Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O risco da ignorância

De acordo com Platão, a ignorância é a raiz de todo o mal. O filósofo grego nos ofereceu também uma famosa e ainda atual definição do conceito oposto: o conhecimento. Para Platão, o conhecimento é a “crença verdadeira justificada”. Esta definição merece certas considerações enquanto meditamos a respeito dos perigos da ignorância no século 21.

Platão pensou que três condições teriam de ser satisfeitas para que possamos “conhecer” alguma coisa: a ideia em questão precisa ser verdadeira; precisamos acreditar nela (afinal, se não acreditarmos em algo que é verdadeiro, não poderemos afirmar conhecê-lo); e, em um aspecto mais sutil, é preciso que haja justificação – devem haver motivos para acreditarmos que a ideia é verdadeira.

Tomemos como exemplo algo que todos nós pensamos conhecer: a Terra é (aproximadamente) redonda. Isso é tão verdadeiro quanto podem ser os fatos astronômicos, particularmente porque enviamos satélites artificiais para a órbita e vimos que, realmente, o planeta é arredondado. A maioria de nós (com exceção de uns poucos lunáticos adeptos da hipótese da Terra plana) também acredita que as coisas, de fato, sejam assim.

E quanto à justificação dessa crença? Como responderíamos se alguém perguntasse por que acreditamos que a Terra é redonda? O ponto de partida mais óbvio seria indicar as imagens de satélite já mencionadas, mas, então, nosso cético interlocutor poderia indagar, com razão, se de fato sabemos como tais imagens foram feitas. A não ser os especialistas em engenharia espacial e em softwares de imagem, todos os demais encontrariam problemas para responder desse ponto em diante.

Guerras injustas

É claro que poderíamos citar motivos mais tradicionais para se crer que a Terra é redonda, como o fato de nosso planeta projetar uma sombra arredondada sobre a Lua durante os eclipses. Naturalmente, teríamos de estar em posição de explicar – caso questionados – o que é um eclipse e como descobrimos a sua dinâmica.

Pode-se ver até onde isso poderia chegar sem grande esforço: se formos longe o bastante, a maioria de nós não conhece, no sentido platônico, praticamente coisa nenhuma. Em outras palavras, somos muito mais ignorantes do que percebemos.

Sócrates, o professor de Platão, ganhou fama ao provocar as autoridades atenienses e se dizer mais sábio do que o Oráculo de Delfos, que afirmava ser o mais sábio de todos, pois ele, ao contrário da maioria das pessoas (incluindo-se entre elas as autoridades atenienses), tinha consciência de que nada conhecia.

Se a humildade de Sócrates era sincera ou apenas uma piada secreta às custas dos governantes no poder (antes de tais governantes o terem condenado à morte quando se cansaram de sua irreverência), a questão é que o ponto de partida da sabedoria está no reconhecimento do quão pouco nós, de fato, conhecemos.

O que nos leva ao paradoxo da ignorância na era atual: por um lado, somos constantemente bombardeados com as opiniões especializadas emitidas por pessoas de todo o tipo – algumas com os nomes acrescidos do título de Ph.D., outras não – que nos dizem exatamente o que pensar (apesar de raramente exporem os motivos pelos quais deveríamos pensar assim).

Por outro lado, a maioria de nós é composta por pessoas terrivelmente desacostumadas a praticar a venerável e vital arte de detectar baboseiras (ou, em termos mais elegantes, a arte do pensamento crítico), tão necessária em nossa sociedade moderna.

Podemos pensar no paradoxo de outra maneira: vivemos em uma era em que o conhecimento – no sentido de informação – é constantemente oferecido em tempo real por meio de computadores, smartphones, tablets eletrônicos e leitores de livros digitais. Ainda assim, falta-nos a habilidade elementar de interpretar toda essa informação – a capacidade de encontrar as pepitas de ouro em meio ao cascalho. Somos massas ignorantes encharcadas de informação.

Pode ser, é claro, que a humanidade tenha sempre apresentado uma escassez de pensamento crítico.

É por isso que ainda nos permitimos ser convencidos a apoiar guerras injustas (e até a nos sacrificarmos nelas) ou a votar em pessoas cuja principal ocupação parece ser reunir para os ricos a maior riqueza que puderem acumular impunemente.

Primeira mão

Esse é também o motivo pelo qual tantas pessoas são tapeadas por “médicos” homeopatas que lhes receitam pílulas de açúcar e também porque seguimos os conselhos dados por celebridades (em lugar de médicos de verdade) a respeito da vacinação de nossos próprios filhos.

No entanto, o pensamento crítico nunca foi tão necessário quanto agora, na era da internet.

No caso dos países desenvolvidos – e, cada vez mais, nos países em desenvolvimento – o problema não está mais no acesso à informação, mas sim na falta de capacidade de processar e interpretar essa informação.

Infelizmente, é improvável que universidades, escolas do ensino médio e até da educação infantil passem a oferecer, por conta própria, cursos obrigatórios de formação do pensamento crítico. A educação tem sido cada vez mais transformada em um sistema de commodities, no qual os “fregueses” (antes chamados de estudantes) são mantidos satisfeitos com currículos personalizados enquanto são preparados para o mercado de trabalho (em vez de serem preparados para agir como cidadãos e seres humanos responsáveis).

Isso pode e precisa mudar. No entanto, para tanto, é necessário um movimento comunitário que use os blogs, as revistas online e os jornais eletrônicos, os clubes do livro e os clubes sociais e tudo o mais que possa funcionar na promoção de oportunidades educacionais para o desenvolvimento do pensamento crítico. Caso contrário, conheceremos, em primeira mão, um futuro de profunda ignorância.

******

Professor de Filosofia do Centro de Pós-Graduação da Universidade Municipal de Nova York