selva


Em suas edições anuais de 2007 e de 2008, os relatórios do PEJ diferiram substancialmente de suas três versões anteriores, que apontavam tendências crescentes negativas nas atitudes editoriais dos meios de comunicação nos Estados Unidos. Sem apontar nenhuma alternativa para reverter essas tendências indicadas anteriormente, os dois últimos documentos destacaram muito mais as estratégias para sobreviver à crise nos negócios. No final das contas, apesar de haver luz no final do túnel para os negócios, tudo leva e crer que a crise é também do jornalismo como atividade, e que ele, para sobreviver, está se transformando também no que diz respeito aos seus valores.


O documento de 2007 enfatizou, e com caráter de urgência, a necessidade de uma correção de rumo no planejamento estratégico dos modelos de negócios das empresas jornalísticas. Seu tom é o de um alerta para a necessidade de novas estratégias a fim de assegurar a sobrevivência na selva do mundo dos negócios. Como bem sintetizou o jornalista Carlos Castilho ao noticiar o documento em seu post ‘Informe afirma que jornais não podem mais adiar escolha de novo modelo de negócios’, no blog Código Aberto, do Observatório da Imprensa, o documento…




‘(…) coloca em questão o modelo de negócios da maioria dos jornais mundiais e afirma que se os executivos do setor não repensarem imediatamente suas estratégias editoriais o futuro das empresas jornalísticas poderá ser decidido por investidores sem nenhum apego à notícia’.


É estranho que, tendo mantido deste o seu início os mesmos diretores e vários dos analistas e consultores das equipes dos estudos dos anos anteriores, o relatório de 2007 não tenha explicado a mudança de ênfase das ‘tendências principais’, tanto na forma – antes no diagnóstico e agora na orientação estratégica – como na temática – antes nos conteúdos e atitudes editoriais e agora nos aspectos empresariais.


Além de reafirmar a complementaridade de todos os cinco relatórios do PEJ, The State of the News Media 2008 apresentou uma conclusão cuja relevância apontaremos mais adiante: o jornalismo está deixando de ser um produto – o jornal diário, a notícia do website para se tornar cada vez mais um serviço – ajuda para o dia-a-dia, ‘inclusive para dar mais poder’. O que as pessoas querem, diz o documento, é saber como gerenciar seu tempo e nele se concentrarem. E acrescenta: a esperança é que esse serviço, mais que as boas histórias, possa ser a chave para desencadear a nova economia.


Conflito princípios X tendências


Em função da estreita relação do PEJ com o CCJ, tento por meio das figuras de Rosenstiel e de Kovach, seja pelo vínculo institucional entre as duas entidades (ver no site do programa o item About us), é de se esperar que exista clareza da relação entre as tendências apontadas nos relatórios anuais – especialmente os três primeiros – e os princípios arrolados ao final dos debates que deram origem ao livro Os Elementos do Jornalismo, elaborado com o objetivo de ‘ajudar jornalistas a articular os valores da profissão e a ajudar os cidadãos a exigir um jornalismo ligado aos princípios que criaram a imprensa livre’. Esses princípios, ‘que passam por períodos de fluxo e refluxo ao longo do tempo, mas de alguma forma sempre estão evidentes’, são os elementos do jornalismo:


1. A primeira obrigação do jornalismo é com a verdade.


2. Sua primeira lealdade é com os cidadãos.


3. Sua essência é a disciplina da verificação.


4. Seus praticantes devem manter independência daqueles a quem cobrem.


5. O jornalismo deve ser um monitor independente do poder.


6. O jornalismo deve abrir espaço para a crítica e o compromisso público.


7. O jornalismo deve empenhar-se para apresentar o que é significativo de forma interessante e relevante.


8. O jornalismo deve apresentar as notícias de forma compreensível e proporcional.


9. Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência.


Logo à primeira vista, é explícito o conflito entre os elementos acima e as tendências de valores e atitudes editoriais apontadas nos relatórios de 2004 a 2006 do PEJ, as quais retomamos resumidamente a seguir:


** a atividade de distribuição de conteúdos é maior que a de produção;


** diminuem as atividades de verificação e de checagem;


** cresce a confusão entre informação bruta e informação elaborada;


** cresce a influência de governos, grupos de interesses e corporações na agenda noticiosa;


** tendência crescente do padrão faster, looser, and cheaper;


** blogs reforçam a cultura do jornalismo assertivo em prejuízo do jornalismo de verificação e de checagem;


** aumentam os canais informativos, mas diminui a variedade de temas abordados;


** grandes temas têm abordagens similares em diversos veículos; e


** o interesse público perde espaço nas redações para o mundo dos negócios.


Comunicação versus informação


Entre as possíveis abordagens do cenário do jornalismo caracterizado acima, achamos conveniente ressaltar a da diferença entre comunicação e informação, que há cerca de três décadas se tornou um dos grandes temas do debate sobre os meios de comunicação de massa, mas tem sido significativamente esvaziado. Uma definição muito enfática dessa diferença foi dada por Daniel Bougnoux em 1998, três anos depois de sua frase de efeito de que ‘informação e comunicação encobrem duas culturas, duas lógicas e, às vezes, duas profissões totalmente distintas no campo mediático’ [Idem, p. 54]. Segundo esse pesquisador, que é professor da Universidade Stendhal, em Grenoble, na França,




‘(…)chama-se informação um enunciado ou uma mensagem de interesse supostamente geral, e que emana da ordem anônima do mundo, enquanto a comunicação provém de empresas ou de grupos definíveis e serve claramente a interesses particulares. Esta distinção abrange satisfatoriamente o valor da abertura informacional como oposta a fechamentos comunitários.’ [BOUGNOUX, Daniel. La Communication contre l´Information, Paris: Hachette, 1995. Apud MARCONDES FILHO, obra citada, p. 117]


Outra caracterização, que tem a vantagem de ser mais compreensível em relação aos diferentes contextos dessa diferença, é dada por um quadro formulado por Ciro Marcondes Filho em seu livro já citado (ver aqui BOUGNOUX, Daniel. Introduction aux Sciences de la Communication. 2ª edição. Paris: La Découverte, 2001, p. 84. A 1ª edição é de 1998]


Um aspecto importante – e talvez óbvio – a ser ressaltado em relação a essa diferença é que a informação não é atribuição exclusiva do jornalismo, mas também de outras atividades voltadas ao interesse supostamente geral, como a pesquisa científica. Desse modo, é no âmbito da comunicação, entendida em seu sentido mais amplo, abrangendo até mesmo a comunicação científica, que se dá essa diferença em função da abertura em oposição a fechamentos comunitários.


Um exemplo desse fechamento na comunicação científica foi devidamente caracterizado pelo jornalista Marcelo Leite no esforço por parte de lideranças do Projeto Genoma Humano em busca da captação de recursos públicos. Em seu livro Promessas do Genoma – originalmente sua tese de doutorado em sociologia da ciência, defendida na Unicamp –, ele esmiuçou esse processo que chamou de ‘mobilização retórica e política, nas interfaces com a esfera pública leiga, de um determinismo genético crescentemente irreconciliável com os resultados empíricos obtidos no curso da própria pesquisa genômica’ [LEITE, Marcelo. Promessas do Genoma. São Paulo: Editora da Unesp, 2007, p. 11]. (Já discorremos a respeito desse tema na resenha ‘A armadilha do determinismo genético’ e no postO jornalismo científico e as duas culturas’.)


Nesse sentido, o conflito entre comunicação e informação não se restringe à atividade jornalística. Mas é nela que o ‘mal-estar na informação’ se manifesta, uma vez que a informação é o produto da imprensa. Trata-se, portanto, do sentimento de desamparo, a ver navios, por parte do jornalismo, nos termos já mencionados de Birman, diante de um contexto global de perda de importância de sua função de gatekeeper. E, acima de tudo, um sentimento de culpa, seja pelos rumos tomados no passado recente, seja devido à relação de seu ethos com a defesa do interesse público e da própria democracia.


Um futuro sombrio?


Como dissemos acima, as tendências apontadas nos relatórios do PEJ são caracterizadas quase todas como crescentes. O que nos parece estranho não só nos estudos desse projeto, mas em diversas pesquisas e manifestações de muitos teóricos do jornalismo é a falta de uma perspectiva histórica dos valores e atitudes editoriais no jornalismo em relação aos aspectos tecnológicos, funcionais, de modelo de propriedade e da própria economia. Isso nos remete novamente ao já citado post de 09/07/2008, ‘A crise da imprensa não e só empresarial’, no qual afirmamos que as transformações desses aspectos nunca aconteceram isoladamente ao longo da história do jornalismo.


Retomando o que foi exposto naquele post, o que antes da Revolução Francesa era uma atividade artesanal, de economia elementar e realizada por empreendedores isolados, passou a ser um negócio cada vez menos deficitário, desempenhado por intelectuais em geral, já com uma nítida divisão de funções (diretor, editor, redator) e determinado a pregar os ideais do Iluminismo, com valores e objetivos pedagógicos e políticos predominantes voltados para a destruição do Absolutismo e do poder eclesiástico. Já na primeira metade do século 19, o jornalismo passou a ser um empreendimento executado principalmente por jornalistas profissionais, lucrativo e norteado pelos ideais de neutralidade e imparcialidade, uma vez que passou a noticiar a sua própria classe de origem.


Como bem destaca Marcondes Filho, a informação, que antes era capital, passou a ser mercadoria, ou seja, deixou de ser um bem ‘bancado’ pela burguesia, já vitoriosa sobre o Absolutismo. Passada essa fase, surgiu a necessidade de lucro, ou seja, o jornalismo teve de ser auto-sustentável. Uma abordagem sinóptica da evolução do jornalismo em função desses aspectos é possível por um quadro de Marcondes Filho, modificado com o acréscimo de informações posteriores à sua publicação (ver aqui MARCONDES FILHO, obra citada, p. 48).


Um dos aspectos mais importantes apontados nesse quadro é o da significativa transformação da mercadoria informação, confundida cada vez mais com o entretenimento. Solidárias a esse processo são as transformações em curso no modelo de propriedade (as conglomerações e fusões com empresas de outros ramos de atividade), no aspecto funcional (o crescente contingente de jornalistas prestadores de serviços e isolados das redações, os editores cada vez mais envolvidos com negócios) e no tecnológico (a ruptura definitiva do fluxo unilateral da informação). Como já havíamos dito,




Não se trata de olhar com saudades para um paraíso perdido, nem para um passado glorioso, o que, na verdade, nunca existiu. A imprensa sempre dançou de acordo com a música de seu tempo. Seus grandes feitos sempre se deram por meio da exploração de brechas, pois o famigerado ‘sistema’ nunca foi capaz de impedi-las.


Para complicar, temos a possibilidade de outra significativa transformação da mercadoria informação, na medida em que o jornalismo pode estar aos poucos deixando de ser um produto para ser um serviço, como concluiu o relatório The State of News Media 2008.


No final das contas, a questão crucial do jornalismo neste início de milênio não é se os jornais vão desaparecer, nem se os profissionais de imprensa serão todos terceirizados, mas se a função do jornalista deixará de ser a produção da informação para se restringir ao mero gerenciamento dela. Por mais que esse rumo não seja suficientemente claro, o sentimento de que, para impedi-lo, algo poderia ter sido feito ou ainda pode ser feito parece ser a raiz principal de nosso mal-estar na informação.

******

Jornalista especializado em ciência e meio ambiente; editor do blog Laudas Críticas