Cursava o quinto período de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro quando decidi morar em uma pensão para moças no bairro do Catete, com o propósito de fazer uma reportagem sobre a vida das migrantes que vinham para o Rio em busca de emprego. Era setembro de 1976 e eu tinha 22 anos.
Durante uma semana, dividi um quarto com cinco moças, e registrei a vida miserável que levavam como balconistas, garçonetes e auxiliares de escritórios, e a solidão na pensão superlotada. Lancei-me àquela aventura por iniciativa própria, por acreditar que teria uma boa história nas mãos e que algum jornal haveria de se interessar por ela.
De fato, a reportagem foi publicada, em página inteira, no ‘Caderno B’ do Jornal do Brasil, no dia 20 de outubro daquele ano e, a partir dali, fiz várias matérias por minha iniciativa, como estudante, que foram publicadas no JB e em outros jornais. Passei por feirante para registrar os achaques dos policiais contra ambulantes, dormi no albergue Leão 13, no Rio de Janeiro, para escrever sobre a mendicância, e percorri fábricas para uma matéria sobre a leitura na vida das operárias.
Quase trinta anos se passaram, desde então, e continuo acreditando que os jornais não recusam boas reportagens e que a curiosidade e o entusiasmo são os requisitos essenciais do repórter.
Objetividade e persistência
Este livro refere-se a reportagens produzidas ao longo de 19 anos de atuação na Folha de S.Paulo, inicialmente como repórter da Sucursal do Rio (onde ingressei em outubro de 1984), e como repórter especial subordinada à Direção de Redação, a partir de 1991. Ele é voltado para os jovens que se preparam para entrar no mercado de trabalho e para os não tão jovens que, como eu, são apaixonados pela profissão de repórter.
O livro descreve o passo a passo da produção de 11 reportagens que poderiam ser enquadradas no chamado ‘jornalismo investigativo’, termo muito em voga e polêmico no nosso meio. Alguns o consideram pretensioso ou inadequado, dado que todo trabalho jornalístico pressupõe uma investigação, que é a fase da apuração das informações publicadas.
Investigação e apuração significam praticamente a mesma coisa. O Novo Dicionário Aurélio define ‘apurar’ como ‘conhecer ao certo, averiguar e indagar’ e ‘investigação’ como ‘busca, pesquisa e indagação minuciosa’.
Na minha visão pragmática de repórter, o que diferencia a apuração rotineira da investigação jornalística é o fato de que a segunda pressupõe, além de grande esforço de apuração, o furo de reportagem e a descoberta de fatos de interesse público que estavam ocultos. Não há nessa diferenciação nenhum juízo de valor quanto à qualidade do trabalho jornalístico. Existem reportagens com apurações brilhantes que não são investigativas.
Um repórter investigativo também não é, necessariamente, mais bem preparado do que os outros. O que o distingue é a obsessão em descobrir o que os outros não estão vendo e a desconfiança permanente de que pode haver algo errado por trás da aparente normalidade. Se aceitamos uma informação como verdadeira, não haverá suspeita a ser investigada.
Em segundo lugar vêm a objetividade e a persistência para a obtenção de provas. É preciso objetividade para se ter um foco e evitar a dispersão, e sem a persistência não chegamos a um final produtivo.
O caminho das provas
O livro descreve meu método de trabalho, os erros e acertos cometidos na apuração de reportagens que marcaram minha carreira. Cada reportagem constitui um capítulo, com o detalhamento da apuração, seguida da reprodução dos textos publicados pelo jornal. Dessa forma, o leitor pode analisar o resultado obtido.
Durante cinco anos consecutivos, de 1992 a 1996, falei aos trainees da Folha sobre os bastidores da apuração de algumas reportagens. O texto do livro é inspirado nas indagações mais freqüentes dos trainees: como surgem as pautas, como se desenvolve uma apuração e como se chega às fontes de informação?
Selecionei os textos levando em conta o grau de dificuldade da apuração e a diversidade de métodos usados para a comprovação dos fatos.
O primeiro caso descreve a construção, pelas Forças Armadas, de um poço para testes nucleares, na serra do Cachimbo, em plena Amazônia. A reportagem foi publicada em agosto de 1986, quando o governo civil de José Sarney, que sucedeu o regime militar, mal completara um ano de vigência. Ela foi selecionada por envolver a apuração de um segredo militar, e por ter sido baseada apenas em informações off the records, quer dizer, sem identificação das fontes.
A escolha dos demais textos levou em consideração os caminhos para a obtenção de provas: busca de documentos em cartórios e juntas comerciais, gravação de conversas telefônicas, pesquisas em bibliotecas e bancos de dados, uso da internet etc.
Que seja proveitosa a leitura.
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Repórter da Folha de S.Paulo