Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Outro tipo de telejornalismo, agora em livro

Não é difícil identificar indícios de que não apenas a pressa, mas a superficialidade, é inimiga da perfeição. Mas os tropeços de Bisbilhotices: segredos e curiosidades das celebridades de todos os tempos não irritam o leitor. Ao contrário, à semelhança das revelações pertinentes, também divertem ou entretêm. O livro exemplifica a demanda por revelações de bastidores sobre a vida privada de certos ícones. Naturalmente, o mesmo público não está interessado na vida privada de trabalhadores que precisam dormir cedo e não podem assistir aos programas de Amaury Jr. na televisão. Ou daqueles que têm mais o que fazer, incluindo trabalhar nos mesmos horários em que são apresentados.

No capítulo ‘Vaticanerias’, a maior curiosidade são as mancadas de Amuary Jr. ‘Gretchen. Este era o nome da canária favorita de Pio XII. Não há registros de que ela rebolava enquanto cantarolava’, diz ele (pág. 107). Ora, Pio XII morreu em 1958. A cantora Gretchen não tinha nascido ainda… E escolheu o nome quando, a caminho do estúdio para gravar seu primeiro disco, viu o cartaz do filme de Sylvio Back, Aleluia Gretchen, que lhe inspirou o nome artístico. O cineasta catarinense, fluente em alemão, inspirou-se em algo mais elevado para dar título a seu filme. Gretchen, trágica personagem de Goethe, foi construída a partir de laivos autobiográficos: o escritor esteve apaixonado na adolescência por uma menina que tinha esse nome. Como se vê, entre a cantora e o escritor é possível traçar nitidamente os contornos de verdadeiras celebridades, eternas como Goethe e alguns papas, bem diferentes de algumas outras que estão em moda e portanto saindo de moda, pois a moda é efêmera, embora cíclica…

Na página 105 o jus primae noctis é dado como desses ‘abusos inacreditáveis, como o de exigir para o papa’ o direito de passar a primeira noite com a noiva. Ora, o costume, que integra rituais de iniciação sexual (invocados para absolver o índio Paiacã, lembram?), é bem mais antigo do que os papas. Um dos primeiros registros, senão o primeiro, está no Gilgamesh, que o dramaturgo Antunes Filho conhece tão bem, pois o levou ao teatro. Na Idade Média foi um direito do senhor feudal, não dos papas…

Em outro capítulo, ‘Famosos e o sobrenatural’, diz-se que ‘o novo papa, Joseph Ratzinger, tem uma relação especial com o sobrenatural por ter nascido a 16 de abril, dia de Santo Bento’ (pág. 34) e recebido o nome de Bento XVI. Sua Santidade escolheu este nome, não lhe foi imposto, o cardeal eleito papa tem o direito de escolher o novo nome.

‘Os letrados’

Frei Betto, que aparece no livro, não por suas obras como escritor ou por seu feitos como frade e militante político em seu sentido mais largo, mas por ter visto discos voadores duas vezes, é dado como ‘conselheiro do presidente Lula’. Era. Não é mais. Abandonou o Palácio do Planalto e de vez em quando fustiga o atual governo em seus artigos, o que tem irritado o presidente, segundo já vazado em outras bisbilhotices.

Afora poucos outros escorregões, é livro que não frustra os leitores, pois oferece o que eles esperam: curiosidades que aparentemente não têm nenhuma importância, mas que fornecem material a ser aprofundado em pesquisas no terreno da história de mentalidades. Um dos seus méritos é reunir folclore ainda à disposição de poucos, alguns deles proverbiais, como o de Ibrahim Sued anunciando na televisão: ‘Estarei aqui diariamente às terças e quintas’.

No capítulo ‘Os letrados’, o registro atribuído a Lygia Fagundes Telles sobre o desconcerto de William Faulkner, acordando de um porre em São Paulo, abrindo a janela do hotel e exclamando: ‘O que vim fazer em Chicago?’. Uma curiosidade adicional é saber quem testemunhou a declaração. Do único Prêmio Nobel de nossas literaturas, José Saramago, explicando por que escreve das 17 às 21h: ‘Escrevo porque já almocei e janto porque já escrevi’.

Nicho na televisão

Da intimidade dos famosos, revela-se desde o lado guei de Olavo Bilac, que considerava um tormento ter o bilau muito pequeno, como teria se queixado ao sobrinho, e o de Pedro Nava, que cometeu suicídio ao ser chantageado por garoto de programa.

Algumas preciosidades esquecidas foram retomadas, como o nome que a atriz Luana Piovani deu à própria perereca: Priscila. Certamente um bom partido para Bráulio, caso nenhum deles tenha os pendores de Olavo Bilac e Virgínia Woolf.

Ainda assim, quem receber o livro de presente não vai maldizer o amigo. Amaury Jr. nos diverte e entretém com suas bisbilhotices. Não é outro o seu projeto e soube construir este nicho na televisão com um savoir-vivre traduzido num telejornalismo leve. Bisbilhotices não são inocentes. Não fossem as revelações do irmão Pedro, já falecido, Fernando Collor teria terminado o mandado e provavelmente teria sido reeleito. E políticos corruptos dependem muito de seus familiares.

Entre os tapuias

Celso Pitta teve na esposa boquirrota o seu principal adversário. O deputado Valdemar Costa Neto é exemplo recente de outras bisbilhotices: sua ex-mulher deu detalhes das denúncias do deputado Roberto Jefferson. A audiência das CPIs na televisão passa pelo mesmo interesse que move os leitores de Amaury Jr.: como a imprensa está contando pouco ou contando mal os feitos de nossos governantes e representantes, os leitores buscam frestas para saber mais.

No Brasil há profissões que o Ministério do Trabalho ainda não reconhece. Celebridade é uma delas. O que fazem nossas celebridades? Em primeiro lugar é preciso reconhecer que a maioria das citadas é celebridade somente entre os tapuias. No resto do mundo são desconhecidas, o que, por mais injusto que seja, é também o caso do Brasil para conhecido ator americano que foi procurado para uma entrevista: ‘O que é Brasil? Um país ou o quê?’. Dado o que nossos maiorais vêm aprontando, a pergunta é pertinente, embora incômoda.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social