Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Por onde andam vocês, caros escritores?

Em recente viagem ao fundo dos sebos, descobri um tesouro: vários números da revista Ficção publicados nos anos 1970, e, raridade das raridades, os seus dois primeiros (e únicos) números de 1965.

A revista foi concebida por Cícero Sandroni, que naquela época, primeiros momentos do governo militar, trabalhava na Tribuna da Imprensa e em O Cruzeiro. Com Odylo Costa, filho, Álvaro Pacheco, Antônio Olinto e Roberto Seljan Braga, deu início ao projeto. Ficção trazia ‘histórias para o prazer da leitura’. Os números 1 e 2 de 1965 ficaram nisso.

Contudo, dez anos depois, em 1976, Cícero relançou a revista. Ao seu lado, a esposa, Laura Sandroni, Fausto Cunha, Salim Miguel, Eglê Malheiros. Nesta segunda fase, saíram 44 edições. Ficção divulgou o trabalho de mais de quinhentos autores brasileiros.

Em plena adolescência, eu venerava cada número de Ficção. Devo-lhe a paixão definitiva e incondicional pela literatura. A leitura como prazer. Em viagens entre Rio e São Paulo acabei perdendo minha coleção. Recuperá-la agora, pelo menos em parte, foi uma ducha de água quente!

A melhor crítica

Mas por onde andam hoje os escritores que li naquela altura?

No novo número 1, de janeiro de 1976, o cearense Juarez Barroso, estudioso da cultura popular, publicou o conto ‘Riqueza’. Naquele mesmo ano, em agosto, adoeceu gravemente e com apenas 41 anos de idade faleceu.

Também naquela edição, ‘Amigas ou a liberdade secreta’, de Sônia Coutinho. Jornalista baiana, queria dedicar-se à literatura. O tempo passou. Ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti. Foi escritora-residente na Universidade do Texas. Ítalo Moriconi, em Os cem melhores contos brasileiros do século (2000), incluiu seu conto ‘Toda Lana Turner tem seu Johnny Stompanato’.

Outro nordestino: André de Figueiredo, paraibano. Promessa literária abortada pelo regime militar, publicou naquele número de reestréia de Ficção um capítulo – ‘Belarmina Bronca Borocoxô’ – do livro Alvorada, que viria à luz em 1978. O tempo fechado, restou-lhe o silêncio. Somente em 2002 lançou seu terceiro romance (o primeiro, Labirinto, foi recebido em 1971 como um marco da literatura brasileira). Este terceiro romance, Arabesco, precisou de 25 anos para desenhar-se e nascer. O autor tem hoje 75 anos de idade.

‘A purificação’, de Caio Porfírio Carneiro, é mais um texto daquela edição histórica. O autor, já com 48 anos de idade, encontrara um lugar ao sol com seu primeiro livro, Trapiá (1961), a novela O sal e a terra (1965) e a coletânea de contos Os meninos e o agreste (1969). Wilson Martins, desde aquela época, considerava-o um veterano. Caio Porfírio tornou-se praticamente sinônimo da UBE – União Brasileira de Escritores.

Um nome já esquecido é o de Tânia Jamardo Faillace, jornalista gaúcha, que surpreendeu a crítica literária das décadas 1960-70. O conto ‘Volta ao lar – esgotos’ faria parte do livro Vinde a mim os pequeninos, que saiu no ano seguinte, em 1977.

A também jornalista Marina Colasanti teve melhor sorte, em termos de ‘popularidade’, se posso assim me expressar. Ao longo dos últimos 30 anos, Marina não cessou de publicar. A nova mulher, de 1980, vendeu mais de 100 mil exemplares. Uma idéia toda azul, de 1979, por ela mesmo ilustrado, ultrapassou as vinte edições. Em 1976 já estava casada com Affonso Romano de Sant’Anna, que sempre a considerou sua melhor crítica e musa inspiradora.

A criança e o livro

Esta viagem não tem fim. Mas… por onde andam os idealizadores de Ficção, da primeira e segunda levas?

O maranhense Odylo Costa, filho, jornalista, cronista e poeta, faleceu em 1979. O piauiense Álvaro Pacheco, também jornalista, editor, foi senador da República por duas vezes e continua escrevendo. O mineiro Antônio Olinto, que se tornou conhecido na vida universitária graças ao seu primeiro livro, Jornalismo e literatura (1955), ingressou na Academia Brasileira de Letras em 1977, e continua escrevendo. Roberto Seljan Braga, filho de Rubem Braga, publicou livros na área de administração financeira.

Fausto Cunha, brilhante crítico literário, autor de livros de ficção científica, faleceu em 2004. O libanês-catarinense Salim Miguel, que trabalhou na Manchete, Fatos e Fotos e Jornal do Brasil, publicou mais de vinte livros, e continua escrevendo. Sua esposa, Eglê Malheiros, professora, foi secretária municipal de Educação de Florianópolis. Publicaram Memória de editor (2002), no qual, entre outros relatos, referem-se à própria revista Ficção. Laura Sandroni, preocupada com a criança e o livro, continua escrevendo. E seu marido, o pai da revista Ficção, Cícero Sandroni, na Academia Brasileira desde 2003, continua fazendo da ficção uma realidade.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br