Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Machado

‘A Ouvidoria recebeu esta semana uma mensagem do leitor Ricardo Pereira na qual ele classificou a matéria ‘Mantega prevê que taxa de investimento deve crescer 10% este ano’, publicada pela Agência Brasil em 29 de março, de superficial e sem conteúdo. Ele perguntou por que não aproveitar o espaço para divulgar o conhecimento econômico, mostrando como é formada a taxa de investimento e quais são seus fatores endógenos e não simplesmente fazer referência a um indicador econômico com algumas ‘brincadeirinhas’ de nossos representantes, em referência ao diálogo do ministro da Fazenda com o presidente do Banco Central.

Indicadores econômicos sozinhos explicam muito pouco a situação do país para o cidadão comum. Mas, para uma agência de notícias que tem por missão fazer jornalismo com foco no cidadão, explicar o que os indicadores indicam para a vida do leitor pode e deve ser objetivo fundamental de qualquer matéria. A maneira de abordar um assunto pode fazer a diferença entre a comunicação pública e a comunicação privada, a diferença entre falar para o cidadão comum e falar para empresários, economistas e investidores.

Explicar o que significa a taxa de investimento de uma economia para o emprego e a renda dos trabalhadores, por exemplo, pode indicar para os desempregados qual será sua perspectiva de conseguir um emprego a médio ou longo prazos. Para os empregados pode significar a esperança de manter o emprego, de melhorar o salário, ter acesso a mais bens de consumo duráveis, como um carro novo, uma geladeira ou uma viagem nas férias.

A taxa de investimento de uma nação corresponde ao resultado da divisão do total dos investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no decorrer de um período de tempo (um ano, por exemplo) pelo valor do Produto Interno Bruto (PIB) anual dessa nação. A FBCF representa o quanto a nação gastou com máquinas e equipamentos, estruturas e edificações, rebanhos e culturas permanentes no ano e equivale ao aumento bruto da capacidade produtiva do país. Traduzindo isso tudo, significa que se o país aumenta sua capacidade de produzir instalando mais fábricas e comprando mais máquinas, por exemplo, ele estará criando novos empregos e oportunidades de trabalho e de renda para os desempregados.

Dizer que a FBCF vai crescer 10% não significa que isso corresponderá a um crescimento de 10% na taxa de investimento, como a matéria sugere. De qualquer forma, se essas estatísticas não forem contextualizadas não dá para saber o que isso significa para o crescimento do país. Para Renato Baumann, diretor no Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas, estatísticas internacionais consideram que, para uma taxa de crescimento do PIB acima de 4% ou 5%, é necessário que a taxa de investimento fique em torno de 24% a 25% do PIB. Ou seja, se a taxa de investimento vai passar dos atuais 16% para 17,6% ainda estaremos muito abaixo do mínimo necessário para que o país sustente uma taxa de crescimento econômico da ordem de 5%, como prevê a equipe econômica do governo. Esta é apenas uma referência que se fosse feita na matéria em questão permitiria ao leitor ter um termo de comparação.

Em vez de investigar os motivos que justifiquem o otimismo do ministro em relação ao patamar de investimentos na economia, a matéria enfoca mais sua confiança em relação a ter afastado os riscos da inflação.

De qualquer maneira, o que provocou a ‘brincadeira’ à qual o leitor se refere foi a preocupação do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, com o valor da taxa de investimento. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, brincou com Henrique Meirelles dizendo: ‘O ministro Meirelles não deve ficar preocupado com a inflação. Ele está dormindo mais tranqüilo’. Na realidade, o presidente do Banco Central estava se referindo à revisão dos dados feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que para 2006 resultou em uma taxa de crescimento maior para o PIB – de 2,9% para 3,7% – e uma taxa de investimento menor, de 20,6% para 16,8%.

A falta de contextualização faz com que o comentário pareça uma simples brincadeira. No entanto, existe uma relação entre o patamar de investimentos e a inflação – a taxa de juros. A matéria não fez essa ligação, que pode ser óbvia, mas nem por isso deveria ser ignorada. Quando o leitor pede esclarecimentos sobre os ‘fatores endógenos’, a taxa de juros é seguramente um deles. Juros mais altos levam os empresários a investirem em papéis da dívida pública. Juros mais baixos levam os empresários a investirem em fatores de produção – máquinas e equipamentos, por exemplo.

Como os leitores podem ver, no diálogo entre os dois servidores públicos há muitas informações, mas elas não ficam claras para o leitor comum, que ao ler a matéria se sentirá apartado da discussão. No entanto, se o jornalismo fizer o papel que está a ele reservado, de decodificar, de traduzir essa linguagem, o leitor poderá ver que estão falando de sua vida, de seus interesses pessoais e profissionais e que as informações, uma vez traduzidas, poderão lhe ser de grande valia.

Ou seja, cabe ao jornalismo da Agência Brasil o papel de interlocução, de explicação, a partir do qual um indicador econômico deixa de ser um ente abstrato da macroeconomia e passa a se realizar em coisas concretas e palpáveis que façam parte do cotidiano das pessoas.

É isso tudo que o leitor, com razão, reivindica em sua mensagem. O que está em jogo é o direito ao acesso à informação. O fato é que, da forma como são apresentadas na matéria em questão, várias informações essenciais estão inacessíveis.

O público leitor que fizer uma pesquisa nas demais notícias da Agência também não encontrará uma contextualização sobre a taxa de investimento ou outros indicadores econômicos. No entanto, a Agência Brasil poderá demonstrar seu compromisso com o cidadão, incluindo-o no debate econômico como condição indispensável para incluí-lo na cidadania. Assim, indicadores econômicos poderão indicar mais daquilo que entendemos e não serem indicadores daquilo que não sabemos.

Até a próxima semana.’