Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O retrato de uma época

Este texto tem o propósito de apresentar um balanço do jornalismo econômico entre a década de 1930 e o Plano Cruzado, nos anos 80, com base principalmente em depoimentos de cerca de 60 profissionais que viveram e testemunharam o processo de construção dessa área especializada do jornalismo.

Até a metade dos anos 1960, o jornalismo político ofuscava as boas iniciativas de profissionais de imprensa preocupados com assuntos econômicos, na medida em que a própria economia não se firmara na opinião pública enquanto ciência autônoma. A hegemonia do jornalismo político refletia, assim, o embate entre forças partidárias e produtivas, marcado por acirrado conflito ideológico, notadamente com relação ao patrimônio.

Após as reformas econômicas e financeiras 1965-66, com a ascensão ao núcleo do poder central de uma elite técnico-burocrata formada agora por economistas e não mais por profissionais do direito (as faculdades de direito inseriam a economia nos seus campos de atuação), houve uma inversão de papéis. O jornalismo econômico atingiu a maioridade não apenas devido à modernização da economia e à censura ao noticiário político, como também por causa de novas necessidades e aspirações da classe média em ascensão, ávida por informações sobre opções de aplicações, investimentos e outros serviços, bem como de proteção contra o surto inflacionário que surgiu na esteira da decadência do ‘milagre’, trazendo de volta a realidade corrosiva do início dos anos 1960.

O fim do militarismo trouxe um certo equilíbrio entre o econômico e o político, com a macroeconomia permeando as questões políticas e os negócios ganhando nova dinâmica, com impacto na cobertura da imprensa especializada.

A primeira parte deste texto, denominada ‘Uma corrente heterodoxa’, aborda a construção do jornalismo econômico nos jornais do Grupo Folhas, cujos profissionais em geral tiveram formação acadêmica basicamente nas áreas de Direito, Ciências Sociais, Engenharia e Comunicação. A começar pelo advogado Mário Mazzei Guimarães, que na década de 30 começou a fazer um boletim econômico no Sindicato Rural de Barretos e na seqüência foi trabalhar na área econômica da Folha da Manhã. Este tipo de jornalismo forjou o surgimento de nomes como Aloysio Biondi, Roberto Müller Filho e Joelmir Beting, entre outros.

A segunda parte, chamada de ‘Uma corrente ortodoxa’, inicia-se com o ingresso no jornal O Estado de S.Paulo de Geraldo Banas, na década de 1940, e Robert Appy, no início da década de 50, os dois com sólida formação econômica adquirida na Europa. Também aborda o desenvolvimento do jornalismo econômico no Jornal da Tarde, com expoentes como Celso Ming, Marco Antonio Rocha e Luiz Nassif. Uma parte interessante foram as grandes brigas assumidas por Alberto Tamer, com o respaldo do jornal O Estado, em temas como nordeste, petróleo, Itaipu e Transamazônica.

A terceira parte – ‘A escola de Geraldo Banas’ – mostra a preocupação inicial de Assis Chateaubriand em reforçar a área de economia dos jornais dos Diários Associados, a começar pela contratação do alemão, naturalizado brasileiro, Geraldo Banas e de Benedito Ribeiro no início da década de 1950. Na mesma época, Banas criou uma editora, por meio da qual lançou a revista econômica Banas e os famosos Anuários, por setores, nas áreas industrial e financeira.

‘Precursores do jornalismo de negócios’ é o título da quarta parte, que mostra a trajetória de nomes como Hideo Onaga e José Yamashiro na revista Visão, assim como a criação em 1967 do Quem é quem na economia (da Visão) por Aloysio Biondi, com análises setoriais e o ranking nacional das empresas’, bem antes de Melhores e Maiores (da Exame) e do Balanço Anual (da Gazeta Mercantil). Também relata a marcante passagem pelas revistas técnicas da Editora Abril de Marco Antonio Rocha e Matías Molina, no início dos anos 60s. Ressalta, ainda, a visão de Molina já nessa época da importância do jornalismo de negócios, o que o levou a criar a revista Exame inicialmente como um encarte das revistas técnicas. Relata a passagem por Veja e Exame de novos talentos como Celso Ming, Paulo Henrique Amorim, Guilherme Velloso e José Paulo Kupfer, bem como a fase meteórica da revista Mundo Econômico, da Cooperativa Agrícola de Cotia, e a criação do importante caderno Diretor Econômico, no jornal Correio da Manhã, pela dupla Novaes e Biondi.

A quinta parte – ‘Um jornal de economia e negócios’ – conta a trajetória da Gazeta Mercantil, adquirida em meados da década de 1930 pelo empresário e jornalista Herbert Levy. Em 1950, passou a ser impressa em máquinas planas (até então, era mimeografada) e ganhou o nome de Gazeta Mercantil Industrial Financeira e Econômica. Após a fase ‘romântica’, com nomes como Antonio Fernandes Neto, Mário Watanabe, Tide Hellmeister, Teodoro Meissner e Jaime Matos, veio a grande reforma, em 1973, inicialmente com Hideo Onaga, Klaus Kleber, Frederico Vasconcelos e Rocco Buonfiglio, entre outros. Ao assumir em 74, Roberto Müller Filho continuou e aprofundou a reforma do jornal, levando profissionais como Cláudio Lachini, Glauco Carvalho, Aloysio Biondi e Matías Molina.

A sexta parte – ‘Jornalismo agrícola: do academicismo à profissionalização’ – aborda o surgimento, em 1955, do Suplemento Agrícola do jornal O Estado de S.Paulo, cujo enfoque, mais agronômico, era dado por professores da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (ESALQ) e pesquisadores do Instituto Agronômico (IAC). Em 1960, José Yamashiro iniciou a reformulação da revista de tecnologia Coopercotia, mesclando jornalistas experimentados e novos valores como Ivan Nakamae. Na mesma época, foi criada a revista de tecnologia Dirigente Rural do Grupo Visão. Para preencher um vácuo existente, em meados da mesma década, Mário Mazzei Guimarães comprou o jornal Correio Agro-Pecuário e o transformou em bandeira da defesa política da agricultura.

No início dos anos 70, José Carlos Cafundó de Moraes começou a acompanhar agricultura e abastecimento em O Estado de S.Paulo, percebendo que havia uma relação direta entre as duas áreas. Na Folha de S.Paulo, Joelmir Beting revigorava a cobertura da agricultura, agregando a Folha Agrícola à economia. E as crises de abastecimento começavam a ganhar espaço nas páginas da economia. Em 83, o Estado lançava o novo Suplemento Agrícola, com mais espaço para economia, cujo projeto editorial foi encomendado a Cafundó de Moraes. E Octavio Frias chamava Borin para modernizar e ampliar a Folha Agrícola, abrindo o caminho para o surgimento do Agrofolha.

A sétima parte – ‘Sotaque carioca’ – apresenta nomes de jornalistas cariocas ou que viveram no Rio de Janeiro, mas que acabaram criando vínculos com a imprensa de São Paulo. São os casos de Noênio Spínola, que criou a grande editoria de Economia do Jornal do Brasil, com especialização por áreas; Paulo Henrique Amorim e José Paulo Kupfer, que deixaram o Rio para participar da dinamização da revista Exame; Suely Caldas que começou a cobrir comércio exterior na sucursal carioca da Gazeta Mercantil, e dos gaúchos Paulo Totti e Ismar Cardona, que se transferiram para o Rio, o primeiro assumindo a sucursal carioca da Gazeta Mercantil e o segundo criando a editoria de Economia de O Globo.

A oitava parte, denominada ‘Jornalismo econômico na imprensa alternativa’, resgata o papel de profissionais como Raimundo Pereira, Bernardo Kucinski, Marcos Gomes e Aloysio Biondi em jornais como Movimento e Opinião, que combatiam o milagre econômico brasileiro durante o regime militar.

Transição para a Democracia

A nona parte (‘Transição da ditadura militar para a democracia’), a mais longa, mostra a criação da Associação dos Jornalistas de Economia do Estado de São Paulo (AJOESP) em 1972, durante o ‘milagre econômico’, por um grupo de profissionais que incluíam nomes como Aloysio Biondi, Rolf Kuntz, Klaus Kleber, Gabriel Sales, Rocco Buonfiglio e Marco Antonio Rocha. A Ajoesp nasceu para valorizar o exercício do jornalismo econômico e promover o aperfeiçoamento profissional, por meio de cursos, estágios, viagens e palestras, entre outros objetivos.

Também relata a inauguração da informação econômica diária no rádio e na televisão, nos anos 1970, com Joelmir Beting e Marco Antonio Rocha; a criação nos anos 1980 do programa Crítica & Autocrítica, da Gazeta Mercantil, na TV Bandeirantes, conduzido por Roberto Müller Filho; a indicação de Washington Novaes como o primeiro editor de economia do Jornal Nacional da TV Globo; e o projeto DCI, lançado por Aloysio Biondi, como alternativa à Gazeta Mercantil, para abrir espaço aos pequenos e médios empresários.

Apresenta ainda o projeto de quinzenalização da revista Exame, comandado por Paulo Henrique Amorim, e a ascensão (e queda) de Pedro Cafardo à chefia da editoria de Economia da Folha de S.Paulo, época em que economistas como José Serra e Eduardo Suplicy começaram a trabalhar na redação. Detalha a primeira eleição de oito líderes empresariais, encabeçados por Cláudio Bardella, organizada pela Gazeta Mercantil para externar o pensamento do setor sobre o momento de transição política, bem como a criação do projeto Balanço Anual, que fazia análise do desempenho dos setores da economia.

Revela como Luiz Nassif ingressou na economia na revista Veja, para acompanhar finanças; como Nassif começou a abordar, no Jornal da Tarde, temas de interesse do consumidor como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), condomínio, aposentadoria, Banco Nacional da Habitação (BNH) e reflexo da política tarifária em contas como telefone; a criação de uma seção de serviços no JT, que, além do mercado de ações, passou a cobrir assuntos de interesse do cidadão; e como Nassif conseguiu emplacar o projeto do Jornal do Carro no JT, que no entanto perdeu o caderno de informática para a Folha de S.Paulo.

Estão incluídos nesta parte a reforma da Folha de S.Paulo, baseada no documento ‘A Folha: alguns passos são necessários dar’, de 1981, produzido por Boris Casoy e Odon Pereira a partir da contribuição de Cláudio Abramo, com o objetivo de fazer um jornalismo mais moderno e com uma imagem voltada para a crítica social que a classe média fazia à ditadura; os famosos encontros de quinta e sexta-feira em São Paulo do então ministro Delfim Netto com os jornalistas de economia, em conversas individuais, para discutir a recessão econômica decorrente da crise da dívida externa brasileira de 1982; e a introdução do jornalismo de serviços para donas-de-casa na rádio Jovem Pan por Alberto Tamer, por causa da recessão, depois inflação, estagflação e hiperinflação.

Finalmente, apresenta a preparação de alternativa à política econômica de Delfim Netto, a partir da Secretaria da Fazenda do Governo Montoro, cujo titular João Sayad tinha como assessor de imprensa Carlos Alberto Sardenberg. O jornalista escrevia documentos para Sayad e reescrevia textos de outros economistas, passados por Sayad para circularem e serem discutidos, sobre combate à inflação, inércia inflacionária, indexação etc. Com a posse do presidente José Sarney e o fortalecimento de Sayad, então ministro do Planejamento, o assessor de comunicação Sardenberg continuou escrevendo documentos e preparando textos para discussão entre os economistas que assumiram o poder, como Pérsio Arida, Edmar Bacha e André Lara Resende.

Relata a ida de Roberto Müller Filho para Brasília, como chefe de gabinete do novo ministro da Fazenda, Dílson Funaro, após licenciar-se da Gazeta Mercantil. Mostra como ele tratou duramente os seus colegas de jornal na fase anterior ao lançamento do Plano Cruzado. As maiores vítimas foram Celso Pinto e Cláudia Safatle, que acabaram ‘furados’ por outros jornais.

A decisão de lançar o Plano Cruzado de surpresa prejudicou bastante o trabalho de comunicação, na análise de Sardenberg. Mas havia um conflito entre a necessidade de manter o sigilo e a de planejar a divulgação. Resultado: não houve planejamento e a divulgação foi improvisada e tumultuada porque as decisões foram tomadas de afogadilho.

Não poderia deixar de agradecer ao jornalista Rolf Kuntz cujo incentivo foi fundamental para a conclusão deste trabalho.

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Jornalista