Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um clássico renovado

Todo bom jornalista que preze a paixão pela leitura e que tenha se dedicado aos clássicos e indispensáveis livros da profissão – àqueles que não só debatem a teoria, mas a contextualizam com a prática – não pode passar batido diante da nova edição de O papel do jornal e a profissão de jornalista, escrito por Alberto Dines, uma lenda viva da imprensa brasileira.


Aos 77 anos, dono de uma crítica pontual e consistente, o autor vai fundo em uma ferida ainda latente: a extinção da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), decisão polêmica que dividiu opiniões em junho de 2009.


Mas a nova edição apresenta outras novidades, como a discussão sobre a revogação da Lei de Imprensa e o esquecimento intencional, segundo o jornalista, da celebração dos 200 anos da imprensa nacional, em 2008, ato silencioso que teria sido patrocinado pela grande mídia e seus financiadores.


Dentro dessa obra ampliada de 12 capítulos, que guiou gerações de jornalistas, outro destaque são textos publicados originalmente no Observatório da Imprensa, renomado veículo dirigido por Dines, que nasceu graças à sua atuação no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, em um esforço conjunto de colegas e estudantes. Nestes textos, o debate em torno do diploma se reacende, é descortinado e provoca novas reflexões. Muito além do que apenas criticar a decisão do STF, o autor prova, por A mais B, que a profissão de jornalista é específica, sim, e está indiscutivelmente ligada à manutenção da democracia, à geração de conhecimento e à vigilância do Estado.


‘Publicar primeiro, seja o que for’


‘Como o ministro Gilmar Mendes compara nossa história, nossa cultura e nossos códigos próprios com a profissão de um cozinheiro? Ele acabou com uma atividade secular, de relevância reconhecida pela sociedade. Não temos competências exclusivas? Qualquer um pode desempenhá-la? Queria ver o Mendes à frente de um jornal’, dispara o autor.


Dines não defende uma bandeira de forma pura e simples, como fez ao longo de sua brilhante carreira desde 1952. Ele chama atenção também para a queda do profissionalismo nas redações e para a baixa qualidade da informação prestada ao leitor, descrevendo décadas da evolução da imprensa nesses 35 anos do lançamento da 1ª edição.


Duas ponderações aparecem como consequência do ‘modelo de negócio’ adotado pelas empresas de comunicação: a competição, as jornadas infindáveis, as amarras comerciais do marketing e o imediatismo ‘de publicar primeiro, seja o que for’ parecem ser premissas contemporâneas que superam o caráter missionário que legitimou a essência do jornalismo um dia.


‘O presente e as sombras do futuro’


Nesta obra-prima, que chegou à mão dos leitores em sua 1ª edição no ano de 1975, está a comprovação de que o jornalismo é mutante e perspicaz tanto quanto o livro, que traz ainda uma homenagem ao patrono da imprensa brasileira, o jornalista Hipólito da Costa. Figura genial, na qual Dines se diz inspirado, o idealizador do Correio Braziliense (1808) é reverenciado como um homem iluminado e cujo discurso, 202 anos depois do primeiro texto publicado no primeiro periódico a circular no Brasil, parece caber perfeitamente nos dias de hoje.


Na página 13 de O papel do jornal e a profissão de jornalista, Dines reproduz esse material, uma escolha que o autor considera indispensável para que o jornalista repense sua prática enquanto é absorvido pelas novas tecnologias e incorpora ainda a função extra de um gestor dentro da redação.


Em tempos de tanto descrédito na profissão, função e contribuição do jornalista à sua comunidade, Hipólito da Costa fornece argumentos para a defesa de uma imprensa sadia e estimula valores que, em algum momento ou por toda a carreira, nortearam quem decidiu se dedicar a ela.


‘Ninguém mais útil, pois, do que aquele que se destina a mostrar, com evidência, os acontecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro… As luzes que ele espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, inércia e do engano’, diz um trecho do documento escrito por Hipólito da Costa.


Confira os principais trechos da entrevista.


Ética é intrínseca ao bom texto


Passados 35 anos da 1ª edição de O papel do jornal, que conflitos éticos ainda se mantêm e que não se alteraram na era da informação digital? Isto é, quais são, hoje, os maiores desafios no campo da ética à medida que o jornalismo se apresenta em novas e desafiadoras plataformas como a internet, onde tudo parece ser permitido, publicável?


Alberto Dines – Isso de ser tudo publicável não é novo. O slogan do New York Times (All the news that´s fit to print – tradução livre: todas as notícias que devem ou merecem ser publicadas) mostra que isso não é novo e não veio com a internet. É o compromisso da liberdade, onde você não deve adulterar nada, esconder nada e nunca manipular. Isso é um compromisso mais do que secular. Agora, focando nos paradigmas éticos do jornalismo, lembro que em 1973 não tínhamos um debate sobre a mídia ou ele era muito restrito. A mídia não era assunto da mídia. Fizemos nesse contexto, na época, uma experiência no Jornal do Brasil (JB), mas que foi encerrada com a minha demissão do jornal. Tratava-se do Caderno de Jornalismo, revista que lancei em 1965. Era uma publicação que saía duas, três vezes por ano e acontecia meio à revelia da direção. Não era clandestina, claro, mas a direção não queria saber de despesa. Então, dava-se um jeito, daqui, dali, e o suplemento saía.


Retomando à questão da ética jornalística, o senhor lembra de algum fato marcante naquela época que possa ser contado para ilustrar esse debate e que sirva de exemplo de postura aos jornalistas hoje?


A.D. – Sim, recordo de um caso que aconteceu na década de 1970 e que exprime bem o que é esse código na nossa profissão. Um belo dia, um de nossos melhores repórteres descobriu que um homem tentava se jogar de um prédio na praia do Flamengo. O jornalista subiu em um prédio ao lado, conseguiu manter um diálogo com o rapaz e ele não se matou. Foi uma cobertura fantástica, com fotos e tudo. O repórter tinha uma reportagem sensacional na mão. E eu tive que tomar uma das decisões mais difíceis da minha vida. Nós não demos a matéria. Demos uma nota com as iniciais da pessoa, mas tudo bem resumido. Era nossa obrigação dar uma chance a esse rapaz de ele se recuperar. Tínhamos, ali, um compromisso com a vida. Então, desde aquela época, já havia um debate interno sobre ética, que hoje cresceu muito, muito por parte das escolas de Jornalismo, através das disciplinas de Ética. Mas eu sempre procurei ensinar, até mesmo quando dava aulas sobre a técnica da reportagem, que a ética era algo intrínseco ao bom texto, como ouvir os dois lados da história, não manipular etc…


ANJ é uma algema


E onde a internet entra nessa história hoje?


A.D. – A internet, ao mesmo tempo que favorece uma vigilância ética, também favorece o contrário: favorece a pirataria, a canalhice, o plágio, isso sem falar na produção sem autoria, sem responsabilidade… Os e-mails falsos, o anonimato… Isso não é bom para o jornalismo. A internet é uma via de duas mãos: instiga o debate e o amplia sobre a ética, mas também estimula a falta dela.


Ainda sobre a ética. Qual é a sua opinião sobre o principal embate que o jornalista brasileiro enfrenta dentro das redações, no seu cotidiano?


A.D. – Vou falar o que penso sobre as redações dos jornais organizados de médio e grande porte. A grande imprensa está hoje oprimida pelo chamado modelo de negócio, com a presença do marketing embutida. E isso, às vezes, cerceia o potencial criativo do jornalista. Essa presença massiva e aprisionante do marketing começou a aparecer na década de 1980. A propósito, há algo que deve ser dito. A imprensa, após a ditadura, acabou criando mecanismos em que ela própria se aprisionou, com uma série de regras empresariais, o que, por fim, tirou um pouco da espontaneidade do jornalismo. Uma dessas algemas foi a criação da Associação Nacional dos Jornais, a ANJ.


Internet ainda é muito limitada


Sem crise do papel, mas diante de uma crise existencial/conceitual, o jornalismo pode sobreviver ocupando que espaço na sociedade? Isto é, qual é o papel do jornalismo na contemporaneidade?


A.D. – O jornalismo tem seu lugar garantido na sociedade. Isso é fato. O que está acontecendo é uma atitude psicológica niilista de que o bom jornalismo impresso e de revista acabará, sucumbirá diante das novas tecnologias. Donos de jornais impressos dizem isso abertamente. Uns dizem: ‘Daqui a 40 anos, minha revista ou meu jornal não estará mais no papel.’ Eu acho isso um crime. Primeiro, porque é uma autocondenação. Segundo, porque se apresenta como um veículo fragilizado. Penso que o grande problema é que quando surgiu o boom dessa bolha que é a internet, a própria imprensa se colocou numa posição de derrotada, frágil, capaz de ruir. E isso, sem dúvida, tira da imprensa a vitalidade que ela sempre teve, deixando-a moribunda. Aí, diante desse cenário, fica claro também o esforço de marketing, com jogadas para vender mais jornal, para sobreviver diante da falácia de que eles (os jornais) irão morrer. Está tudo errado na posição da grande imprensa impressa. Parece que não sabe mais se impor afirmadamente e com orgulho. Esqueceu do seu passado? Parece que está de olho se o Google vai conseguir pagar aos jornais o que os visitantes estarão acessando na versão on-line. A internet nasceu livre e gratuita. Acho muito difícil a imprensa um dia sobreviver com ganhos a partir da cobrança de seu conteúdo na rede. Pagar por jornais na rede? E a grande massa? As classes C e D, por exemplo? Impossível.


Mas o senhor também se rendeu à internet, não é verdade, e virou um grande produtor de conteúdo online? Foi no ambiente virtual que ganhou prestígio e reconhecimento um dos seus mais recentes projetos de jornalismo, em parceria com dezenas de profissionais de todo o Brasil, o Observatório da Imprensa…


A.D. – Tudo que disse sobre a internet não pressupõe, de maneira alguma, que eu sou contra ela. Pelo contrário, sou um grande usuário, tanto que é através dessa rede incrível que estamos conversando agora. Tudo começou com o Labjor, em 1996, na Unicamp. Pensamos em criar um veículo que discutisse a imprensa, mas uma revista impressa mesmo custaria muito caro. Eu mal conhecia a internet. Mas logo o Ministério da Ciência e Tecnologia descobriu que estávamos abrindo uma porta para o debate da imprensa, um canal aberto para compartilhar conhecimento… Daí, tocamos em frente. Como disse, eu acho a internet um meio fantástico. Apenas não vejo nela essa invencibilidade que estão lhe conferindo. Ela é ainda muito limitada, ainda mais no Brasil, onde sua função está bastante atrelada à função de tesoura e cola. Querendo ou não, a referência em geral dos meios on-line é a mídia imprensa.


A mania das consultorias internacionais


Quando o senhor teve o livro publicado em 1974, os jornais não viviam a revolução que vivem hoje, como a convergência e a integração de meios. A crise era outra. Na atualidade, e principalmente nos EUA, os impressos vivem uma luta para não desaparecer frente à concorrência de conteúdos digitais. Muitos enxugaram redações, reduziram tiragem e alguns até sucumbiram, tendo hoje apenas versões online. Trazendo esse panorama para a realidade brasileira, que adaptações os jornais impressos precisam fazer para se manter no mercado?


A.D. – As adaptações que os jornais impressos deveriam fazer não estão acontecendo. Primeiro, os jornais estão desperdiçando muito papel. De novo, o marketing está dominando a redação. Veja o que acontece com as páginas nobres, como as capas dos diários, nas edições de domingo. Os jornais estão bombardeados por chamadas de cadernos que, na sua maioria, trazem assuntinhos. Tudo bem, eu também gosto de ler coisas leves, mas assuntinhos é brabo. A Folha de S.Paulo tem a obrigação de dar uma chamada grande para a sua revista, que é muito ruim, na verdade, sem criatividade nenhuma. Aí o redator abre uma foto na capa que não diz nada e ocupa lugar de quatro chamadas que poderiam ter algo realmente a dizer. Isso é desperdício de papel. E pior: reduz a qualidade da informação. Parece que ninguém reflete sobre isso. Vimos nos anos 1990 essa tendência de cadernizar o jornal, que foi um erro. Para quê? Para ter mais capas coloridas e vender mais anúncios coloridos. Os jornais do Brasil hoje são uma confusão de cadernos que não se entende. Daí o jornal perde a sua unidade de cosmos, de uma peça inteira que registrou os acontecimentos do dia. E, como uma onda, os jornais passaram a ser iguais, a seguirem um padrão ditado pela ANJ. E para piorar teve ainda essa mania de contratar consultorias internacionais, como a da Universidade de Navarra, na Espanha, para reorganizar e redesenhar os jornais. Teve um dia em que lembro que a capa do Dia, jornal popular do Rio de Janeiro, era igual à do Estadão, de São Paulo.


Jornais que falam do local, da esquina


O jornalismo-cidadão, como defendem alguns teóricos, é uma tendência que veio para ficar a partir da abertura e popularização dos canais de tecnologia, principalmente. Pouco a pouco, os veículos tradicionais, até mesmo os jornais impressos – e os grandes ainda mais –, abrem sua produção à contribuição do leitor, que é instigado a participar. Até que ponto esse movimento põe (se é que põe) em risco a qualidade da informação jornalística oferecida ao próprio público? Essa prática, que começou na rede e hoje invade os impressos, seria uma das formas encontradas por eles para se reinventar e garantir sua sobrevivência nessa época de interação?


A.D. – Isso não é novidade. Esses dias eu olhava uma coleção do Globo, do Jornal da Noite, dos anos 1920, e já havia espaço no jornal impresso para o repórter amador. Era uma espécie de anúncio que dizia algo como ‘ligue para a redação e seja um repórter amador’. Veja só, isso foi nos anos 1920. Aliás, os jornais foram criados para isso, para dar vazão à produção de quem tinha algo a dizer. As cartas dos leitores, por exemplo, são muito antigas. Depois, sim, os jornais ficaram mais monolíticos e o leitor acabou sobrando mesmo. Vejo que o cidadão hoje dá contribuições importantíssimas para a redação. Só que esse processo não dispensa o jornalista profissional. É claro que o leitor hoje, com uma câmera na mão, pode estar no lugar certo e na hora certa e acabar dando um flagrante noticioso. Só que ele não tem a consciência de contextualizar o assunto, por exemplo. A notícia não vale se você não contextualizar. Se não disser quem, quando, onde, como e por que no texto. Só com um mero relato amador você não faz jornalismo. O verdadeiro trabalho jornalístico está calcado na edição, no cortar, comparar e relacionar. Essa tarefa, o cidadão não fará. O trabalho de edição, como sabemos, pressupõe uma série de técnicas muito específicas que outras profissões não têm. Entre elas, a capacidade de síntese, concisão, a devoção ao leitor… Coisas que o ministro Gilmar Mendes não saberia fazer se fosse dono de um jornal. Sinceramente, não tenho restrições quanto ao modelo do jornalismo-cidadão. Entendo que o verdadeiro jornalismo-cidadão é feito pelos pequenos jornais de comunidade. E é por isso que surgiu nos Estados Unidos um movimento agora para que os jornais de comunidade sejam considerados empresas não lucrativas. Portanto, não pagam impostos e conseguem sobreviver. A justificativa é a de que desempenham um papel muito relevante na vida americana, falam do local, da esquina. São os chamados provincial papers. Considero essa ação de isentá-los de impostos uma grande sacada, que também atinge outros jornais de pequeno e médio porte do interior dos EUA. É como se esses veículos assumissem um caráter de instituição, ao invés de empresa.


Inimigo da liberdade de imprensa é o Judiciário


Uma das novidades nesta 9ª edição atualizada de O papel do jornal é a retomada do debate em torno do diploma de jornalista. Que rumo o senhor imagina que essa discussão tomará daqui para a frente? É possível acreditar em uma revisão dessa determinação ou em alguma nova regulamentação da profissão?


A.D. – Minha posição não difere muito daquela que eu assumi quando falei sobre o diploma antes. Eu acho que o diploma é necessário e imperioso, porém acredito que o jornalista profissional não poderia se limitar à graduação. Ele teria de ter uma pós-graduação profissionalizante, em nível de mestrado, como é nos Estados Unidos. Isso, eu defendo desde quando passei pela Universidade Columbia. Como sabemos, o candidato chega lá com graduação, seja como jornalista ou em outra área, por exemplo, como o Direito. O aluno entra e já vai fazer matéria no primeiro dia. São dois semestres de aulas, mas poderiam ser três. É como se os professores ‘quebrassem’ aquele cidadão ali já maduro e fizessem a partir das partes um jornalista. O jornalista graduado hoje em dia é jovem demais e muitas vezes não tem discernimento para tornar decisões. Poucos têm, mas geralmente esses são gênios natos. O restante vai aprendendo de orelhada em orelhada. Quanto ao diploma mesmo, penso que a solução para qualificar as redações seria a exigência de pós-graduação. Pelo menos um mestrado profissionalizante, não teorizante.


Nós, brasileiros, ainda estamos seguindo uma linha de formação francesa muito acadêmica e isso não resulta em nada na prática. Na década de 1970 recordo que já havia uma corrente que ficava endeusando semiótica, o estruturalismo. É claro que você tem que ter noção de temas como estes, mas não é estudando em profundidade disciplinas assim que será um excelente jornalista. Sobre a questão legal da queda pela obrigatoriedade do diploma, o que compreendo é que se trata, infelizmente, de uma sentença definitiva e irreversível. Afinal, falamos da Corte Suprema, que é o STF. Agora, estão tentando votar a PEC dos Jornalistas, mais creio que essa proposta de emenda constitucional irá encontrar barreiras na lei. Eu imagino que o caminho para tentar vencer essa questão do diploma deve ganhar outro caminho. É preciso mostrar a algumas empresas de comunicação que elas erraram ao apoiar a queda do diploma. Elas próprias já se dão conta da burrada que fizeram ao estar de acordo com a derrubada da Lei de Imprensa, principalmente em relação ao direito de resposta. De volta ao diploma, o que assistimos é uma barbaridade. O ministro Gilmar Mendes foi longe demais. Ele não acabou apenas com o diploma, mas também com a profissão do jornalista. Declarou que não é uma atividade específica, ou seja, qualquer um pode desempenhá-la. E o mais impressionante: até hoje praticamente ninguém da grande imprensa se diz a favor do diploma. As empresas de comunicação passaram os últimos anos dizendo que o maior inimigo da liberdade de imprensa era o diploma e agora descobriram que é o Judiciário.


Mais autonomia, criatividade e iniciativa


Seu livro, mais uma vez, chama a atenção do empresariado, da academia e da sociedade para a definição de um rumo, de uma função social para o jornalismo, a despeito de crises e reacomodações mercadológicas. Como o senhor vê hoje a função do jornalista na manutenção da democracia? Por décadas, a este profissional foi atribuída à responsabilidade de ‘cão de guarda’ da sociedade, um vigia da ordem. Esse papel, na sua visão, reforça-se atualmente?


A.D. – Na verdade esse papel não se universalizou. As redações, hoje, cada vez mais estão empenhadas na tarefa do lucro, de dar resultados e ganhar em produção. É o modelo de negócio em ação de novo e ampliando seu espaço. O jornalista virou um gestor em muitos casos, um burocrata da redação. Esse papel missionário e romântico do jornalismo realmente está desaparecendo e sendo borrado por uma série de circunstâncias, como a competição e a pressão. Assim, até mesmo com o medo de perder o emprego, o jornalista vai se retraindo e perdendo a sua chama sagrada que é a missão social. É uma pena. Afinal, nossa profissão era chamada de a última profissão romântica. E para piorar se criaram nas redações grupinhos com remunerações altíssimas. É uma discrepância tremenda. Alguns trabalham como desgraçados e ganham muito bem, e outros também trabalham como desgraçados, mas tem um salário extremamente pequeno. Mas, sem distinção, o modelo de trabalho hoje é massacrante.


E qual a alternativa, se é que há, para buscar uma forma de trabalho mais equilibrada dentro da redação em que o jornalista possa ser compensado com uma demanda de trabalho relativamente em conformidade com a sua remuneração?


A.D. – Penso que o jornalista de hoje perdeu muito da iniciativa. Na história do jornalismo mundial, verificamos que a grande maioria dos jornais antigos foi criada por jornalistas. Estes, depois de trabalharam para alguém, procuravam montar a sua própria empresa. Ao longo da minha vida, criei inúmeros veículos. Muitos deles fracassaram, outros não, como o Observatório da Imprensa, apenas para ilustrar. Nesse mercado acirrado e faminto, o jornalista tem que ser esperto e criar o seu emprego, localizando novos nichos de trabalho e ampliando as oportunidades. Até pouco tempo, o jornalista se formava e sonhava apenas em trabalhar em uma grande empresa, ao lado do William Bonner. Agora, a situação é outra. É possível brilhar, sobreviver e dar uma contribuição à sociedade com mais autonomia, criatividade e iniciativa, ainda mais se você dominar a tecnologia.

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Jornalista e mestrando em Jornalismo pela UFSC