Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Trocando em miúdos

O tema TV digital tem sido um dos mais discutidos no Brasil desde 2002. O que acontece é que a maioria dos brasileiros não domina muito o palavreado utilizado na composição de reportagens referentes ao assunto. Visitando alguns sites de perguntas e respostas na internet, deparei com dúvidas que nos parecem muito simples como: O que muda em minha vida com a TV digital? Ou ainda: Eu vou ter que trocar a minha TV por uma nova? Essas dúvidas são produtos de reportagens que tratam o leitor como peritos em informática.

‘Você terá que adquirir um set-top box.’ ‘O sistema ATSC usa um esquema chamado COFDM.’ ‘ISDB é o padrão defendido pelas grandes redes de TV. Estava na disputa o padrão DVB.’ Essas são algumas das frases que retirei de notícias de jornal referentes ao tema TV digital. Para um leigo, como eu, não fazem sentido algum. Dessa forma, resolvi escrever de forma bem clara o que eu entendi até hoje sobre essa nova tecnologia e o que acredito que as pessoas realmente precisam saber.

Primeiramente, é importante traçarmos as diferenças entre a nossa televisão normal, ou analógica, e a televisão digital, para que o leitor entenda o que realmente muda em sua vida. A TV digital proporciona uma imagem com maior definição (a resolução média da TV analógica é de 480 linhas, enquanto a digital é de 1.080 linhas). A TV digital apresente cores mais vivas, além de som mais rico (a transmissão suporta até seis canais de som – dolby digital –, enquanto a analógica suporta somente dois – mono e estéreo). O formato da imagem no sistema digital é widescreen (16:9), como a tela de cinema, diferente do padrão analógico (4:3). Enquanto no sistema analógico a emissora pode enviar apenas um programa por vez, no digital é possível enviar até seis programas simultaneamente, permitindo variar a programação ou oferecer uma experiência mais rica, como assistir a um jogo por vários ângulos. Além disso, é possível receber informações junto com a programação, como detalhes do que aconteceu no último capítulo da novela, dados estatísticos em um jogo de futebol ou a sinopse de um filme. Por fim, é possível interagir com a programação, participando de enquetes, por exemplo.

Os três padrões

No campo da publicidade, a interatividade da televisão digital apresentaria também um papel fundamental. Se você, estudante de publicidade, ouviu falar que a propaganda seria extinta com a implantação da mesma, pode ficar despreocupado porque isso não passa de um mito. A TV digital, pelo contrário, deve criar um relacionamento muito mais próximo entre uma marca e o comprador. Como isso acontece? Num intervalo comercial, por exemplo, o telespectador poderia ser convidado a entrar num anúncio para saber mais sobre um determinado produto. As informações extras seriam mostradas diretamente na tela. Ao apertar um botão do controle remoto, o espectador poderia, ainda, efetuar a compra dessa mercadoria.

A TV que cada um tem em casa não vai precisar ser trocada ou jogada fora. A pessoa terá que comprar um adaptador, conhecido como set-top box, que permitirá que sua TV receba sinal digital. Qualquer televisor será compatível com o aparelho, desde que tenha entrada para DVD ou aparelho de videocassete. O preço do adaptador varia de R$300 a R$800. Se o consumidor, no entanto, não quiser comprar um adaptador, ele poderá assistir normalmente a programação aberta na sua TV atual, pois a previsão de tempo para migração do sistema analógico para o digital é de 10 anos. Até lá, as emissoras são obrigadas a manter a transmissão analógica.

O que confunde a maioria das pessoas, no entanto, diz respeito aos três padrões de televisão digital que o Brasil deveria escolher. São eles: o japonês, o europeu e o norte-americano. E é aqui que deparamos com uma infinidade de siglas, que povoam os textos jornalísticos, nos deixando cada vez mais confusos.

Divisão de espaço

O padrão europeu é o DVB (sigla em inglês para Transmissão em Vídeo Digital). O padrão norte-americano é o ATSC (sigla em inglês para Comitê para Sistema de TV Avançada). Por fim, o padrão japonês é o ISDB (sigla em inglês para Transmissão Digital de Sistemas Integrados). Essas siglas só servem para que você possa distinguir quando se está falado de um padrão norte-americano ou japonês, por exemplo. Mas é importante você entender um pouquinho sobre cada um desses padrões.

O padrão norte-americano (ATSC) é o melhor no que se refere à definição da imagem. É considerado o mais resistente, ideal para transmissões de melhor qualidade, mas é o menos desenvolvido nos quesitos mobilidade e interatividade. Como grande parte da sociedade norte-americana já tem acesso à TV por assinatura e à internet, a multiprogramação e a interatividade não são prioridades.

O padrão europeu (DVB) privilegia a múltipla programação, a interatividade e novos serviços, e é mais imune aos problemas de multipercurso apresentados pelo padrão norte-americano. É o mais barato em investimentos, mas a tecnologia não agrada às grandes redes de TV, pois elas teriam, em tese, que dividir o espaço que ocupam com outros produtores de conteúdo, e também com o mercado publicitário.

Todos saem ganhando

O padrão japonês (ISDB), escolhido para ser implantado no Brasil, é o único dos três que já está pronto para transmissões para dispositivos portáteis (como receptores em carros) e móveis (como celulares). A recepção pelos celulares será gratuita, e apenas a interatividade paga. O sinal não precisa passar pela rede de telefonia, pois o celular se transforma em um receptor de TV apenas com a instalação de um chip. Além disso, ele aceita com mais facilidade que os receptores estejam em movimento. É o mais caro em investimentos, porém foi o último a ser desenvolvido, e na opinião de muitos técnicos é superior aos demais.

Você já deve ter ouvido falar também que o ISDB é o padrão defendido pelas grandes redes de TV, principalmente pela Rede Globo, e que isso pesou na decisão sobre qual padrão seria utilizado no Brasil. É importante que você entenda o por quê.

As grandes redes televisivas alegam que essa seria a tecnologia que melhor atenderia aos requisitos de alta definição, além de melhor portabilidade e mobilidade. Mas, na verdade, o interesse dos grandes canais está na dificuldade de entrada de novos canais de TV (concorrentes), ao privilegiar a alta definição. Em outras palavras, para transmitir em alta definição não seria possível dividir a programação, já que esse tipo de transmissão demandaria a utilização de toda a banda de espectro.

Vale citar outros dois pontos que contaram na escolha do padrão ideal a ser implantado no Brasil. O primeiro é que a decisão pelo padrão japonês foi tomada por Lula, que na época orientou seus ministros a negociarem com o Japão as contrapartidas para que o anúncio produzisse ganho político no ano eleitoral. A segunda é que os japoneses concordaram com a implantação do padrão de forma mais lenta, o que diminui os custos para o consumidor, que não precisaria correr para trocar o seu televisor ou comprar um decodificador digital.

Contudo, o que podemos concluir é que a televisão digital vai ser boa para todo mundo. E a escolha pelo padrão japonês foi boa para o Lula, é boa para a Globo e, por sorte, é boa para o povo, mesmo que haja opiniões divergentes quanto ao último.

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Estudante, Belo Horizonte, MG