Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O primeiro ombudsman da imprensa brasileira

[do release da editora]

O jornalista Caio Túlio Costa relança, pela Geração Editorial, seu livro Ombudsman – O Relógio de Pascal, totalmente atualizado e com dois capítulos novos. Trata-se do relato e da reflexão do primeiro ombudsman de imprensa no Brasil. Caio Túlio Costa exerceu a função de ombudsman da Folha de S.Paulo de setembro de 1989 a agosto de 1991, ‘com ousadia, independência e gosto pela polêmica indispensáveis para cair no gosto do público e tornar o trabalho de fato útil para a reflexão dos integrantes dessa categoria profissional tão contraditória, complicada e – acima de tudo – vaidosa’, escreve na apresentação do livro o jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva.

O autor retrabalhou todo o livro, atualizando dados e completando histórias, como a saída de Paulo Francis da Folha (Capítulo 11, ‘O salmão e a sardinha’, sobre ‘um ficcionista de imprensa’) e a que envolve a Folha, o ex-ministro Bernardo Cabral e o ombudsman. Caio Túlio acrescentou um capítulo em que entrevista os seis jornalistas que o sucederam no cargo de ombudsman.

Dividido em duas partes (‘A experiência’ e ‘A crítica’) e 19 capítulos, como ‘Alô desinformação’, ‘A indústria da difamação’ e ‘O espelho de Narciso’, Ombudsman – O Relógio de Pascal é um consistente estudo sobre a imprensa no Brasil e no exterior, com histórico, atualidade e perspectivas. Há também passagens curiosas e divertidas, como o sobre uma pergunta de um leitor (‘A passagem para o infinito é abrupta ou gradual?’) e o caso do leitor cartesiano de Muzambinho (MG), de 24 anos, que criticava o ombudsman e durante um bom tempo se correspondeu com ele; e um sobre brigas com colegas de Redação. Esses casos divertem o leitor, como divertiram o ex-ombudsman ao narrá-los.

O autor

Mineiro de Alfenas (1954), Caio Túlio Costa trabalhou 21 anos no Grupo Folha de S.Paulo. Foi secretário de Redação da Folha, correspondente em Paris, criador da Revista da Folha e da função de ombudsman. No mesmo grupo, fundou o UOL (Universo Online), provedor de internet, do qual foi diretor-geral de 1996 a 2002. É formado em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), onde faz mestrado em Ciências da Comunicação. Além de professor de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero, Caio Túlio é presidente-executivo da Fundação Semco e conselheiro e diretor de eventos do Instituto DNA Brasil, um think tank voltado para questões estratégicas do país. Participa do Conselho Curador da Casa do Saber, em São Paulo. No final dos anos 1970 dirigiu o Leia Livros, publicação mensal lançada pelo editor Caio Graco Prado e pelo jornalista Cláudio Abramo.

Caio Túlio Costa é autor de outros dois livros – O que é Anarquismo (Brasiliense, 1981) e Cale-se (A Girafa, 2003) – e organizador de Somos ou estamos corruptos? (Instituto DNA Brasil, 2006).



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Apresentação da segunda edição

Este livro saiu, pela primeira vez, em 1991, quando o ombudsman de imprensa era novidade absoluta e carreava desconfianças, principalmente entre jornais concorrentes, que viam nele apenas e tão-somente mais um produto de marketing. Sete ombudsmanatos (acostume-se com esse palavrão…) à frente, ele conseguiu se livrar de muitas das desconfianças e foi saudavelmente copiado em empresas e instituições públicas. Ganhou status de instituição. Deu certo.

Esta é uma reedição inteiramente revisada, do primeiro ao último capítulo. As atualizações necessárias foram realizadas e outras informações foram adicionadas, pois algumas delas ficaram de fora da primeira edição, umas em função da correria em acabar o livro e outras que só agora podem ser divulgadas, maturadas pelo tempo, sem rancores e sem remorsos.

Desta vez, o capítulo que trata do futuro dos jornais enfoca a batalha de sobrevivência das velhas mídias, uma expressão inexistente no primeiro livro, pois o relato foi pré-internet, escrito imediatamente antes do tsunami em que se transformou a indomada onda tecnológica responsável por mudanças de paradigmas na indústria da mídia.

Há um capítulo novo e complementar, com impressões, revelações e a análise de todos os ombudsmans que me sucederam e deram sentido à palavra que o Brasil acostumou-se a usar na esteira de um código do consumidor de primeiríssima qualidade, que nos ajuda contra empresas e autoridades, muitas das quais nunca saíram do último dos mundos, aquele em que os direitos do leitor e do consumidor continuam aviltados, principalmente junto à imensa maioria da população – que cada vez consome menos produtos impressos, não tem poder aquisitivo para comprar as maravilhas que o capitalismo desenvolve e pena para se incluir digitalmente.

Nesses anos que separam a primeira edição desta que você tem em mãos, o Brasil aprendeu a conviver em democracia e viu multiplicarem-se as ouvidorias em empresas e em repartições públicas. Na imprensa, enquanto se esvaeceram veículos de qualidade, o país assistiu ao jornalismo sendo desafiado ante a velocidade com que se produzem notícias via internet e, em paralelo, acompanhou batalhas da mídia para manter a independência editorial, como quando escorraçou a possibilidade de criação de um conselho governamental disposto a tutelar a mídia. No entanto, o Brasil ainda convive com a pré-história da convergência digital, aquela capaz de revolucionar a configuração nacional e mundial das empresas de comunicação.

Fiz também algumas revisões de opiniões e de impressões gravadas no calor do momento em que saiu o primeiro relato, impactado pela repercussão que teve a função junto aos jornalistas e concorrentes, em especial. Aos incautos, no entanto, eu garanto: teria feito tudo de novo, exatamente da mesma forma. Não há do que me arrepender. O livro não ganhou antes uma nova edição porque eu precisava da passagem do tempo para entender e corrigir alguma bobagem que houvesse escrito, precisava de tempo e pesquisa para atualizá-lo. Só consegui fazê-lo agora e por conta das variadas solicitações. Às escolas, às empresas diversas e às empresas de comunicação que me cobravam a dívida, aí vai. Está paga. (Caio Túlio Costa, São Paulo, 26 de março de 2006)



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Apresentação da primeira edição

[intertítulos da Redação do OI]

Este é o primeiro livro sobre o primeiro ombudsman de imprensa da América Latina. A atividade multissecular dos ouvidores públicos, que alcançou projeção maior entre os escandinavos, foi reinventada pela imprensa na década de 60 do século 20 nos Estados Unidos. Na América Latina, a Folha de S. Paulo é a pioneira na introdução desse programa de investigação das queixas dos leitores e de crítica ao próprio jornal, de defensor do leitor dentro de uma Redação. Coube a mim dar forma, implantar e consolidar um serviço de atendimento ao cidadão num país onde a cidadania nem chega a ser uma noção – é um desejo difuso e uma possibilidade distante.

Este livro vem para sistematizar a experiência, relatar um pouco desse exercício, discutir a ética no jornalismo, comparar os problemas enfrentados por colegas de outros jornais em vários países, explicar o que é essa palavra tão feia – ombudsman –, mas que pegou e começa a virar moda.

Minha maior preocupação era a de fazer com que a experiência funcionasse e fosse levada a sério. Tenho a certeza, infelizmente, de que muitos problemas levantados pelos leitores ficaram sem solução – muitas vezes por inépcia de minha parte, outras por falta de compreensão da Redação do jornal. Mas tenho a convicção de que os que procuraram o ombudsman foram de alguma forma atendidos e souberam como o problema foi, ou deveria ser, encaminhado.

Eu trabalhava como correspondente da Folha em Paris quando, em junho de 1989, o então diretor-adjunto de Redação do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva, me levou, em nome do diretor de Redação, Otavio Frias Filho, o convite para ser ombudsman. Desde 1986 que Frias Filho decidira adotar o programa, depois de acompanhar o sucesso do ombudsman do diário norte-americano The Washington Post e do espanhol El País. Eu estava havia mais de dois anos na França e precisava voltar ao Brasil.

Aceitei com prazer e apreensão a missão de implantar o serviço. Achava-me muito novo para o cargo – geralmente ocupado por jornalistas na beira da aposentadoria –, mas acreditava numa frase que Cláudio Abramo gostava de repetir: ‘A inexperiência é o melhor dos defeitos, melhora com o tempo’. Por ter começado no jornalismo em 1972, em Tupi Paulista (no interior de São Paulo), com Belmar Ramos, meu primeiro professor de jornalismo, dono do semanário O Imparcial, ter passado pela irrequieta imprensa estudantil na década de 70 (Dois Pontos e Avesso), ter ajudado a colocar de pé um mensário alternativo único na sua radicalidade (Beijo), ter colaborado com Caio Graco Prado e Cláudio Abramo na criação do Leia Livros (no final dos anos 70), ter dado aulas de jornalismo na PUC de São Paulo, ter editado a Ilustrada e secretariado a Redação da Folha durante cinco longos anos (que valeram por uns 30), eu me sentia em parte preparado para exercer a função de advogado do leitor e crítico dos meios de comunicação de massa. Uma ilusão, obviamente.

Questões éticas

A primeira coisa que fiz ao chegar ao Brasil, para assumir a tarefa, foi reler um pouco do ‘Jornal dos Jornais’, a coluna de crítica da mídia com a qual em meados dos anos 70 o jornalista Alberto Dines, na Folha, ensinava jornalismo em público. Com ela, Dines se tornara o media critic mais respeitado que o país já tivera. Eu estava na faculdade, cursando jornalismo, produzindo imprensa estudantil, e aprendia com enorme prazer com aquela fonte. Uma parte importante de minhas funções como ombudsman seria a da crítica dos meios de comunicação. Reaprendi um tanto desse tipo de crítica também com o jornalista Sérgio Augusto, que manteve coluna semelhante no Pasquim.

Nos primeiros dias no posto percebi que me faltava a qualidade principal para um ombudsman, a paciência. Exercitei-me em desenvolvê-la para atender, com o mesmo interesse, às vezes, mais de 50 reclamações idênticas num mesmo dia. Notei também que ninguém seria um bom ombudsman se não conhecesse profundamente a legislação que envolve seu material de trabalho. Eu, que conhecia superficialmente a nova Constituição, a Lei de Imprensa e os Códigos Penal e Civil, tive de ir atrás de algumas noções de Direito. Foi quando vi que nós, os jornalistas, não sabemos nem a diferença entre mandato e mandado.

Por falar nisso, o mandato do ombudsman na Folha é de no máximo dois anos. O defensor dos leitores é nomeado pela direção do jornal por um período inicial de um ano renovável por apenas e tão-somente mais um ano se ambas as partes estiverem de acordo. Existem jornais em que os mandatos são maiores, até mais de dez anos. Mas o ombudsman não pode ser demitido nesse período e goza ainda de estabilidade na empresa por mais um ano após deixar o cargo. Tudo por causa da delicadeza da função, para preservar sua independência. Os ombudsmen são amados pelos leitores e odiados pelos jornalistas. Nesse sentido, eram bastante previsíveis as reações corporativas com as quais topei pela frente.

O livro está dividido em duas partes. Na primeira pretendo dar conta da experiência na Folha, contextualizá-la e sistematizá-la. Inclui alguns casos interessantes acontecidos com leitores. Eles dão sabor à atividade. Na segunda, apresento e analiso os problemas de crítica mais difíceis que enfrentei. E uma parte mais teórica na qual pretendo pensar um pouco o jornalismo, detalhar seus rumos, mostrar como ele é feito (ou malfeito) no Brasil, medir sua capacidade de independência, levantar questões éticas e, no final, realizar numa espécie de metacrítica, discutir como ela é praticada (e faz sucesso) na imprensa brasileira. É um livro para os que gostam de ler e ver notícias, para os que acompanham a mídia, para os jornalistas e para os estudantes de humanidades em geral, em especial os de jornalismo.

Uma instituição

Desejo com esta contribuição compartilhar, de maneira sistemática e ordenada, um exercício que acabou se tornando polêmico, despertou curiosidade, rendeu-me desavenças e a perda de várias amizades queridas, mas que foi realizado sempre de olho num lema deixado por Hubert Beuve-Méry, o fundador do Le Monde: ‘Pas de léche cultage!’ (sem puxa-saquismo, numa tradução mais leve). Esta indicação me vale tanto para o jornalismo quanto para a vida.

Eu gostaria também de deixar aqui meu mais reconhecido agradecimento a todos os leitores que procuraram e acreditaram no ombudsman da Folha. Alguns foram presença constante, quase diária, sempre atentos e exigentes, uma competente rede de colaboradores aos quais eu devo muito do trabalho. Ajudaram-me a inventar a função. São eles: Ariovaldo Thibes, Beneal Fermino de Brito, Carlos Eduardo Martins, Carlos Reginato, Celso Pedra Luft, Claudinei Nacarato, Daura Lorenz, Denizard Freitas, Drausio Colli Sampaio, Duilio Martino, Flávia de Castro Lima, Fumi Sato, Gunnar Kelsch, Jaime Fernandez Galiana, José Aparecido Gonçalves, José Jackson Martins, Juarez Cavallari, Hanns J. Maier, Maria Helena Bueno Vieira de Castro, Maria José Alves Uma, Maurício Ramos Thomaz, Miguel Alexandre de Araújo Neto, Nassib Rabeh, Paul Magnoni, Paulo César Minchin, Rogério Eduardo da Silva Castilho, Ricardo Freire, Roldão Simas Filho, Rômulo Corrêa Josué e Victor Enrietti. Sem minha secretária, Simone Brino, eu renderia muito menos. Quem lhe deve agradecimentos, contudo, são os leitores. Era para eles que ela funcionava – não deixou de passar ao ombudsman nenhuma ligação! Foi implacável somente com os anônimos…

Aos amigos Carlos Eduardo Lins da Silva, presença cotidiana e conselheira, e José Paulo Cavalcanti Filho, presença semanal nos telefonemas dos domingos à noite, quando se revelava meu mais exigente leitor, eu devo muito no aprendizado da função e no apoio nos momentos mais depressivos. À minha mulher, Izabel Kranz, e aos amigos Carlos Eduardo, Cláudio Weber Abramo, Mário Sérgio Conti e Renato Janine Ribeiro eu agradeço a cuidadosa leitura dos originais e as preciosas observações. Ao diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, rendo homenagem pelo destemor em adotar a função de ombudsman no seu jornal e a ajuda para fazer dessa atividade uma verdadeira instituição. Sem sua determinação, o primeiro ombudsman de imprensa no Brasil teria durado somente alguns dias. (São Paulo, junho de 1991)