Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que a revista não quer que você veja

A revista Veja tem entre suas melhores qualidades reportagens e artigos escritos de forma envolvente, de fácil compreensão, a exemplo da matéria na edição 2058 (‘Contraste’ – 30/04/08, pág. 96), a respeito das novas descobertas no campo de pesquisas com células-tronco. Este é um dos motivos que levaram esta revista a ser a mais lida no Brasil, sendo eu, inclusive, um de seus assinantes. A forma como seus profissionais buscam informações tão complexas e as editam, tornando-as acessíveis aos leigos, causam impacto profundo na opinião pública.

Mas isso, infelizmente, é conforme o interesse de Veja. Aquela história de imparcialidade, profissionalismo, de tratar opiniões divergentes de forma justa, às vezes é esquecida por seus editores. Se não, vejamos o exemplo do tema ‘células-tronco embrionárias’. Desde que o assunto chegou ao STF – e sua votação está parada em razão do pedido de vista pelo ministro Menezes Direito – Veja e alguns de seus colunistas vêm batendo sistematicamente no ministro e na Igreja católica, transformando-os em vilões da história.

A referida matéria traz afirmações de que as pesquisas com embriões não possuem restrições além das de ordem ética e religiosa (como se isso fosse pouco), enquanto as pesquisas com células adultas trazem sérias contra-indicações terapêuticas. Com alguma boa vontade, e alguns minutos em frente ao Google, é possível perceber as distorções das afirmações de Veja, mesmo filtrando e eliminando sites tendenciosos.

Omissão proposital

Na ‘Carta ao Leitor’, nessa mesma edição (pág. 9), Veja diz: ‘… dada a complexidade do tema, se ela não estivesse sendo usada de forma proposital para tentar convencer os ministros do STF da inutilidade do uso das células-tronco embrionárias’. E depois afirma: ‘… uma vez que embriões usados nas pesquisas, obtidos em tubos de ensaio, são inviáveis para o implante em úteros maternos…’ Primeiro, Veja induz os leitores a acreditar que os argumentos dos opositores às pesquisas com células-tronco são inválidos, sem se aprofundar no tema e expor aos leitores que argumentos seriam estes. Depois, mente ao ocultar que existem casos de crianças que nasceram de embriões que ficaram congelados por até dez anos.

Por que Veja não trouxe a nós, leitores, os argumentos éticos e religiosos de quem se opõe? Sim, o assunto é também de ordem ética e religiosa, não apenas científica. De ordem ética por se tratar de vida, pois o embrião, mesmo congelado, é um organismo vivo. De ordem religiosa pela crença de que o embrião já possua um espírito. E de ordem científica por se tratar de um embrião humano, ou seja, um ser humano. Dadas ao embrião todas as condições para se desenvolver, ele não se tornará um vegetal, nem um sapo, nem outro animal qualquer. Ele se tornará uma pessoa como qualquer um de nós.

São estas informações que Veja propositalmente omite. Por que?

Conseqüências perigosas

Faço um apelo a todas as pessoas, principalmente àquelas que são favoráveis às pesquisas com embriões, para que reflitam seriamente sobre este assunto, sem se deixarem levar pelo clima de ‘final de campeonato’. O destino daqueles conjuntos de células, que nós mesmos já fomos um dia, está em jogo. O fato deles não possuírem ainda consciência não deve ser levado em consideração. Considerem que já possam ter alma. Dêem-lhes uma chance de se desenvolverem e, quem sabe, um deles não seja no futuro um Nobel da Paz, ou de Medicina. Já seria maravilhoso se eles tivessem ao menos a chance de nascer.

A Igreja católica não é contra as pesquisas que possam trazer melhoria à saúde de milhares de brasileiros que sofrem. É contra as pesquisas que sacrificam vidas humanas. Talvez haja uma falha na forma como ela expõe seus argumentos que, bem esclarecidos, são válidos e compreensíveis a todos os cristãos. Não há insensibilidade perante o sofrimento alheio, mas sim, a certeza de que devemos preservar toda forma de vida humana, desde a sua concepção. Meu pai é Parkinsoniano e toma medicamentos para o Mal de Alzheimer, logo, considero-me candidato a estas doenças no futuro. Mas não posso aceitar que vidas, só porque foram iniciadas de forma artificial e não tiveram ainda a chance de se desenvolverem, sejam sacrificadas para curar a mim ou aos meus filhos um dia.

A aprovação das pesquisas em embriões trará conseqüências perigosas: a criação de uma indústria de fertilização in vitro, na qual vidas serão criadas e abatidas, como gado, visto que os cerca de 3.000 embriões congelados no Brasil se esgotarão; casais com problemas para engravidar serão convencidos de todas as maneiras, talvez até com vantagens financeiras (como descontos pelos embriões que não forem utilizados), a tentarem a inseminação artificial ao invés da optarem pela adoção de crianças órfãs; a ética será sensivelmente afetada se aceitarmos que uma vida com outra vida se paga.

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Bancário, Amparo, SP