Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sem ética não há salvação para o jornalismo

Agraciada em setembro com o Prêmio Luiz Beltrão de Maturidade Acadêmica, a cearense Maria Adísia Barros de Sá, 76 anos, coleciona um invejável currículo no exercício do jornalismo, na carreira universitária e na militância sindical. Doutora em Fundamentos de Filosofia e Comunicação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, ela iniciou seu trabalho no magistério em 1958.

Adísia foi fundadora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (1966). Ingressou no jornalismo em 1955 e hoje é comentarista da Rádio AM O Povo/CBN e da Rádio Tempo FM, articulista e membro do Conselho Editorial do jornal O Povo. Com 12 livros publicados, entre os quais O Jornalista Brasileiro: História da Federação Nacional dos Jornalistas – 1946 a 1985, ela tem, também, uma longa experiência classista. Atuou na Associação Cearense de Imprensa, no Sindicato dos Jornalistas e no Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Rádiodifusão e Televisão do Ceará. Também participa da vida da Fenaj desde 1966.

Referência ética para os jornalistas brasileiros, Adísia é nossa entrevistada especial nesta coletiva alusiva aos 60 anos da Fenaj.



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Déborah Lima, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará e diretora da CUT-CE, faz um relato do andamento da campanha salarial 2006 dos jornalistas cearenses e do comportamento dos patrões, que propõem um reajuste de 2,85%, tentativa de redução do piso salarial para jornalistas de imagem e restrição de direitos e reivindicações da categoria. Segundo ela, os patrões repetem o já batido discurso de “crise”, quando há informações oficiais dando conta que o faturamento, a circulação e os investimentos em máquinas e equipamentos por parte dos jornais do Ceará só têm aumentado nos últimos meses. Como a senhora analisa a postura das empresas de não valorizar o seu maior patrimônio: o trabalho dos jornalistas? E os próprios jornalistas, na sua opinião, têm se valorizado?

Adísia Sá – É histórica, longa e repetitiva a luta do trabalhador/jornalista em busca do reconhecimento da profissão – ai incluída a criação dos sindicatos e da própria Fenaj e das escolas de formação profissional (Faculdades de Jornalismo.) Dolorosa e humilhante a batalha por salários, não direi “justos”, mas compatíveis com o trabalho em si. Como duas frentes conflitantes –trabalhador e patronato – cada um usa o instrumento a seu alcance para o confronto. Infelizmente o jornalista, no caso, nunca tem levado a melhor: quando muito, um acordo – geralmente fruto de protestos e algumas pingadas greves…
No Ceará a luta é mais inglória, dado o pequeno, fechado e vilipendiado mercado de trabalho. De qualquer forma, – graças à atuação de nosso Sindicato e a atual presidente tem sido uma guerreira destemida e persistente em defesa da categoria – um avanço se faz sentir. Sim, os jornalistas valorizam a sua profissão. É verdade que aqui e ali pingam alguns profissionais – não posso diagnosticar os motivos – fracos, omissos, conformados, deixando correr frouxa a luta. Mas, grande é a categoria e ela está acima de cada um de nós e a sua luta, pela valorização, ultrapassa aqueles que tentam – também pela omissão – embargar sua caminhada…

Luiz Caldas, do Espírito Santo, resgata que em sua trajetória a senhora vivenciou importantes momentos da história brasileira, desde o período Vargas até os tempos atuais. Ele encaminhou duas perguntas. Que balanço a senhora faz da evolução do jornalismo neste período? E qual a sua avaliação do comportamento do movimento sindical em relação aos governos, do trabalhismo varguista às centrais do período Lula?

Adísia Sá – Vivenciei belos momentos da vida sindical – mais especificamente no campo do jornalista – todos marcados por posições em defesa da categoria. Houve momentos em que uma “luta” surda foi travada entre os “verdadeiros/legítimos” e os “falsos/espúrios”, tendo como cenário os órgãos representativos – Sindicatos e Federação. Foi a chamada fase dos “pelegos” ou aqueles que faziam das entidades veículos de promoção, perpetuação de poder…etc. etc. Por incrível que pareça eu digo: foi graças a muitos desses “pelegos” que os sindicatos não desapareceram de vez no País, sob o tacão de governos – como o de Vargas e dos militares, com intervenção, fechamento de redações, prisões, etc.etc. A chegada do movimento do ABC foi de suma importância para o sindicalismo brasileiro: foi a chegada das centrais, ainda hoje marginalizadas (não reconhecidas pela Lei), mas tão fortes e atuantes. Vargas nos deu uma legislação avançada, não só para a época (há pontos ainda hoje prevalentes), mas as causas eram de segundas intenções, mas a existência das Centrais foi fruto da luta do trabalhador: autonomia, liberdade, independência. O tema é vasto, muito teríamos a falar.

Valci Zuculoto, diretora da Fenaj e professora de Jornalismo da UFSC, lembra que em sua carreira a senhora teve um papel preponderante na criação do Curso de Jornalismo no Ceará, constituindo-se também numa referência no ensino e pesquisa universitários brasileiros. Ela pergunta: qual a sua avaliação da reforma universitária em gestação no governo federal e sobre a qualidade dos cursos de jornalismo na atualidade?

Adísia Sá – Eu costumo dizer que dois monólogos não constituem nem formam um diálogo. Noutras palavras: a reforma universitária em gestação no governo federal é capenga: falta o “outro”, os dirigentes das escolas, os centros acadêmicos- professores e alunos e, no ponto alto, as entidades representativas das categorias que têm, nas faculdades, o centro formador de seus futuros quadros. Sou favorável à criação de quanto mais cursos universitários melhor. A fiscalização de sua estrutura (material e de pessoal) cabe ao Estado e o aproveitamento de seus graduados deve ser objeto do mercado de trabalho: será a vez dos melhores. Sou da tese dialética: da quantidade, a qualidade…

Paulo Sales, que hoje está aposentado, fez um comparativo de sua experiência no jornalismo no Rio e em São Paulo, desde a era do rádio e das redações com máquinas de escrever até os tempos atuais, com computadores, internet e digitalização das comunicações. Ele quer saber se você não considera que a essência do jornalismo está se perdendo nestes tempos de “informação pasteurizada”. Pergunta, também, como você avalia a posição do governo Lula de implantar a TV digital por decreto?

Adísia Sá – Não, não considero que a “essência do jornalismo está se perdendo”, desde que considere “essência” como a veracidade da informação, ou seja, indissolubilidade do fato/narração. Por mais pasteurizada que seja a informação – e eu entendo isto como ausência de “penduricalhos” (adjetivos… narrativas quilométricas, etc.etc.) – o que deve predominar é a junção entre o fato e a sua narrativa.

Vivemos um momento único na vida nacional: nada nos pode ser imposto, venha de onde vier – do Congresso ou do Governo – tudo há de passar pelo crivo da opinião pública (mesmo que segmentada em categorias interessadas e envolvidas no processo).

Washington Mello, ex-presidente da Fenaj, lhe enviou um saudoso beijo. Ele fez os seguintes comentários e perguntas: considerando-se a sua forte e permanente presença no movimento sindical dos jornalistas e dos trabalhadores, poderia nos dizer o que está faltando ao nosso movimento sindical para que sindicatos e Fenaj voltem a ter marcante presença e a ser politicamente respeitados pela categoria e pela sociedade? Agora, vamos para um segundo turno nas eleições presidenciais. O presidente Lula não prestigiou os jornalistas, preferindo evitar democráticas entrevistas coletivas: não apoiou a construção do “Memorial à liberdade de imprensa”, em Brasília; não bancou a proposta do Conselho Federal de Jornalistas e não promulgou o projeto de lei, aprovado no Congresso, que valorizava a nossa profissão. E os jornalistas brasileiros – e não os empresários do setor – nos últimos 25 anos, sempre prestigiaram e valorizaram a luta permanente do Lula, considerando-o um autêntico representante do povo brasileiro. Todos os veículos de comunicação do Brasil, flagrantemente, estão torcendo contra a candidatura Lula, mesmo quando “fingem” tratar os candidatos igualmente. Se concordar com isto, nos diga como é possível aos veículos de comunicação tratarem igual e equidistantemente os candidatos no segundo turno? Os jornalistas podem fazer algo para isto? Atualmente estamos vivendo a fase do denuncismo exacerbado, o “jornalismo investigativo”. Veículo de comunicação que se preza denuncia tudo, investiga como a polícia, denuncia como o Ministério Público, julga e condena como o Judiciário, mas não aceita divulgar “erro judiciário.” Os jornalistas podem contribuir para que as matérias, especialmente as denúncias, voltem a ser bem apuradas, as partes envolvidas sejam ouvidas antes da veiculação e o direito constitucional do acusado seja respeitado?

Adísia Sá – Washington Tadeu de Mello é uma figura ainda não devidamente posta e exposta à categoria: pelo seu passado profissional, sua atuação na Fenaj, principalmente como Presidente: um dia sua biografia será escrita e a sua memória cultuada.
Ficam aqui o meu respeito ao companheiro e o meu bem querer à pessoa de Washington Tadeu de Mello. Mas, vamos a ele…

Começaria pelo fim: “Os jornalistas podem contribuir para que as matérias, especialmente as denúncias, voltem a ser apuradas, as partes envolvidas sejam ouvidas antes da veiculação… e o direito constitucional do acusado seja respeitado?” Aí está o cerne das considerações de Washington e a essência de meu pensamento: ÉTICA. O nosso Código de Ética está perdido nos manuais de textos, num item do currículo de nossos Cursos de Jornalismo, nos discursos de fim de ano, na oratória dos políticos, nas agendas de nossos encontros: não é posto em prática – lato senso. E sem ele e fora dele, não há salvação para o jornalismo que queremos, precisamos e pedimos nós, profissionais, nós cidadãos, nós Brasil.

Washington toca noutros pontos de invulgar importância para a nossa reflexão no momento: “os veículos de comunicação do Brasil” e a postura do político (simbolicamente representado pelo presidente Lula). Os veículos de comunicação são os tentáculos da Economia, cuja face é o mercado (oferta e procura)… Os postulados que possuem (?) deveriam ficar no recesso dos editoriais, mas, não, estão escancarados no noticiário (tabernáculo da informação), com seus interesses, conveniências, pressões, etc.etc. Nada do que aconteceu, está acontecendo e acontecerá neste momento político/eleitoral do Brasil – em termos de Imprensa (lato senso) nos é estranho, considerando as observações acima.
Quanto à postura do político (metaforicamente encarnada no presidente Lula) também não nos deve surpreender: a Política é a arte do que pode ser feito (circunstâncias, conveniências…).

Enfim, as colocações do Washington merecem uma boa rodada de papos…

Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj, lembra que a senhora participou durante muitos anos da Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas e registra que a Federação marcou para agosto de 2007 um congresso extraordinário para atualizar o Código de Ética dos jornalistas brasileiros. Ele quer saber que mudanças a senhora defende que sejam incorporadas no novo Código.

Adísia Sá – Agradeço a lembrança do presidente Sérgio Murilo sobre minha passagem pela Fenaj e o prestígio que dá a esta entrevista com suas colocações. Tenho mantido contato com o Hipólito, da Comissão de Ética, sobre o nosso Código. Antes de tratar de alguns pontos “reformáveis”, é necessário enquadrar o Código ao novo tempo, ou seja, novos instrumentos de comunicação, como a internet e seus jornais, etc. Um capítulo a ser discutido trata, no meu entender, do Código em si e as chamadas penalidades – postas exclusivamente a cargo das Comissões de Ética dos Sindicatos e, como recurso, à Fenaj e seus canais competentes.

Espero participar do Congresso Extraordinário no próximo ano, como ouvinte e, aqui e ali, apontando sugestões… discutindo. Será o ponto alto da Fenaj a revisão do Código de Ética e, mais do que isto, tudo fazer para que os nossos postulados sejam introjetados em cada um de nós, jornalistas, exercitados, praticados, defendidos…

Obrigado por sua atenção e participação Adísia. A próxima entrevista da Fenaj será com o juiz Marlon Reis, que coordena o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), do qual a Fenaj é fundadora. Para participar, encaminhe perguntas para boletim@fenaj.org.br até as 18 horas do dia 17 de outubro, especificando, na linha de assunto, “Entrevistas da Fenaj”. A entrevista será disponibilizada no dia 20.

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Federação Nacional dos Jornalistas