Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O panorama visto das livrarias

O panorama visto nas livrarias cariocas, de acordo com o que Veja Rio (edição de 9/8/2006) mostra em reportagem de capa desta semana, oferece motivos de preocupação para os habitantes brasileiros da Galáxia Gutenberg.


A chamada de capa já dá uma boa idéia da submissão às regras comerciais: ‘Os caçadores de best-sellers’. Se este fosse o norte editorial desde a invenção do livro, obras fundamentais não teriam sido publicadas, nem no exterior e nem aqui, pois algumas delas representaram estrondosos fracassos comerciais. E muitas, quando reeditadas, ainda vendem pouco.


Não foram best-sellers que formaram a literatura de seus respectivos países. No Brasil, não foi diferente. Vivendo o esplendor de nossa independência política, da abolição e da república, escritores a quem a literatura brasileira deve muito, incluindo Machado de Assis, já reconhecidas glórias de nossas letras, vendiam pouco mais de mil exemplares de romances, contos, poesias, ensaios.


De que viviam os autores? A maioria deles tirava sua sobrevivência de sinecuras, gorjetas e prebendas, todas direta ou indiretamente vindas do Estado, como era o caso de Machado de Assis, que vivia com modéstia de seus proventos de funcionário público.


Mas é absolutamente fora de propósito vincular a qualidade e a biografia do autor ao desempenho comercial do livro. Um bom livro pode vender bem, mas esta não é a regra. Aliás, dá-se o contrário: editores que se preocupam com o capital dos donos das editoras que dirigem, sabem que só poderão publicar livros indispensáveis, de fraco desempenho comercial, se fizerem caixa com outros lançamentos. Conciliar qualidade e quantidade é a utopia de qualquer editor que se preze.


Não foi sempre assim, mas hoje a coisa anda complicada: os best-sellers e vendas diretas para o governo têm evitado alguns naufrágios editoriais. Mas até quando? Nenhum mercado pode viver de tão poucos títulos.


O mercado ‘está virando um cassino’, no dizer de Luciana Villas-Boas, diretora editorial da Record, ou dá a impressão de que ‘é um jogo excitante … como estar na bolsa de valores’, segundo o olhar de Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco?


Papel e tinta


Há um ponto positivo na lista dos best-sellers: alguns autores são brasileiros.


Perdas & Ganhos, de Lya Luft, vendeu 550 mil exemplares. Mas este não é o livro-referência da obra desta importante escritora gaúcha. Lya Luft recebeu um adiantamento de 70 mil reais quando veio para a Record. Foi um dos melhores investimentos da editora. Além do sucesso de Perdas & Ganhos, Pensar é transgredir vendeu 205 mil cópias. Mas Lya Luft entrou e ficará na literatura brasileira pelos livros que o editor Pedro Paulo de Sena Madureira lançou, como A asa esquerda do anjo e Reunião em família, reeditados muitas vezes e bem acolhidos por crítica e público, inclusive no exterior, sem jamais, entretanto, atingirem um desempenho de best-sellers.


Foi quase aleatória, como ocorre com freqüência em desempenhos comerciais nas livrarias, a descoberta de O código da Vinci, do jornalista Dan Brown, lançados pela Sextante pelos irmãos Marcos e Tomás Pereira, que devem a descoberta ao faro editorial do pai, Geraldo Jordão Pereira. Pagaram apenas 12 mil dólares por um livro que tem dado muito dinheiro a muita gente, é bom que se diga. Quando um livro vende bem, não são apenas autor e editor os grandes beneficiados, mas o pessoal do caminho: distribuidores e livreiros. O que eles fizeram para a existência do livro? Nada! Apenas os receberam prontos (os primeiros) e os venderam (os segundos).


Quem mantém em última instância o mercado – sua excelência, o leitor – é esquecido sempre. Nas reedições e reimpressões, gastam-se apenas papel, tinta e direito autoral, mas o preço de capa é o mesmo do lançamento, quando não maior.


A Nova Fronteira – representada nas declarações de seu diretor-presidente, Carlos Augusto Lacerda, e sua gerente editorial, Izabel Aleixo – aparece na reportagem da Veja Rio com a estrela de O caçador de pipas, de Khaled Hosseini, há 43 semanas em primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos de Veja. Lançado no Brasil em outubro de 2005, vendeu até agora 350 mil exemplares. Custou apenas 12 mil dólares!


Pauta urgente


Há outros indicadores muito pertinentes na reportagem assinada por Cristina Grillo e Telma Alvarenga, como o adiantamento de 110 mil dólares que a Ediouro pagou a Stephen King e Leonard Mlodinow por Uma Nova História do Tempo.


Que não seja esquecido o pagamento a bons tradutores, pois os tropeços da pressa são assustadores. Até hoje a Record mantém um equívoco de ninguém menos do que Antonio Callado, que traduziu O Amor nos tempos do cólera e fez um cachorro ser amarrado pela pata à mesa, quando o original, ainda que de um autor imaginoso como Gabriel García Márquez, dava o cachorro como amarrado ao pé da mesa. Naturalmente não pela pata. É tão certo que a pata, no caso, é da mesa, como vovô viu a uva. Se um intelectual cuidadoso e preparado, como o genial autor de Quarup, na pressa comete um deslize desses, imaginemos o que não fazem outros, que não têm seu talento nem sua vivência literária.


Dois ou três autores estão salvando as respectivas editoras e o mercado, mas não se forma e nem se mantém as engrenagens comerciais com esses lances que dependem mais da sorte do que de um competente projeto editorial, naturalmente concebido à luz do que ocorre em outros setores da economia e da vida nacional.


Como contraponto involuntário, as lojas Extra e Extra Hipermercados estão distribuindo um informe publicitário – o ‘Guia do Paizão: sugestões de compras para o Dia dos Pais’ – com as seguintes lembranças que o tempo não apaga: os pais ganhavam de presente, nos anos 1950, livros de Rubem Braga (Crônicas), Leon Uris e Ernest Hemingway (O velho e o mar); nos anos 1960, de Norman V. Peale (O poder do pensamento positivo), Arthur Haley (Aeroporto, Hotel) e John Le Carré (O espião que veio do frio); nos 70, Jorge Amado (algum romance: Teresa Batista, Gabriela?), Philip Roth (O complexo de Portnoy), Richard Bach (Fernão Capelo Gaivota) e Fernando Morais (A Ilha); nos 80, Lee Iaccoca (Autobiografia) e Umberto Eco (O nome da rosa); nos 1990, John Grisham (O cliente), Paulo Coelho (O alquimista) e novamente Fernando Morais (Chatô). E, por fim, na metade desta década, O código Da Vinci, de Dan Brown.


A Associação Nacional de Livrarias (ANL), ao informar que tem 1.800 livrarias cadastradas, desfaz o lugar-comum que atribui apenas 600 em todo o território nacional. Também a Câmara Brasileira do Livro (CBL), com dados de 2004, informa o número de editoras: 530. E segundo avaliações de 2004, as editoras brasileiras lançaram 34.858 títulos.


O Retrato da leitura no Brasil, trabalho muito bem feito pela CBL, desfaz outro lugar-comum, o de que o brasileiro lê em média menos de um livro por ano. Embora não possamos nos orgulhar, a média per capita é quase o dobro do que se tornou bordão em debates e palestras: 1,8 livro por habitante/ano.


O governo brasileiro tornou-se um dos maiores compradores de livros do mundo. Mas não compra de livreiros nem de distribuidores. Compra diretamente dos editores.


Este seria um bom tema para as próximas pautas. A mídia precisa urgentemente pautar a questão nacionalmente. O Rio, embora importante pólo editorial e livreiro, não é o Brasil.