Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Pirataria e inclusão digital, uma relação sórdida

Bonito. A filosofia do software livre permitiu que jovens programadores criassem novos softwares por diversão e para utilização própria, impulsionados principalmente pelo desejo de uma internet livre, customizada de acordo com preferências de cada um. É a comandada pelos usuários. O custo dos jovens programadores fica menor e sua proliferação torna o desenvolvimento de aplicativos algo mais próximo da realidade das empresas.

WordPress, baseado em php e html, tornou possível a customização e popularização de blogs e ferramentas em torno dos mesmos, com a disponibilização de plug ins para instalação pelo próprio usuário, bem como os temas, que são diferentes conjuntos de regras que norteiam o design e a aparência de um blog.

Isso tudo é livre, de acesso universal. Mas veio paralelamente a uma atividade escondida debaixo dos tapetes das instituições mais certinhas, dos órgãos e cabeças que colocam a bandeira do SL mais alto. A facilidade de customizar e o acesso comum às linguagens de programação através de fóruns, tutoriais, exemplos e manuais disponibilizados ilegalmente, na forma de pirataria e distribuição de livros e e-books na internet, conseguiram impulsionar a formação de programadores e profissionais de TI capacitados a gerenciar e pensar em possibilidades diversas, bem longe da legalização, com softwares proprietários muito caros.

O funeral do Linux

A própria evolução do Action Script mostra isso. O aplicativo é feijão com arroz com outros, também caros, como o Photoshop e o Illustrator. É encontrado no mercado, sob pirataria, por apenas 20 reais, o equivalente a menos que um lanche no Temaki Brasil. Sob o impulso dessa forma de comércio, a linguagem utilizada no software – o Action Script –, baseada em ECMAScript (baseadas em scripts de comando) se difundiu pelo mundo, gerando interatividade em ponto máximo jamais visto em ferramentas de comunicação e mídia. Os joguinhos de celular estão aí e mostram isso claramente. Se fosse feita uma auditoria nas instituições que usam pirata, muita gente ia por água abaixo, mas muita coisa ia deixar de ser desenvolvida.

O governo, por exemplo, com sua bandeira pelo software livre, é um cliente gordo da Microsoft (pirata ou pago). Não se implementa software livre com política; é com treinamento que isso deve ser feito. Na Agência Brasil, por exemplo, a coisa foi imposta, tipo outorgada por D. Pedro. Todo mundo devia usar Linux. E muitos o odiavam porque não entendiam o que é nem como funciona. A coisa política foi bem passada, mas daí nem todo mundo concordava. E nós, da multimídia, quase fizemos um funeral quando, em janeiro, o último Linux da redação foi substituído por Windows porque a repórter estava tendo dificuldades. Eu teria chorado, se não tivesse mais o que fazer. O discurso se esvai com a mesma velocidade porque ninguém foi informado das vantagens do software livre, mas sim, da importância desse blablablá todo… Político. Agora, temos até página em ASP para a Empresa Brasil de Comunicação. O que prova o que estou falando.

Bandeira para fazer bonito

E o mesmo vai se dando com esse programa do governo para ‘combater a pirataria’. O povo compra o PC com Linux, apaga e instala o Windows. Os próprios vendedores falam, no ato da compra: ‘Depois você instala o Windows em qualquer lugar por 20 reais…’ E o cidadão compra mais barato sua plataforma de piratar… ops! Inclusão digital. Mas… e o Nero, o Flash, o Photoshop, o Illustrator e tantos outros que geram desenvolvimento e promovem a inclusão digital?

Não seria mais inteligente financiar o desenvolvimento de softwares brasileiros para isso? Treinamento também iria bem. A culpa não é de quem pirateia, é de quem compra esse tipo de política inútil, bem disfarçada por discursos (falei da política, e não do software). Autopromoção gratuita com o quase gratuito software livre é bom, mas há que se levar em conta o desenvolvimento que o ‘libertado’ trouxe para o país e pensar se o combate é realmente vontade do governo, ou só bandeira para fazer bonito na era da TV digital.

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Coordenadora da equipe multimídia da Agência Brasil, designer de interface dos sites da Radiobrás e da recém-chegada EBC, Brasília, DF