Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O vanguardismo da comunicação paulista

A hegemonia conquistada por São Paulo no panorama brasileiro do século XX foi conseqüência da acumulação capitalista, responsável pela aceleração industrial que transformou esta região no maior pólo econômico da América Latina. Mas esse episódio da História Contemporânea tem sido examinado sob diferentes prismas – socais, políticos, psicológicos – deixando de lado os fatores comunicacionais, que também funcionaram como alavancas do desenvolvimento.

Coube ao brazilianist Robert Levine, autor do livro A locomotiva (Rio: Paz e Terra, 1982), resgatar a importância da comunicação na clivagem da sociedade paulista. Ele compõe um quadro muito amplo, correlacionando as comunicações físicas (vias hidrográficas, rodovias, ferrovias, telefonia) às comunicações culturais (imprensa, radiodifusão, cinema) e às comunicações corporativas (congressos, encontros, seminários, cursos, feiras e exposições).

A confluência desses fatores, no tempo, determinou a integração dinâmica de São Paulo com as demais unidades da federação brasileira, da mesma forma que, no espaço, cimentou a cooperação entre as diferentes sub-regiões incrustadas na geografia paulista.

Infelizmente tal agenda investigativa vem merecendo pouca atenção da nossa comunidade acadêmica.

Por isso mesmo, quando a cidade de São Paulo celebrava seus 450 anos de fundação, achei o momento oportuno para reunir evidências sobre o papel da comunicação no desenho da moderna fisionomia da civilização bandeirante.

Convidei colegas das principais disciplinas que integram o universo das ciências da comunicação para reconstituir o itinerário do seu campo de trabalho ou para resgatar o protagonismo de personalidades que alavancaram o vanguardismo comunicacional paulista.

O evento foi realizado em 2004 no Auditório do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sendo organizado em duas seções: uma dedicada às indústrias midiáticas e outra focalizando as profissões do campo comunicacional.

Mosaico sociográfico

A primeira parte está enfeixada no livro São Paulo na Idade Mídia, que organizei em parceria com o professor Antonio Adami e foi publicado, com apoio da UNIP, pela Editora Arte & Ciência (2004). A segunda parte acaba de ser lançada no mercado editorial, pela Editora Angellara, com o apoio da INTERCOM, sob o título Os Bandeirantes da Idade Mídia (2007).

A intenção evidente é a de constituir um quadro de referências capaz de subsidiar o conhecimento histórico nas escolas de comunicação existentes no Estado de São Paulo. Outra ambição, não explícita, é de suscitar o apetite cognitivo dos profissionais que atuam nas indústrias midiáticas, oferecendo indicadores vocacionados para fortalecer a auto-estima indispensável ao êxito ocupacional. Mais recôndito é o desejo de ajudar os cidadãos que são usuários das redes comunicacionais a entender sua trajetória e a discernir sua missão.

Reuni, portanto, um mosaico sociográfico que ilumina o desenvolvimento das profissões comunicacionais dominantes – jornalismo, propaganda e relações públicas – e ao mesmo tempo projeta a ofensiva dessa nova geração de bandeirantes que desbravam os caminhos midiáticos para expandir as fronteiras da civilização paulista ou para nela incluir inovações procedentes de territórios forâneos, nacionais ou globais.

Periferias e grotões

O volume agora lançado pela Editora Angellara, com 250 páginas, em 15 capítulos, concentra o foco na comunicação midiática de que se valem os profissionais da área para socializar dados, valores e atitudes.

Trata-se do segmento predominante no sistema produtivo – indústrias e serviços –, mas que estrutura de modo reflexo o sistema cognitivo – universidades e institutos de pesquisa:

** História do Jornalismo: A tribo dos caçadores de notícias – Jorge Cláudio Noel Ribeiro Jr.; A guerra da notícia: de Líbero Badaró a Vladimir Herzog – Audálio Dantas; As turbulências de uma empresa jornalística regional – Célio Franco

** História da Propaganda: A propaganda republicana – Célio Debes; Profissionalização da propaganda – Adolpho Queiroz; Anúncio da fé: a ofensiva presbiteriana – Gilson Alberto Novaes

 ** História das Relações Públicas: 90 anos de Relações Públicas: as transformações da área – Waldemar Kunsch; Eduardo Pinheiro Lobo: a construção de um mito – Mirtes Torres; Teobaldo Andrade: a legitimação acadêmica – Maria Stella Thomazi.

Mas vivemos numa sociedade em que dois sistemas simbólicos – um massivo: moderno, profissional, industrializado; outro alternativo: tradicional, rústico, marginalizado – coexistem criativamente. Consequentemte, foi incluído um conjunto de ensaios que permitem vislumbrar a natureza folkcomunicacional do sistema que nutre os contingentes excluídos da sociedade, configurando bolsões situados nas periferias urbanas ou nos grotões do meio rural:

** História da Comunicação Popular: Anchieta, precursor da folkcomunicação – Francisco Assis Martins Fernandes; Mídia caipira no país dos bandeirantes– Cristina Schmidt; Cordel na terra da garoa – Joseph Luyten; e Gazeta picante: o mundo boêmio da paulicéia – Antonio Costella.

Reflexão crítica

É possível, através das análises selecionadas, compreender de que modo os dois sistemas interagem, um oxigenando o outro, que por sua vez se apropria de conteúdos e alegorias para renovar-se. O volume inclui ainda o Guia de Fontes Historiográficas da Comunicação Paulista, de Gisely Valentim Vaz Coelho, e Itinerário Comunicacional de São Paulo, de José Marques de Melo.

São Paulo está comemorando em 2007 os 180 anos do nascimento tardio de sua imprensa, os 60 anos da primeira faculdade de comunicação do país e os 30 anos da associação que reúne os pesquisadores nacionais da comunicação, além de outras efemérides (anexo). Por tudo isso, a locomotiva paulista acolheu os participantes do V Congresso Nacional de História da Mídia, promovido pela Rede Alcar, em parceria com a INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, o CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola e a Facasper – Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.

Lançado durante aquele evento, o livro Os Bandeirantes da Idade Mídia (São Paulo, Angellara, 2007) pretende embasar o conhecimento dos estudantes, dos profissionais e dos cidadãos que se abastecem cognitivamente nas fontes midiáticas. A partir do mergulho em episódios historicamente legitimados é possível refletir criticamente sobre os fatos do presente, concatenando idéias e projetos destinados a construir as utopias do futuro.

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Professor Emérito da Universidade de São Paulo, onde fundou o Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (1968), participou também da fundação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (1994). Dirige atualmente a Cátedra Unesco de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo e preside a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom. Publicou recentemente os livros A esfinge midiática (Paulus, 2005), Teoria do Jornalismo (Paulus, 2006) e História do Pensamento Comunicacional, 2ª. ed. (Paulus, 2007)