Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Televisão, hegemonia e cultura autóctone

Este livro descreve a televisão brasileira, resgatando sua trajetória histórica, registrando-se as influências socioculturais e políticas que interferiram direta e indiretamente no seu processo de desenvolvimento.

Estudiosos da comunicação, em suas tentativas para explicar o crescimento dos sistemas de radiodifusão em países do Terceiro Mundo, basearam seus estudos em perspectivas evoluídas a partir das teorias de desenvolvimento de Karl Marx ou de Max Weber. Três temas são enfatizados pelos teóricos ortodoxos e três pelos teóricos que adotam uma posição de pesquisa mais crítica: Desenvolvimento e Política, Desenvolvimento e Nacionalismo e Modernização versus Subdesenvolvimento, Dependência e Imperialismo. A partir das duas últimas décadas do século 20, começaram a surgir estudos sobre a evolução dos meios de comunicação que passaram a considerar os efeitos da globalização, alguns adaptando as novas teorias da globalização aos meios de comunicação. Existem pelo menos dois tipos de grupos de teorias da globalização: o dos pesquisadores que a examinam a partir da perspectiva do geral para o particular, entendendo o fenômeno e os processos que aparecem abaixo do nível global, como nações-estados que crescem em resposta ao processo global; e o outro, dos teóricos que analisam a globalização a partir da perspectiva das partes em direção ao inteiro, argumentando, por exemplo, que o sistema global tem emergido da interação entre as nações-Estados (Braman, 1996).

Historicamente, entretanto, sempre existiu uma preocupação crescente entre os estudiosos, principalmente aqueles dos países periféricos, de que as corporações globais, as empresas transnacionais que atuam no setor das comunicações e as agências de publicidade multinacionais ameaçam a política, a economia e a soberania das nações em desenvolvimento (Barnet & Muller, 1974; Unesco, 1980; Mattos, 1984; 2009). O grande impacto da publicidade na mídia dos países do Terceiro Mundo foi observado por muitos estudiosos que realizaram pesquisas e produziram estudos específicos sobre o imperialismo na mídia, a homogeneização cultural, além de constatar a dependência cultural e dos veículos de comunicação. Eles tentaram explicar, por exemplo, o grande número de programas americanos e europeus nas telas de televisão dos países de Terceiro Mundo e a crescente influência das agências de publicidade multinacionais sobre os veículos de massa destes países.

Os interesses políticos

Estudos sobre o desenvolvimento das mídias no Terceiro Mundo foram conduzidos dentro de perspectiva analítica global, na qual os fatores nacionais, que podem ter contribuído ou não para o crescimento da mídia local, são ou foram negligenciados ou subvalorizados, deixando, portanto, de examinar a fundo suas respectivas influências. Esses estudos, de modo geral, enfatizam o desenvolvimento tanto dos veículos de comunicação de massa como da indústria publicitária como reflexo das forças de mercado externas e de maneira global. Esses pesquisadores da comunicação têm generalizado a partir de escassas informações e, mesmo assim, sem levar em consideração as variáveis nacionais, tais como o potencial que cada país pode ter de limitar as influências estrangeiras (transmitidas através da publicidade, filmes e programas de televisão) sobre suas respectivas culturas, utilizando-se de políticas protecionistas.

Fatores internacionais podem influenciar o desenvolvimento da publicidade e dos meios de comunicação de massa nos países do Terceiro Mundo, mas só se pode estudar essas influências externas de maneira correta se, antes de qualquer coisa, os fatores internos forem identificados e considerados como peças importantes dos resultados a serem obtidos. O sistema brasileiro de comunicação, por exemplo, tem experimentado, ao longo de sua existência, uma grande carga de influência proveniente dos países hegemônicos, mas esta influência tem sido em vários casos limitada ou totalmente afastada, como resultado de políticas protecionistas.

No Brasil, as condições internas têm exercido sobre os veículos de massa influência muito mais forte do que os fatores externos. Aqui, os meios de comunicação de massa – principalmente a televisão – e também a indústria publicitária têm refletido não apenas a forma particular de desenvolvimento dependente do país, mas ainda aos interesses políticos de quem está no exercício do poder, como ocorreu durante o longo período da ditadura militar, de 1964 a 1985.

Os teóricos do imperialismo na mídia

Dentro desse panorama histórico, duas teorias contrastantes esbarram no caso brasileiro: a neomarxista (imperialismo na mídia e a teoria da dependência) versus a não-marxista (os difusionistas e os defensores da teoria do ciclo de vida do produto). Cada uma dessas perspectivas apenas explica parcialmente o que ocorreu no Brasil. Estudos como os de Schiller (1969), Wells (1972) e Nordenstreng & Varis (1974) constataram alta proporção de programas importados, principalmente dos Estados Unidos, para as televisões de países latino-americanos. De fato, o Brasil foi, em um tempo, o maior importador latino-americano de programas norte-americanos, mas esse quadro foi revertido e a influência e a quantidade dos programas estrangeiros no horário nobre da televisão foram praticamente zeradas, uma vez que foram substituídos pela produção local, que passou também a ser exportada gerando uma nova situação: a interdependência (Straubhaar, 1981).

A indústria televisiva brasileira transformou-se ao longo de sua história, passando da situação de total dependência para a de auto-suficiência em produção e, desde a década de 70 do século passado, vem aumentando a exportação de programas para um número cada vez maior de países. Além disto, à medida que o número das produções nacionais cresceu, estas passaram a substituir gradativamente os programas estrangeiros, principalmente os filmes que ocupavam os horários matutinos e vespertinos. Como exemplo, pode-se citar o Vale a Pena Ver de Novo, da Rede Globo, que passou a retransmitir no horário vespertino suas novelas de sucesso do horário nobre. Portanto, o caso do Brasil vai de encontro às previsões e projeções baseadas nas primeiras constatações dos teóricos da dependência.

A experiência brasileira, entretanto, serve de apoio aos argumentos e prognósticos de Pool (1977) e Tunstall (1977) e confirma as constatações de Lee (1980) de que as audiências dos países terceiro-mundistas preferem os programas produzidos localmente. O processo de exportação de programas de televisão produzidos nos países desenvolvidos para a televisão brasileira passou pelos quatro estágios da teoria do ciclo de vida do produto: inovação, expansão, maturação e declínio (o que de certa forma confirma os argumentos dos difusionistas). Mas, a dependência dos veículos de massa brasileiros na publicidade estrangeira, por sua vez, também apoia e confirma, mesmo que parcialmente, os pontos de vista defendidos pelos teóricos do imperialismo na mídia.

Globalização versus regionalização

Em estudos que realizamos em 1980 e 1982 já questionávamos as generalizações de inúmeros estudos e suas conclusões sobre o relacionamento e o desenvolvimento dos veículos de comunicação de massa e da indústria da publicidade em países do Terceiro Mundo (Mattos, 1980; 1982), pois nenhum modelo sozinho pode adequadamente explicar o desenvolvimento tanto da mídia como da publicidade em um país isoladamente, se não considerar como as condições internas de cada país influenciaram aquele desenvolvimento em particular.

Argumentamos, portanto, que tantos os prognósticos dos teóricos ortodoxos como os que adotaram linhas de pesquisa dentro de uma perspectiva mais crítica são inadequados para descrever os eventos no Brasil porque, aqui, por exemplo, as políticas econômicas e sociais adotadas pelos governantes, principalmente durante os 21 anos do regime militar de 1964, tiveram um impacto muito mais marcante no desenvolvimento da mídia brasileira do que os fatores externos.

Portanto, para a realização deste livro, consideramos que as condições socioeconômicas e políticas do país têm exercido sobre a televisão uma influência maior do que os fatores externos, que também foram importantes nesse processo, principalmente no que diz respeito aos avanços tecnológicos. Consideramos ainda que a televisão brasileira e a nossa indústria publicitária têm refletido não apenas a nossa forma particular de desenvolvimento dependente, mas também os interesses políticos do momento e que o exemplo mais concreto, nos últimos sessenta anos, foi o regime militar pós-64, de cujas ações, em todos os campos, ainda se pode constatar a influência, mesmo depois de passados vários anos da data em que os civis reassumiram o comando da nação.

O caso do Brasil nos leva a repensar as suposições e hipóteses de inúmeras teorias que vêm sendo usadas para estudar o desenvolvimento dos meios de comunicação, principalmente a televisão, nos países periféricos. Exatamente por isso acreditamos que estudos de caso podem ser de maior utilidade para se compreender o crescimento da mídia no Brasil do que muitas abordagens que tentam estudar a evolução da televisão brasileira a partir, e unicamente, de uma perspectiva global. Vale lembrar que o intenso processo de globalização, no qual todos os países e suas estruturas internas, inclusive as de comunicação, estão envolvidos, começa a refletir mudanças e novos desafios devidos às tendências já constatadas da globalização versus regionalização.

Grandes audiências

O termo globalização, em si, sugere que as atividades políticas, econômicas e sociais estão se transformando em escala mundial, como fenômeno universal que atinge, ao mesmo tempo e por igual, todos os cantos do planeta. Entretanto, admitir esta ideia seria ignorar, como lembra Maria da Conceição Tavares, ‘que o padrão de inserção internacional de um país se exerce a partir de estados concretos de dominação’.

Anthony Giddens (1990) define globalização como sendo a intensificação das relações sociais mundiais que ligam localidades distantes, de tal modo que acontecimentos locais podem ser influenciados por eventos que estão ocorrendo a centenas de quilômetros de distância e vice-versa. Desta forma, a globalização está relacionada também com a interseção de presença e ausência, o entrelaçamento dos eventos sociais e relações sociais à distância com contextualidades locais. Em síntese, o processo de globalização representa um aspecto do que Giddens chama de ‘fenomenologia da modernidade’.

De acordo com R. Robertson (1992), globalização se refere à compreensão do mundo e à intensificação da consciência do mundo como um todo. É também, na visão de A. McGrew (1992), um processo que tende, no inteiro, a reforçar, se não aumentar, as desigualdades do poder e da riqueza, ambos entre nações e através delas.

Historicamente, o debate sobre a globalização está vinculado a utópicos pontos de vista sobre sistemas de comunicação. Tal debate começou a partir da invenção do telégrafo e, nos anos sessenta, se tornou mais popular com o conceito da aldeia global, de McLuhan (1964).

Muitos estudiosos da globalização estão preocupados em mapear o mundo como um sistema único (Worseley, 1984), um único lugar (Robertson, 1992) ou uma única sociedade mundial (Albrow & King, 1990). Muitos dos discursos sobre a globalização são baseados nos conceitos e estratégias capitalistas de marketing, da transnacionalização do capital e do progresso das telecomunicações. Isso porque as coberturas jornalísticas dos grandes fatos do dia, transmitidas por emissoras de rádio e televisão, em tempo real, a exemplo da CNN, realmente atinge grandes audiências em todo o mundo. E isso está criando o senso de que tanto os brasileiros, os americanos, os franceses e os japoneses compartilham o fluxo da informação do mesmo modo, igualitariamente, gerando, por conseguinte, o senso de que coabitamos o planeta ao mesmo tempo com outras pessoas, com as quais estamos ligadas, apesar da distância, através da mídia.

Efeitos são considerados predatórios

Como diz Gabriel Bar-Haim (1996), a mídia passa a impressão de que existe uma ordem global com um centro definido ou não. A afirmação dessa existência é transmitida diariamente através de notícias e documentários internacionais, abordando assuntos tão variados quanto ecologia na Índia, negócios no Japão, eventos culturais internacionais, a exemplo do Festival de Cannes, o concurso de beleza Miss Universo e ainda os Jogos Olímpicos ou a Copa do Mundo de futebol.

De acordo ainda com as interpretações de Bar-Haim, a mídia parece sugerir a existência de uma cultura global que não se constitui numa entidade em si mesma, mas é um conglomerado de eventos culturais internacionais que refletem a multiplicidade de todas as sociedades, cujas diferenças culturais podem ser minimizadas, mas suficientemente caracterizadas para serem percebidas como exóticas.

É inegável que o acesso a informações através da mídia pode influenciar no nosso modo de viver. Giddens (1990), por exemplo, insiste em que a consciência global não é limitada ao vago conhecimento de eventos, mas pode diretamente contribuir na formação de estilos de vida individuais.

A globalização é avassaladora e pode provocar padronização cultural. Contata-se que há uma verdadeira epidemia de McDonalds espalhados pelo mundo, mas vale ressaltar também a proliferação da comida chinesa, japonesa etc. Ironicamente, ao mesmo tempo em que a globalização nos conduz a uma aparente padronização, ela também abre perspectivas para outras cultuas. Essa contradição é uma das características da globalização, que precisa manter as individualidades porque essa é uma das formas de assegurar mercado consumidor para seus produtos industriais ou culturais.

Assim, pode-se dizer que a globalização não deve também comportar julgamentos de valor. Trata-se de uma nova realidade diante da qual precisamos tomar uma atitude, vez que ela tem eliminado diferenças entre produtos, cuja diferenciação passou a ser a ética da massa, ou seja, a imagem institucional da empresa. Por tudo isso, os efeitos imediatos da globalização são considerados predatórios. Ao mesmo tempo, entretanto, o processo de globalização pode levar a países e pessoas benefícios ainda não totalmente dimensionados, como o acesso a milhares de informações e de produtos das regiões mais distantes do planeta.

Impacto não pode ser generalizado

P. Waterman (1993) defende o ponto de vista de que a globalização deve ser entendida como multideterminada pelo mercado, soberania, militarização, industrialização, tecnocracia, racismo etc.

Exatamente por isso, defendemos também o ponto de vista de que, para estudar as causas e efeitos desse processo, precisamos construir uma teoria crítica e social da globalização que seja mais abrangente do que as teorias identificadas como sendo de direita ou de esquerda, responsáveis por enorme lista de estruturas teóricas (desenvolvimentistas, terceiro-mundistas e outras mais reformistas ou menos radicais) usadas para explicar o fluxo da informação, os veículos de comunicação, principalmente a televisão, e os processos de interação sociocultural entre as nações.

Por isso, qualquer estudo sobre a televisão e a globalização deve ser feito sem negar, rejeitar ou ignorar modelos anteriores, uma vez que o mundo ainda está cheio de evidências que, em parte ou no todo, comprovam aquelas teorias. Os estudos que aplicam as teorias da globalização para explicar o que está ocorrendo com a televisão em determinado país, o Brasil, por exemplo, não podem deixar de considerar a realidade local em relação à realidade global, a regionalização versus a globalização. Por isso concordo plenamente com a afirmativa de Sandra Bramam (1996), defendendo que a teoria crítica da globalização deve ser entendida como um novo caminho e um meio transparente através do qual velhas estruturas, processos e discursos são ainda visíveis.

Devido a esse entendimento, a evolução da televisão brasileira é desenvolvida neste livro dentro de uma estrutura do desenvolvimento nacional, na qual todos os veículos de comunicação e a indústria da publicidade estão inseridos, pois evoluíram refletindo, direta e indiretamente, as marcas e influências dos sistemas político, socioeconômico e cultural vigentes. Neste trabalho assumimos ainda que o impacto das corporações multinacionais sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação, principalmente a televisão, não pode ser generalizado para todos os países e que, em estudos como este, precisamos procurar por alternativas para cada país.

História da TV reflete fases do desenvolvimento

Para a elaboração e estruturação da periodização do desenvolvimento da televisão brasileira neste livro, levamos em consideração o contexto histórico socioeconômico e político como estratégia de análise, para estruturar a periodização do desenvolvimento da televisão brasileira. Tais fatos, ora de natureza política, social ou econômica, acreditamos, servem como critérios claros (apesar de diferentes) e determinantes para as demarcações temporais da periodização adotada. Tendo em vista que as demarcações levam em conta o contexto no qual a televisão está inserida, procuramos identificar, em cada momento histórico, o fator de maior relevância (político, econômico ou técnico etc.) que servisse, dentro do senso comum, para estabelecer de maneira mais ampla cada uma das fases. Enfatizamos e privilegiamos a análise dos contextos para melhor compreensão do desenvolvimento da nossa televisão porque não vemos a comunicação e a tecnologia em si, quase como entronizadas, produzindo sentido e desconectadas do todo econômico, político, social e cultural de uma nação.

Da mesma forma que a política sócio-econômica brasileira se desenvolveu dentro de uma mesma matriz, mas sempre oscilando de acordo com as tendências mundiais e ideológicas vigentes, o desenvolvimento da nossa televisão também sofreu a influência direta e indireta das mudanças do contexto. Contexto que apresenta não uma, mas várias realidades, tão díspares que podem levar alguns estudiosos a evitar, inclusive, de assumir uma periodização para estudar a televisão. Isso se deve à anomalia que é a nossa história contemporânea, que torna quase impossível a tarefa de estabelecer uma periodização de acordo com os rigores da historiografia, sob pena de apresentar distorções.

Assim sendo, tentamos aqui organizar o material histórico disponível, tanto sob o ponto de vista estrutural como do funcional. Buscamos identificar a coerência e semelhança do desenvolvimento da televisão com o próprio desenvolvimento do país, considerando todas as incoerências dos modelos político, econômico e social adotados, pelos governos desde o presidente Getúlio Vargas, em 1950, até os dias atuais.

Por isso, nos cortes realizados para pontuar cada fase do desenvolvimento da televisão, levamos em conta principalmente as mudanças das políticas nacionais, suas tendências gerais ou particulares. Foram consideradas as decisões e implementação de ações que acabaram por influenciar o desenvolvimento da nossa televisão. Em síntese, sob nosso ponto de vista, a história da TV brasileira reflete as fases do desenvolvimento e as políticas oficiais adotadas e por isso este veículo não pode ser analisado como objeto independente do contexto no qual está inserido.

Uma poderosa ferramenta política

Exatamente por isso, tentamos aqui estabelecer conexões que justifiquem o ocorrido. Naturalmente que este estudo limita-se a identificar certas lógicas e estratégias en passant, uma vez que cada período e suas respectivas influências no desenvolvimento de nossa TV merecem estudos à parte para melhor entendimento do que ocorreu e continua ocorrendo no país e seus reflexos no sistema de comunicação.

Se a televisão é considerada como um ponto importante no processo da acumulação capitalista porque ajudou a vender televisores e outros bens de consumo, além de ter sido usada para formação de opinião pública, entre outras coisas, é necessário que se identifiquem os elos vigentes (as lógicas estéticas, sociais, políticas e econômicas) que foram diretamente responsáveis ou promoveram indiretamente aquele processo do desenvolvimento histórico do veículo. Com isso, constata-se, portanto, que ele não pode ser analisado fora do contexto no qual está inserido sob pena de se tirar conclusões cheias de viés, principalmente porque, no caso do Brasil, a televisão sofre não apenas as influências internas como também as externas, cujos resultados podem apontar para certos princípios explicativos.

Assim sendo, ao concentrar a atenção apenas em certos aspectos (por exemplo, econômicos, performances técnicas, condições de produção, etc.) corre-se o risco de desconsiderar outras particularidades históricas que participam diretamente do processo. Vale lembrar, mais uma vez, que todo e qualquer estudo, inclusive este, que se arrisca a demarcar períodos no Brasil pode incorrer em algumas incoerências, devido à própria oscilação do nosso desenvolvimento histórico (político, econômico, social e cultural) contemporâneo.

Procuramos, portanto, em nossos estudos sobre o desenvolvimento histórico da televisão, identificar, dentro da realidade cronológica do país nas últimas seis décadas, os principais aspectos que mais marcaram cada período, não deixando de considerar que durante toda a sua história, principalmente no período de 1964 a 1985, a televisão foi usada como uma poderosa ferramenta política, tanto de mobilização social como de formação de opinião pública.

Produtor de conteúdo e transmissor de ideias

Baseando-nos, pois, em fatos, tentamos explicar o desenvolvimento institucional da televisão dentro da estrutura do contexto político e socioeconômico nacional. Assim sendo, o contexto histórico brasileiro no qual a televisão se desenvolveu foi usado como estrutura para analisarmos essa evolução, procurando pontuar suas principais influências. Portanto, este livro, de caráter eminentemente descritivo e fundamentado no conhecimento existente, busca também a compreensão global deste subsistema de comunicação social, que é a televisão, dentro dos contextos socioeconômico, político e cultural do Brasil.

Alicerçada em alto nível de qualidade técnica que lhe permite competir no mercado internacional, exportando seus programas para dezenas de países, participando assim das novas tendências de um mercado cada vez mais globalizado, a televisão brasileira começou este milênio em plena maturidade. Em contrapartida, as novas perspectivas mundiais que lhe são impostas levam a televisão também a enfrentar e se adaptar a esta nova etapa, na qual a própria tecnologia que tanto ajudou no seu desenvolvimento passou a competir com ela mesma, devido ao avanço da informática, da internet, da televisão paga, da tecnologia digital e das novas aspirações e conceitos que impulsionam a humanidade neste milênio.

O avanço das novas tecnologias digitais permite o desenvolvimento de novos instrumentos de comunicação, mas ao mesmo tempo cria uma série de questionamentos de ordem ética, além de contribuir para transformar o homem num ser cada vez mais individualista. Outro aspecto a se considerar é que as novas tecnologias digitais podem facilitar ainda mais o processo da globalização da cultura e da política, contribuindo diretamente para a construção de um ‘pensamento único’. Diante dessa perspectiva surgem perguntas básicas: como as tecnologias digitais podem trabalhar em favor desta interatividade, viabilizando uma comunicação mais democrática? Como minimizar ou superar o processo de exclusão digital? Qual é o tipo de inclusão digital desejamos para o país? Respostas a estas perguntas devem ser dadas, num futuro próximo, pelos estudos e debates que já estão sendo realizados por acadêmicos, grupos de estudo dos ministérios e organizações não governamentais procupados com a inclusão social e inclusão digital.

A tecnologia digital pode ser usada para transmitir serviços e conceitos de cidadania, além de abrir perspectivas para o aumento e veiculação da produção televisiva independente. Com a interatividade permitida pela tecnologia, grupos comunitários de cultura poderão facilmente se transformar em produtores de conteúdo, fortalecendo a diversidade cultural. Espera-se que a tecnologia digital aumente a democratização dos canais comunitários (de rádio e TV) e que eles possam atingir a massa da população, cumprindo com sua função de prestar informações e cultura e contribuindo para transformar os usuários em produtores de conteúdos. Isso porque com a tecnologia digital, o usuário deixa de ser um telespectador passivo e passa a ser um sujeito ativo. A tendência, portanto, é que o cidadão deixe de ser apenas um receptor e consumidor da programação televisiva e se transforme também em um produtor de conteúdo e transmissor de ideias.

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Doutor em Comunicação na Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos