Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Revelações de Edir Macedo

Edir Macedo foi capa do The Wall Street Journal na edição de 4 de julho de 2007. A manchete foi: ‘Battle of the Soaps: Brazilian Minister Takes On TV Giant’ (Guerra de novelas: Pastor Brasileiro Enfrenta a Gigante da TV).


Depois de achar que o presidente Lula era o Diabo, Edir Macedo, doutrinado pelo senador Cristovam Buarque, mudou de opinião e disse isso pessoalmente ao presidente em encontro recente: ‘Vi sua outra face, presidente’. Ouviu de Lula: ‘Tudo bem, bispo. É comum a gente mudar de opinião‘.E o presidente acrescentou: ‘Eu mascava chiclete dos outros, e agora todos me pedem favor‘. Edir Macedo conclui: ‘Sob certo aspecto eu admiro o Lula e vejo claramente que ele é maior do que o PT‘.


No Brasil quase não temos biografia. Os leitores pouco sabem do percurso de personalidades cujas ações influenciaram ou modificaram radicalmente a vida nacional. E quando as biografias são feitas, fica evidente que o propósito de alguns biografados é esconder o que lhes é desfavorável e revelar ou enfatizar o que lhes é favorável.


Se as biografias, quando não autorizadas, não saem como os biografados desejariam, a resposta é dura. Roberto Carlos obteve na Justiça, mediante recursos jurídicos que ainda persistem envoltos em operações no mínimo estranhas, a interdição de 10.700 exemplares do livro Roberto Carlos em detalhes, sua biografia, escrita sem sua autorização pelo jornalista e historiador Paulo Cesar de Araújo.  Foi este também o caso de Estrela Solitária, biografia de Garrincha, de Ruy Castro, que também foi retirado das livrarias por ordem judicial. Este já voltou. O outro ainda não.


Quando Roberto Carlos atingiu seu objetivo, surrupiar os livros dos leitores, escrevi: ‘A biografia, gênero literário rarefeito entre nós, tem bons, mas poucos autores. Não há perigo algum de as coisas melhorarem depois dos resultados que (Roberto Carlos) obteve no Judiciário’.


Biografia autorizada e exaltação


O Bispo: a história revelada de Edir Macedo (Editora Larousse, 276 páginas) é biografia autorizada. Seu propósito é ‘contar a vida do homem que criou a Igreja Universal do Reino de Deus, liderou um processo de crescimento religioso sem paralelo na história do Brasil e construiu um império de comunicação‘, no dizer de seus autores, Douglas Tavolaro e Christina Lemos.


Sabedores de que o líder religioso de milhões de pessoas e chefe máximo da segunda maior rede de televisão do Brasil é polêmico, preocupam-se com ‘a possibilidade de não traduzirmos com justiça a dimensão real do biografado‘. E acrescentam: ‘tanto para os que o exaltam quanto para os que o detratam‘.


Todo livro começa ainda na capa. E este traz estampada a foto de Edir Macedo atrás das grades, desejo de muitos de seus inimigos, materializado em 1993, quando ele foi preso por charlatanismo e curandeirismo.


A respeito de sua prisão, Edir Macedo diz o seguinte: ‘A vítima sempre ganha. Nunca o algoz. (…) É a recompensa do sacrifício‘.


E foi preso por quê? Segundo ele, não sabia o motivo e só foi saber do que era acusado – charlatanismo e curandeirismo – quando se encontrou com os advogados.


Pelo menos um mérito esta biografia tem: o biografado falou aos autores por setenta horas durante catorze meses, sem evitar nenhum assunto. ‘Eu tinha e tenho muitos inimigos‘. ‘E quem eram?‘, perguntam os entrevistadores. Ele não se faz de rogado, não tergiversa: ‘O clero católico, a Rede Globo’.


O delegado que comandou a prisão de Edir Macedo faz uma revelação surpreendente: ‘a ordem de prisão deveria ser cumprida dentro do templo da Igreja Universal em que o bispo realizou culto na manhã daquele domingo. Era o endereço determinado no documento emitido pela Justiça‘.


Temendo a reação dos 1500 fiéis que aquele dia estavam no templo, os cinco delegados e catorze policiais efetuaram a prisão nos moldes de um seqüestro, na rua. A TV Globo foi informada antes e o aguardou. Primeiro, no Deic, para onde foi levado inicialmente; depois na delegacia de Vila Leopoldina, para onde foi transferido.


As imagens de sua prisão foram ao ar com exclusividade no Fantástico daquele domingo, 24 de maio de 1992. Aquela noite e nos dez dias subseqüentes, o então presidente da República, Fernando Collor de Mello, denunciado pelo irmão, Pedro Collor de Mello, passaria a dividir com Edir Macedo o latifúndio da mídia.


Na segunda-feira, O Estado de São Paulo explicava os motivos do mandado de prisão, expedido pelo juiz Carlos Henrique Abraão, que na época tinha apenas 31 anos e substituía a juíza titular, que estava em férias por trinta dias: ‘Em liberdade, Macedo poderia intimidar testemunhas, além de cometer ‘crimes continuados’ com o uso de publicidade enganosa para levar as pessoas ao fanatismo‘.


Entrevistado para o livro, mais de quinze anos depois, o juiz declara: ‘eu notei que nos autos existiam fortes elementos para as denúncias de lavagem cerebral e manipulação dos fiéis‘.


Exatos trinta e sete dias antes, Edir Macedo lotara o Maracanã, atraindo 200 mil pessoas.


Solidariedade de Lula


A prisão deixou muita gente indignada. Luiz Inácio Lula da Silva, que perdera a eleição para Collor três anos antes, solidarizou-se com Edir Macedo: ‘Acho um absurdo a prisão sob o argumento de que o bispo está enganando as pessoas com sua religião. As pessoas têm fé naquilo que querem ter fé‘.


No dia 3 de junho, depois de contratado por uma quantia equivalente a 500 mil dólares, o advogado Márcio Thomas Bastos derrubou a tese da promotoria e obteve o habeas corpus para seu cliente.


Na biografia autorizada, há depoimentos inquietantes, como o do sociólogo Ricardo Mariano, da PUC do RS: ‘Os evangélicos nunca foram os alvos da Globo. O alvo é a Record, por causa da concorrência‘.


A razão do sucesso da Igreja Universal? Simples: ‘a maioria entrou falida, sem nada, fracassada na vida econômica, e hoje são empresários bem sucedidos, donos de negócios lucrativos, carros, casas, bens que não acabam mais. (…) A Igreja cresce porque o povo é beneficiado‘.


Na entrevista com que os autores fecham o livro, Edir Macedo responde a todas as perguntas, menos a última: ‘Eu revelei tudo para este livro. Mas essa informação eu não posso dar‘. A pergunta era: ‘Edir Macedo chegou aonde quer chegar?’.


Leitura indispensável


Os autores não cumpriram o projeto que a si mesmos propuseram. Este livro não é uma biografia e será necessário inseri-lo no amplo contexto que leva à definitiva implantação do capitalismo no Brasil. Edir Macedo chega a dizer claramente que ao entrarem para a Igreja Universal os fiéis fazem um negócio com Deus: ‘É toma lá, dá cá‘, diz ele. Tudo está à venda, inclusive a felicidade. Ela é apresentada em remédios, em livros de auto-ajuda e também em conforto religioso.


Sua leitura, ainda assim, é indispensável para se conhecer o chefe-mor, que concebeu a comunicação de massa como o principal recurso para a sua Igreja, seu grande negócio.


Seu império na mídia, capitaneado pela segunda maior rede de televisão do Brasil, conta ainda com emissoras de rádio, portais da Internet, revistas, editoras, livros e jornais. Um deles, o semanário Folha Universal, tem tiragem de 2,3milhões de exemplares, a maior do país.


Edir Macedo vendeu mais de 10 milhões de exemplares dos 34 livros que escreveu. Sua Igreja está em 172 países, conta com 4.748 templos, onde atua um exército de 9.660 pastores.


O IBGE diz que no Brasil seus fiéis são 2 milhões. Os pastores dizem que tal levantamento é fraco justamente onde a Igreja Universal é forte, as áreas carentes, como favelas e morros, e que por isso a estimativa deles é que os fiéis são 8 milhões.


Os pastores pregam em português, mas também em inglês, em espanhol, em francês, em russo, em japonês, em africâner e em zulu, entre outros idiomas, sem contar os dialetos.


Fenômeno de mídia


Estamos diante de um maiores fenômenos religiosos e de mídia, devidamente combinados no Brasil. Com a palavra, os antropólogos, os sociólogos e outros especialistas.


E os jornalistas! Nossa imprensa não tem editorias religiosas. Quem quiser se informar sobre a Igreja Universal ou sobre qualquer outra igreja, vai precisar recorrer a outros meios de informação.


Um bom trabalho pode ser começado a partir deste livro. Reitere-se que não é biografia, não se enquadra de forma nenhuma no gênero, mas oferece subsídios preciosos como fonte de pesquisa para uma biografia.

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Jornalista