Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Otimismo quanto ao futuro

Formado em Jornalismo pela PUC-RS, Milton Jung é atualmente âncora do programa CBN São Paulo, na Rádio CBN, e do Jornal da Terra, no Portal da Terra. Trabalhou nas rádios Guaíba e Gaúcha, de Porto Alegre e foi âncora e repórter nas TVs Cultura, Globo, SBT e Rede TV.

Existe um fio condutor na maior parte dos seis capítulos constituintes do livro: o dilema ético no jornalismo em geral e especificamente no meio rádio em confronto com a lógica do mercado que ‘mercadorizou’ a informação e disputa os lugares de enunciação de discursos articulados.

É apregoada por Jung, logo na introdução, a defesa da necessidade do tratamento do ouvinte como cidadão (p. 13). Enfatiza a importância do rádio frente à agitação da vida moderna, por tratar-se de um meio fisicamente compatível com a mobilidade humana, o que por outro lado dificulta a recepção/assimilação de informações. Relembra a limitação de recursos para emissão da mensagem, conceituando comunicação não como o ato de enunciar, mas de tornar comum.

No decorrer de todo o texto o leitor depara-se com caixas de texto explicativas, relacionadas ou não ao que é exposto no respectivo parágrafo, como se fosse uma nota de rodapé que ‘saiu’ do rodapé, ou um ‘grilo falante’, dando conselhos morais, esclarecendo sobre jargões do jornalismo, regras de gramática não exercidas pelos jornalistas ou simplesmente detalhando melhor o assunto. Parece ser uma estratégia para que jovens leitores inteirem-se do enunciado, o que poderia não acontecer com a nota de rodapé.

Parece ser de praxe entre os jornalistas iniciar os livros referentes aos meios de comunicação com um relato histórico positivista: uma sucessão de nomes e datas sem contexto seja político ou econômico. Mesmo para iniciantes no jornalismo, a apresentação do surgimento e desenvolvimento dos veículos de comunicação merecem um tratamento especial de análise quando se pretende um jornalismo ético e comprometido com o público. Intenção essa apregoada por Jung.

Igreja e comunicação

O autor passeia desde Roquette-Pinto e Landell de Moura, ‘primitivismo e pioneirismo’ (p. 25) do início das rádios brasileiras à glamourização dos anos 20 e 30, a chegada dos anunciantes e a aproximação com a lógica do mercado, desembocando nos problemas éticos dos anos 90.

No capítulo II (‘Rádio em cena’), o autor aborda a questão da credibilidade no meio rádio, análise que pode ser estendida a outros meios. A primeira constatação do autor refere-se ao não-cumprimento da profecia de morte do rádio e a segunda, à substituição do rádio espetáculo – que migra para a televisão – pelo ‘radiojornalismo, a prestação de serviço e a música gravada’ (p.50), existindo uma reinterpretação desse meio entre as mídias.

Sobre a credibilidade, Jung lamenta a manipulação política e religiosa da qual o veículo foi vítima (o veículo ou os ouvintes?), abordando desde o período do Estado Novo até os nossos dias. Nesse capítulo, Jung redime-se de explicação histórica descontextualizada do capítulo I, abordando o projeto ideológico totalitário baseado no discurso de integração nacional realizado através do meio rádio – tanto no período varguista quanto na ditadura militar. No primeiro caso, o Estado propicia o desenvolvimento do meio, e no segundo exerce pressão política de controle.

Nos períodos democráticos o rádio tornou-se palanque eletrônico por dois caminhos: ‘concessão pública aos amigos do poder’ ou ‘pela candidatura própria dos apresentadores de programas populares e assistencialistas’ ( p.53). Jung cita vários casos da relação íntima e vergonhosa entre política e o meio rádio: Sérgio Naya, Collor de Mello e PC Farias, Antony Garotinho etc.

Ainda analisando a credibilidade, Jung apresenta a relação entre igrejas e os meios de comunicação. Crises econômicas nas emissoras substituíram as notícias ou a politicagem por pastores e orações. Iniciando pela JB, comprada em 1992 por José de Paiva Neto. O autor analisa esse processo a partir da década de 70: a pregação começou com a compra de espaços da programação radiofônica e, nos anos 80, consagrou-se com a partilha das concessões entre políticos.

Os brasileiros acreditam

A ‘fé’ evangélica adentrou o meio rádio ao mesmo tempo em que conquistou o espaço político nas assembléias estaduais e no Congresso Nacional. A politicagem refina seu poder de convencimento. A fórmula ‘+ controle do meio rádio + político eleito’ transforma-se em ‘fé + controle do meio rádio + político eleito’:

‘A participação religiosa no rádio brasileiro tem afastado grupos inteiros em investir em conteúdo jornalístico. Ao aceitarem pagar valores acima do mercado, pois o objetivo não é comercial – obtêm dinheiro por outros caminhos –, as Igrejas tornam financeiramente inviável qualquer investimento em uma rede de radiojornalismo. Um pecado.’ (p. 58)

Logicamente Jung não deixa de fora a igreja católica, relatando seu sucateamento a partir da década de 70 e a concorrência do espetáculo ritual das redes evangélicas, que forçou a criação da Rede Católica de Rádio na década de 90, superando em número de emissoras a concorrente na fé.

O conflito para o jornalismo na vinculação direta à religião acontece de dois modos. Primeiro, o envolvimento interesseiro entre fé e política; segundo, os ‘conflitos éticos na divulgação da informação (…) qual deve ser a o comportamento do apresentador evangélico no debate sobre o aborto de bebês com anencefalia? E quando o tema em debate for casamento de pessoas do mesmo sexo?’ (p. 59). Nessa fala de Jung podemos incluir qualquer tipo de fanatismo religioso ou não.

Mas, apesar desse quadro deprimente, Jung declara: ‘A política, a religião e a televisão não foram suficientes para acabar com o rádio’ e apresenta dados do Grupo Mídia-IBGE, em que os brasileiros se dizem crentes nas notícias vinculadas pelo médio rádio.

A rádio na web

O autor finaliza o capítulo com tópicos importantíssimos sobre técnicas de jornalismo de rádio: pico de audiência, rotatividade do ouvinte e a renovação do meio por conseguir inserir-se no ritmo de vida da era moderna assunto tratado no capítulo III.

A princípio o autor escreve sobre as expectativas relativas do meio rádio com a Internet, o rádio-celular e o equipamento Wallet-PC. O formato rádio sofreu uma mutação sob o impacto da internet e a junção das mídias. Discute a rádio no ciberespaço, enfocando a necessidade de transformação do jornalista: ‘O apresentador deixa de ser um leitor de notícias, precisa ter visão histórica dos acontecimentos, capacidade de analisar as origens e conseqüências dos fatos’ (p.69).

Mesmo enfatizando as possibilidades tecnológicas, o autor não esquece as ‘diferenças socioculturais do Brasil’ (p. 73), mostrando os dois cenários que existem na radiodifusão: o ciberespaço para ser ocupado e conquistado e imensa utilização do transistor – aparelho de rádio de pilha.

Jung cita a restrição da informação na Coréia do Norte, mas é reticente com a visão de que as novas tecnologias ‘podem colocar abaixo qualquer fronteira’ (p.75), mesmo observando que o ciberespaço descentraliza o núcleo de opiniões e que de certa forma democratiza a comunicação. A rádio na web somente existe quando é acessada e as existentes beneficiam-se de já fazerem parte de ‘grupos econômicos mais poderosos, as grandes corporações que já dominam o mercado’ (p.75). Por isso, Jung pergunta qual rádio tem maior alcance: a rádio na internet ou a rádio comunitária montada dentro da favela?

Rede de fontes

Os dilemas éticos do jornalismo estão em questão no capítulo IV, que aparece como ligação entre os demais capítulos, com exceção do primeiro. Jung refere-se à necessidade de se ter anunciantes e a busca pela imparcialidade, mas acaba jogando para o indivíduo jornalista – mocinho ou bandido – os dilemas éticos. Como se o sujeito pudesse solitária e heroicamente escapar da lógica do mercado globalizado de informações. As ações e premissas consideradas éticas envolvem mais do que a consciência do indivíduo. O relato do autor mais parece como o meio rádio deveria ser, e não como se é na realidade. A tensão entre o departamento comercial e o departamento de jornalismo é gerada por conflitos de interesse, e nenhum tipo de romantismo individual à la Dom Quixote possibilita ao jornalista a fuga da estrutura sobre a qual o jornalismo se assenta na atualidade, podendo somente amenizar o controle da informação. É remota a possibilidade de se fazer comunicação-cidadã onde predominam os conglomerados de controle da informação em âmbito mundial.

Jung demonstra otimismo e uma dose de esperança na frase:

‘Sugiro resistir a esse tipo de comportamento, pois o cidadão, esteja ele à frente de uma corporação, de um pequeno escritório ou desempregado tem responsabilidades com a sociedade, e portanto, obrigação de combater e denunciar, se for o caso, atitudes antiéticas’ (p. 89)

Nesse mesmo capítulo, Jung aborda a ética (ou a falta dela) no jornalismo esportivo, trazendo à tona a figura histórica de Ary Barroso e ‘figuras’ vergonhosas da atualidade, com a utilização do futebol espetáculo e sensacionalista por radialistas que, ‘para justificar desvios éticos, como transformar o jogo em algo maior do que ele próprio, com o objetivo de prender a atenção do ouvinte e garantindo alguns pontos a mais na audiência ‘ (p.94) . O sensacionalismo no futebol é aceito pela maioria das pessoas, assim como a falta de ética de muitos jogadores é permitida e até estimulada por jornalistas esportivos, que se transformam em ‘animadores de audiência’ (p.94).

No capítulo V, Jung aborda métodos do radiojornalista: a necessidade da construção de uma rede de fontes confiáveis, a seleção da agenda, dos temas das reportagens, a preparação das entrevistas, a investigação dos fatos antes de virarem notícia e a necessidade de o princípio do contraditório estar estampado nas reportagens.

Sem conclusão

Jung destaca a reportagem como a essência do jornalismo e a rua como o espaço de atuação do jornalista, ao mesmo tempo em que indica a importância de saber trabalhar a voz e a fala: entonação, volume e a expressividade para afastar a monotonia do discurso. A educação e o humor como armas, para combater a arrogância e a grosseria que transparecem na voz.

Jung finaliza (capítulo VI) com o relato de sua experiência do 11 de Setembro, enquanto fenômeno midiático, e o papel do rádio no evento: ‘O rádio contou às pessoas o que acontecia no 11 de setembro e elas foram ver na televisão. E encontraram seus apresentadores favoritos fazendo rádio, apesar da imagem.’ (p. 141). O autor destaca o papel negativo da mídia norte-americana e o papel positivo da RTP – Rádio e Televisão Portuguesa – na cobertura da Guerra do Afeganistão e na Guerra do Iraque, lembrando também o papel do jornalista Cid Barbosa no ‘descobrimento’ do Massacre do Carandiru, que estava sendo ocultado pelas autoridades governamentais.

Jung encerra o livro sem fazer conclusão. A obra demonstra insatisfação e ao mesmo tempo otimismo com relação ao futuro do trabalho jornalístico em todas as mídias.

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Estudante de Jornalismo