Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os meandros do movimento revolucionário

Passei cerca de cinco anos em diversos presídios políticos com o Zé Roberto Rezende, o Mico. Vínhamos de quartéis diferentes e nos encontramos na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, onde servimos de cobaias para ‘experiências’ que separariam os presos políticos em joio e trigo.

A partir de determinados estímulos (provocações, de fato) e nossas reações a eles, os militares do serviço de inteligência poderiam melhor catalogar quem eram os chamados irrecuperáveis.

Seis meses depois, a maior parte daquela turma foi punida e transferida para o presídio da Ilha Grande. Como ‘irrecuperáveis’, chegamos à Ilha já com uma amizade que se consolidava. Os ‘dissabores’ da Fortaleza começaram a forjar, naquele grupo, um sentimento forte de companheirismo, suporte básico para essa convivência já devidamente testada.

Ousar Lutar é um importante relato de um brasileiro que viveu, sob fogo cerrado, os meandros do movimento revolucionário dos anos 1960-70, percorreu os segredos da clandestinidade e conheceu, na pele, literalmente, os porões da ditadura e, em sua essência, os escaninhos da tortura.

Ainda hoje, é grande o desconhecimento daqueles sombrios anos. Fundamental, portanto, saber discutir as motivações que levaram ao surgimento do movimento armado contra os golpistas no poder. Para novas gerações, leitura obrigatória.

Valores e princípios

O relato direto, a simplicidade e a sinceridade com que o Zé Roberto nos transporta aos momentos em que cruciais dúvidas de ‘como fazer’ coexistiam lado a lado, em toda intensidade, à absoluta certeza da necessidade da resistência, de atuar no sentido de interromper a escalada da violência instaurada pela ditadura e pela construção do novo são os segredos deste Ousar Lutar. O livro é um resgate e uma homenagem aos que participaram, sobreviventes ou não, da luta necessária, porém ingrata, contra uma ordem institucional que não se furtou em mergulhar em sangue qualquer projeto que viesse brindar o desenvolvimento voltado para as gritantes carências sociais de um país rico como o Brasil.

Ousar Lutar, importantíssima parceria com Mouzar, fiel companheiro de visitas aos presídios, é oportuno também porque, experiência pessoal, encerra a postura de relevante parcela da sociedade e traz peculiar análise de um momento histórico em que as transformações por que passou o mundo nos comandam até hoje, com a amarga perspectiva de longevidade. Ousar lutar, para o Zé, é dar continuidade a uma existência voltada para os reclamos da justiça social, agora à frente da Ouvidoria do Estado de Minas Gerais.

Sua indicação, consensual entre as entidades de direitos humanos, é a afirmação inequívoca de seus valores e princípios, sempre norteados por uma ótica de vida que o tempo e sua experiência trataram de amadurecer.

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Diretor de teatro