Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

TV Globo, 40 anos no poder

Nesta terça feira, 26 de abril de 2005, comemora-se os 40 anos de inauguração da TV Globo do Rio de Janeiro, primeira emissora de televisão das Organizações Globo que viria a constituir, ao longo dos anos da ditadura militar, uma rede nacional de emissoras próprias e afiliadas e se transformaria em uma das maiores, mais lucrativas e mais poderosas redes de televisão do planeta.

Escrevi o capítulo que trata das relações da Globo com a política na coletânea Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia, organizada pelos professores Valério Brittos, da Unisinos e César Bolaño, da Universidade Federal de Sergipe, que acaba de ser lançada pela Editora Paulus. São 17 ensaios, escritos por especialistas, que tratam dos mais variados aspectos desse poderoso conglomerado de mídia, desde sua posição no mercado brasileiro e internacional até suas relações com o cinema, passando pelas telenovelas, pelo telejornalismo, pela indústria fonográfica, entre vários outros.

Procuro mostrar a estreita relação entre a Globo e o poder no país, nas últimas quatro décadas. Os exemplos de interferência direta na política são numerosos, mas uma relação preliminar poderia incluir desde o papel de legitimadora do regime militar, passando pela tentativa de interferência nas eleições para governador do Rio de Janeiro, em 1982; pela autocensura interna na cobertura da primeira greve de petroleiros, setor considerado de segurança nacional, em 1983; pelo boicote à campanha para a realização das eleições diretas, em 1984; pela campanha de difamação contra o ex-ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, em 1985; pela ação coordenada na Constituinte de 1987/1988; pela interferência direta na escolha do ministro da Fazenda do presidente José Sarney, em 1988; pelo apoio a Fernando Collor de Mello expresso, sobretudo, na reedição do último debate entre os candidatos no segundo turno das eleições presidenciais de 1989 e, depois, pelo apoio tardio ao movimento pelo seu impeachment, em 1992; pela campanha de difamação contra o então ministro da Saúde Alceni Guerra, em 1991/1992; e pelo apoio à eleição e à reeleição de Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994 e 1998.

Mais recentemente, as pressões para aprovação da Emenda Constitucional nº 36 (que modificou o artigo 222 da Constituição e permitiu a participação em capital estrangeiro em empresas de comunicação, até o limite de 30% do controle), em 2001/2002; o jornalismo historicamente ‘oficial’, embora contraditório, retomado a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002; a oposição ferrenha ao projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo e ao pré-projeto de criação da Agência Nacional de Cinema e Áudio-Visual (Ancinav), em 2004, constituem exemplos eloqüentes.

Protagonismo ativo

Analiso detalhadamente três desses episódios emblemáticos: o nebuloso caso da tentativa de fraude das eleições para governador do Rio de Janeiro; o boicote à campanha pelas Diretas-Já; e a confirmação do ministro da Fazenda do governo Sarney.

Avanço também a hipótese de que a desmesurada presença da Globo na política brasileira se deve a quatro fatores principais: à convicção sobre o seu próprio poder; a condições institucionais favoráveis, em especial, à fragilidade histórica de nossos partidos políticos; a falsa identidade entre o privado e o público, exercitada com maestria por Roberto Marinho e ao papel inigualável de agência legitimadora do poder.

Convém, todavia, lembrar que o papel mais importante que a televisão desempenha, como mídia dominante na contemporaneidade, decorre do poder de longo prazo que ela tem na construção da realidade através da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana – das etnias (branco/negro), dos gêneros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética (feio/bonito) etc. – e, em particular, da própria política e dos políticos. É, sobretudo, através da televisão que a política é construída simbolicamente e que adquire significado.

Dessa forma, para além das interferências diretas na política, a Globo exerce um poder ainda maior na medida mesmo em que, por seu continuado domínio da audiência de televisão, se constitui em instituição fundamental no permanente processo de socialização que introduz culturalmente as novas gerações na sociedade brasileira.

Ao completar 40 anos, e apesar da crise financeira que ronda algumas das atividades das Organizações Globo, não há sinais de que o protagonismo da Globo na política brasileira tenha diminuído. Ao contrário. Tudo indica, como afirma o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que ‘a Globo [é] uma das instituições de poder no Brasil e sempre houve um certo sentido nisso, porque o poder da televisão é muito grande’.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)