Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O repórter dos subterrâneos do Congresso

[do release da editora]


Existem dois Congressos, escreve Lucio Vaz neste livro polêmico e arrasador. Um deles – o oficial, digamos assim – é capaz de fazer uma nova Constituição, aprovar o impeachment de um presidente, lutar contra a ditadura, fazer leis para o país crescer. O outro – subterrâneo, revoltante, criminoso – vende votos, aluga mandatos e legendas, emprega parentes, toma dinheiro de humildes funcionários, exige cargos e verbas do governo federal, assalta empresários (que aceitam as regras deste jogo sujo) e até trafica drogas.


É desse submundo que este livro trata. Seu autor, o jornalista Lucio Vaz, 47 anos, passou os últimos 20 anos de sua vida em Brasília, trabalhando basicamente para os jornais Folha de S.Paulo e Correio Braziliense. Suas reportagens – base para o pavoroso relato deste livro – tratam de temas sombrios, revoltantes.


Lucio Vaz investigou denúncias envolvendo deputados, senadores e governadores em 26 estados. Da pequena e violenta Canapi, em Alagoas – de onde foi expulso por jagunços –, de Marabá, no Pará – onde políticos escravizavam meninos de oito anos –; de Porto Velho, em Rondônia – onde um senador acusado de envolvimento com o narcotráfico acabou fuzilado na véspera de uma eleição –, aos próprios ambientes do Congresso Nacional – onde se consomem 15 quilos de cocaína por mês –, Lucio Vaz vai enumerando histórias de arrepiar os cabelos.


Seria o Congresso Nacional, com seu lamentável submundo, um irradiador destes maus costumes pelo país afora? Ou – o que parece mais trágico – será o Congresso, na verdade, com seus homens todos eleitos pelo voto popular, um triste espelho da Nação e de seu povo?


Os duros generais da ditadura militar – que desprezavam o Congresso – não acreditavam na democracia. Um herói popular brasileiro – Pelé – disse uma vez que ‘o brasileiro não sabia votar’. Ao final da leitura deste livro, é inevitável um perigoso pensamento: se é assim, para que serve a democracia? Não seria melhor fechar esta Casa corrompida e abjeta?


Felizmente, não. A democracia ainda é o menos pior dos regimes, e a ditadura, qualquer ditadura, acaba atentando, ao final, não só contra a liberdade, mas contra a própria vida. E, como já ficou claro, existem dois Congressos: um deles, cujo tamanho precisamos ainda esclarecer, é aquele que faz uma Constituição, luta pela liberdade, vigia o Estado e até depõe um presidente. Vale a pena apostar que um dia será este Congresso – e não o outro – que prevalecerá.


O autor


Gaúcho de São Gabriel (RS), há 20 anos em Brasília, Lucio Vaz passou por diversas redações, especializando-se no jornalismo investigativo. Começou a cobrir o Congresso Nacional em 1985. Acompanhou a Assembléia Constituinte e as quatro últimas campanhas presidenciais. Trabalhou por 13 anos na Folha de S.Paulo, onde se aprofundou na cobertura do chamado ‘baixo clero’ — deputados de pouca expressão política, que são geralmente manipulados pelos líderes dos partidos e pelos governos que se sucedem.


Suas matérias tratam de temas sombrios, como nepotismo, compra de voto, aluguel de legenda, mordomias e aumentos salariais para deputados. Percorreu os 26 estados a trabalho, cobrindo eleições, fraude em convenções, massacre de índios, ou investigando desvio de dinheiro público. Foi coordenador de política da sucursal de O Globo em 2000. Passou pelo Estado de Minas e atualmente trabalha no Correio Braziliense.


Mas percorreu um longo caminho até chegar aos grandes jornais. Foi radialista, cinegrafista e ilustrador em Pelotas (RS), até chegar à reportagem de jornal, no Diário da Manhã. Em seguida, trabalhou na sucursal da Caldas Júnior, que editava os jornais Folha da Manhã, Folha da Tarde e Correio do Povo, em Porto Alegre.




Prefácio


Eliane Cantanhêde


Se o deputado Severino Cavalcanti é o ‘rei do baixo clero’ do Congresso, o jornalista Lúcio Vaz é o ‘rei do baixo clero’ na imprensa.


Os motivos, porém, são completamente diferentes, até opostos. Um, Severino, está dentro do ‘baixo clero’. O outro, Lúcio, observa de fora, persistente, quem é, o que é, como age e por que (ou por quem) age o ‘baixo clero’.


Este livro de Lúcio Vaz é um livro sobre os ‘severinos’ e os perigos que eles representam. Lúcio, como ninguém, conhece, entende e reporta quem são, como são e como operam os agora notáveis líderes do ‘baixo clero’ que viraram ‘cardeais’. Viu e contou reuniões de arrepiar os cabelos, liquidar com as esperanças e ideologias. Entrevistou os espertos que compram e os mais espertos ainda que vendem votos, trocam de partido como de camisa e são decisivos para manter o país no atraso. Ou, pior, para manter milhões de pessoas excluídas do progresso, da civilização e do alcance do Estado.


Severino é um legítimo líder dos deputados sem ideologia, sem visão pública,preocupados mais com o corporativismo interno do que com o interesse da população – ou do eleitor. Lúcio Vaz é o jornalista que mais estudou, entendeu, seguiu e relatou esse mundo à parte, mas cada vez mais importante, do Parlamento brasileiro. Digamos que seja um expert nos ‘severinos’ da política.


Severino Cavalcanti é aquele político tosco, às vezes divertido, que conhece como ninguém os corredores, gabinetes e as imensas vantagens que a Câmara pode oferecer, não como Casa de representação popular, mas como casa empregadora e distribuidora de mimos para seus ‘empregados’. Ele lidera uma legião de parlamentares que estão longe dos holofotes e dos microfones, mas muito perto das benesses do poder. Um dia já foram chamados de ‘300 picaretas’ por um retirante que virou líder sindical, depois deputado federal e por fim presidente da República. E que agora tenta suportar e ser suportado pelos ‘picaretas’ que antes condenava.


Já Lúcio Vaz é o jornalista que há 15 anos anda na contramão da cobertura política em Brasília. Repórteres, colunistas, chefes e editores freqüentamos os gabinetes das presidências e das lideranças, circulamos pelo Salão Verde da Câmara, somos aceitos no cafezinho do Senado. Conversamos sobre política, estratégia, acordos táticos, futuro da nação. Ou corremos com nossos gravadores e bloquinhos de anotações atrás de declarações fluidas e carregadas de significados pelos tapetes que separam plenários de gabinetes. Lúcio Vaz, não. Ele vai, literalmente, mais fundo. Sai da superfície dos concretos e vidros de Oscar Niemeyer para escarafunchar o ‘baixo clero’ nos meandros mais subterrâneos.


Hoje, porém, superfície e subterrâneo se encontram. ‘Cardeais’ e ‘baixo clero’ disputam os mesmos gabinetes e cargos. Lúcio Vaz e os demais repórteres, colunistas, chefes e editores se confundem e se trombam em todos os locais do Congresso.


O ‘baixo clero’ chegou ao poder. Saiu dos subterrâneos e emergiu para as presidências e lideranças. Ocupa a tribuna de honra, determina a pauta, a agenda, conduz as votações, pressiona os governos. E ganha mais e mais vantagens. Antes, pressionava para ganhar. Agora, tem a caneta. Basta assinar e estamos todos conversados.


A obra de Lúcio Vaz, que além de tudo tem um texto solto, fácil de degustar, pode ser classificada como o livro certo na hora certa. Ele desfaz a sensação de que a vitória de Severino foi uma surpresa. E conta como Severino, em nome de seus ‘severinos’, conseguiu, devagar e sempre, de reunião em reunião, de negociação em negociação, evoluir de ‘rei do baixo clero’ a presidente da Câmara dos Deputados. Um processo que durou anos. E que, agora, parece de uma clareza cristalina. Estava escrito nas estrelas. E está muito bem contado neste livro revelador.


(*) Jornalista, colunista da Folha de S.Paulo