Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O papel do ‘espectador engajado’

Globalização, patentes, OMC e aviões brasileiros são alguns dos temas com crescente aparição nos meios de comunicação. Este fato já seria suficiente para que o leitor voltasse sua curiosidade para estes assuntos. Ainda, se se considerar que a compreensão destes tópicos será essencial para um melhor posicionamento do Brasil em um contexto de crescente internacionalização das sociedades, será fácil concluir que todo esforço na criação de uma opinião pública mais bem informada deverá ser bem recebido.

A publicação da presente obra é uma dessas tentativas, sendo o primeiro de uma projetada trilogia que pretende avançar o estudo do tema até os dias de hoje. Apesar de sua leitura demandar algum conhecimento da história imperial brasileira, a obra ajuda a reforçar a importância de alguns dos temas de política externa e interna que ainda estão à espera de solução pela sociedade brasileira. Ao buscar sistematizar o conhecimento sobre as relações econômicas internacionais do período que vai da transferência da corte portuguesa até o final do Império, o autor harmoniza seu discurso ao de Caio Prado Júnior considerando que os problemas atuais da nação já estavam definidos havia 150 anos. Aos leitores constrangidos, cabe concluir que a sociedade vem adiando a solução e mesmo o enfrentamento de muitos dos problemas apresentados pelo autor.

Desfile de datas

Paulo Roberto de Almeida escreve com a vontade de suprir a lacuna deixada pelos manuais disponíveis de história diplomática e de relações internacionais do Brasil que, pela sua ótica, deixam ‘(…) de lado, ou abordam perfunctoriamente, os fatores econômicos e materiais que poderiam explicar alguns aspectos da estrutura, das modalidades e das motivações da política externa durante o império’ (p. 38). Ressalva, no entanto, a qualidade dos estudos acadêmicos especializados referentes ao tema, corroborando o pensamento de Sombra Saraiva que considera a Argentina e o Brasil como os países da América do Sul que possuem abordagens sistemáticas e de qualidade da história das relações internacionais. Assim, apesar de Almeida não ser uma acadêmico strictu sensu, a produção deste ‘espectador engajado’ – para emprestar-se o conceito de Raymond Aron – contribui para o enriquecimento desta tradição de pesquisa.

Explique-se o ‘engajamento’ do autor. Paulo Roberto de Almeida possui já consistente produção na área da relações internacionais, com destaque para reflexões sobre o Mercosul e o desenvolvimento do multilateralismo econômico contemporâneo. Paulista, graduado em Ciências Sociais e doutor pela Universidade de Bruxelas, Almeida ingressou na carreira diplomática em 1977 e hoje ocupa o cargo de ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Washington. Daí sua dupla faceta: pensador e executor da política externa nacional. Tributário que é da escola francesa, Almeida buscará em sua interpretação histórica não a linha evolutiva dos acontecimentos, mas antes os nexos dos fatos, as permanências e rupturas dos processos e a busca pelas ‘causas profundas’ dos acontecimentos. Assim é que ele persegue os fundamentos da diplomacia econômica no e, nem sempre, do Brasil.

Não espere o leitor o desfile de datas em uma linha cronológica evolutiva, pois o esforço do ensaio é a busca de uma síntese explicativa destes fundamentos que informam as relações econômicas internacionais percebidas em suas permanências e descontinuidades.

Necessidade prática

O chanceler Celso Lafer, na apresentação do texto, justifica tal abordagem pois: ‘(…) é difícil, senão impossível compreender as posições assumidas pelo Brasil, nos dias de hoje, em diferentes foros regionais e multilaterais, sem um retorno aos início do século XIX, quando estavam sendo forjados os fundamentos de sua moderna diplomacia econômica’.

Almeida, entretanto, antes de buscar respostas, preocupa-se em bem perguntar. Diz Kant que a razão deve pesquisar a natureza ‘não como um aluno, que presta atenção a tudo o que se mestre decide contar-lhe, mas como um juiz, que obriga a testemunha a responder-lhe todas as perguntas que ele mesmo ache apropriadas a seu fim’.

Pode-se dizer que Paulo Roberto de Almeida foi um bom aluno e fez perguntas essenciais para a compreensão da atuação do corpo burocrático brasileiro responsável pela incipiente política externa brasileira imperial. Suas conclusões, ainda que necessariamente impressionistas, poderiam resvalar no corporativismo ao denotarem posições como estas: ‘O Estado brasileiro imperial, em especial sua diplomacia, conseguiu ser mais avançado do que a sociedade que ele era suposto representar’ ou ‘(…) uma simples comparação internacional, ainda que perfunctória, revelará certamente o caráter distintivo, isto é, para melhor, da diplomacia econômica do Brasil no século XIX’ (p. 617).

Mas, talvez tendo em vista a lição de E. H Carr, Almeida entende que o ‘pensamento maduro combina objetivo com observação e análise’. Por isso, ele busca sustentar seus argumentos com ampla pesquisa documental primária (relatórios anuais da antiga Repartição dos Negócios Estrangeiros) ao mesmo tempo em que dialoga com vasta bibliografia secundária e apresenta anexos com cronologias, tabelas estatísticas e quadros analíticos que ajudam na compreensão e enriquecem o texto.

Cabe ao leitor dialogar com este material e criar sua impressão do papel de nossa diplomacia. Enfim, sendo o desejo o pai do pensamento, esta obra é o resultado da necessidade prática do diplomata em analisar sua atuação no presente. Sua trama alcança o passado e leva o autor à conclusão de que os momentos de continuidade da política externa suplantam os de ruptura. Sintetiza o pesquisador diplomata: ‘No caso da agenda modernizadora do Brasil, a carroça colonial convive com o moderno carro importado e o país tem de, na palavra de um de seus diplomatas, resolver ao mesmo tempo um problema de dengue e outro de informática’ (p. 32-3). Quase profético.

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Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.