Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Sobre os direitos dos escritores de livros

O intelectual que escrevia, fosse ele ou ela romancista, ensaísta ou poeta, desde longa data se sabia e se sentia assegurado dos direitos de usufruir de seu esforço, dedicação e competência profissional. De seu ato criativo. Tranquilamente sabia que lhe era garantido – não apenas pela sociedade onde vivia, mas em todo o mundo – o usufruto de seu trabalho, por si só respeitado. Era admirado enquanto tal, enquanto intelectual.


As sociedades se complexificam, o mundo tomou uma dimensão de ‘aldeia global’, na qual os bens materiais e culturais poderiam e deveriam ser distribuídos a todos e todas, em qualquer lugar que residissem as pessoas de todos os credos, idades e gênero, resguardados, obviamente, os direitos privados, pois se vivendo em sociedades capitalistas este é princípio fundante: o direito de posse e apropriação material e cultural, pelos cidadãos, de tudo aquilo que adquiriram legitimamente.


A economia se globalizou e o neoliberalismo tomou conta do mundo com sua falácia do ‘sou livre para ir e vir, sou dono do que é meu’ etc, etc. O direito privado nunca foi tão reivindicado e exaltado na história, com nos dias de hoje. As tecnologias de comunicação tiveram um aprimoramento a níveis nunca imagináveis ou imaginados. O fax, as câmeras digitais, o telefone celular e sobretudo a internet abriram uma possibilidade impensável, anos atrás, de comunicação entre pessoas, povos e regiões as mais distantes.


Animar a pirataria


Entretanto, como o modelo atual do capitalismo neoliberal só respeita os grandes conglomerados financeiros e econômicos, os sujeitos pessoais, os proclamados direitos privados, intencional e contraditoriamente, estão conhecendo as ‘criações’ que representam esse novo estilo de vida: a ética do mercado. Isto é, a falta da prática dos valores morais e da ética, do respeito e da atenção para com os direitos alheios. Assim, os sites, comunidades e páginas da internet, os orkuts, blogs de gente que vive de sugar o trabalho alheio e coloca em suas telas o que lhes vêm à cabeça, ou o que os possa projetar como expert, como sabichões familiarizados pela ‘lei de Gerson’, que infelizmente se expandiu pelo mundo, sobretudo, no Brasil.


Nós que ganhamos a vida com o nosso trabalho intelectual, cansativo e sério, mas que nos alegra e recompensa, ao mesmo tempo, nos deparamos com a violação de nossos direitos, estes que deveriam, dialeticamente, ser assegurados como decorrência de nossos deveres. A recompensa pecuniária faz parte de todo trabalho, não se pode esquecer e desrespeitar isto. Para os autores de livros esta vem sob a forma de direitos autorais, pois autores precisam, para viver e continuar criando, receber o dinheiro para, no mínimo, pagar as suas contas: impostos, tributos, comidas, aluguéis etc, etc. Não se conhece na história invasões a quitandas porque as frutas apetecem a quem as vê, ou a supermercados porque não se quer pagar pelas mercadorias. Entre livros, frutas e mercadorias há diferenças qualitativas.


Como viúva e sucessora da obra do educador Paulo Freire, por mais de uma vez venho tendo que ‘suportar’ o desrespeito de pessoas, que estimulando a impressão de livros deveriam ser conhecedoras da legislação autoral brasileira, assim de meus direitos como detentora de parte significativa da obra do maior educador brasileiro.


O trabalho dele vem sendo vilipendiado por sites que disponibilizam, criminosamente e por inteiro, seus livros mais importantes, cujos direitos, em sua maioria, a mim pertencem. Sites de universidades públicas federais do Brasil usam o dinheiro público para instigar a pirataria (há até organização que tem o nome de meu marido) com a desculpa, desonesta e fraudulenta por si só, de que ‘todo mundo tem o direito de ler Paulo Freire’. Tem mesmo! Por isso sua obra está disponível nas livrarias de todo o país, e para os que não podem ou não querem pagar, nas bibliotecas públicas.


Pensar e refletir


Essa herança legal diante da legislação brasileira, recebida por mim para dela cuidar, fruto de uma vida inteira de Paulo, dedicada aos valores éticos e pedagógicos, vem sendo profanada pelos que, contraditoriamente se apossam antieticamente de meus direitos. Venho dedicando horas, todos os dias de minha vida, desde que Paulo nos deixou, para fazer jus ao desejo dele: que eu e somente eu desse prosseguimento ao que ele pensou, refletiu e escreveu desde 1988. Os direitos autorais que recebo não ‘caem do céu’ como as chuvas que nos molham, eles são o resultado de minha dedicação, séria e eficiente, de meu trabalho árduo para perpetuá-lo como o educador da libertação.


Há que se dar um basta nesses ilícitos que se praticam desrespeitando ao meu marido e a mim, e a tantos e tantos outros escritores. Qualquer citação, por pequena que seja, de qualquer obra de um autor precisa da autorização prévia dele ou de seus sucessores, que a Lei garante por até 70 anos, a partir da morte do autor.


Abaixo, a reprodução da carta que colocou no ar nove livros de meu marido, sem o menor pudor ou seriedade:




‘Livros do Paulo Freire desbloqueados para impressão


Meus car@s,


Segue em anexo várias preciosidades da obra de Paulo Freire desbloqueadas para impressão. Vejam que maravilha: são livros importantíssimos de um pensador brasileiro comprometido profundamente com as causas sociais – inovador, criativo, original (com importância histórica inédita). Não preciso nem falar tudo isso que o mundo todo há muito sabe disso, reconhecendo-o em todos os cantos e recantos. O importante é poder acessar esta obra, conforme anexos, divulgando-a o mais amplamente possível.’


Às pessoas de boa fé, alerto, pensem e reflitam sobre os crimes que estão cometendo. Às de má fé, alerto, as Leis existem para punir os contraventores. Basta. Respeito aos direitos autorais dos escritores de livros.

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Educadora, Jaboatão dos Guararapes (PE)