Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma construção coletiva

Promover e estimular o conhecimento sobre a mídia, suas potencialidades e características requer uma política pública abrangente, unindo os campos da educação, da cultura e da comunicação. A capacitação da sociedade para uma leitura crítica da mídia é um dos eixos estratégicos da atuação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). O tema, que será tratado na Conferência Nacional de Comunicação, é abordado nesta edição do e-Fórum.

No Brasil, os meios de comunicação são dominados pelo sistema privado. Diante da falta de um contraponto, é necessário gerar modalidades de contra-informação, observa a psicóloga Roseli Goffman, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) na Coordenação Executiva do FNDC. ‘Para fazermos a leitura crítica da mídia é preciso prover recursos e gerar essa a contra-informação, e a disponibilização desses recursos estará em debate na Confecom,’ explica Roseli.

Segundo a psicóloga, é necessário garantir a criação de fontes de financiamento para incentivar a diversidade e a regionalização na produção de conteúdo, inserir o caráter transdisciplinar da educação para a mídia em todas as ações de universalização das comunicações, estimular e promover o interesse da população pela leitura. ‘Nós temos que ter nossos meios de comunicação e torná-los públicos, trabalhar o sistema público de informação. Aumentar as tiragens das publicações que não são as do sistema privado e o alcance das emissoras comunitárias e de conteúdos informativos,’ enfatiza.

Roseli, porém, reivindica um olhar transdisciplinar de educação para a comunicação em qualquer curso ou disciplina. Por isso, não defende a criação de uma cadeira específica. ‘A leitura crítica da mídia não deve ser uma matéria independente do currículo escolar. Ela tem que ser uma leitura transversal e expressar a conscientização do professor’, argumenta a psicóloga.

Uma agenda para evitar o pensamento único

Na opinião do presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo, nesse cenário pautado e ocupado pelos meios de comunicação, em especial pelo rádio e a TV, é necessário também definir uma agenda para essas mídias. ‘Uma agenda que tenha preocupações com a educação da sociedade e também com a capacitação para uma leitura crítica dessa mesma mídia’, sinaliza Murillo.

Conforme destaca, a educação crítica para mídia contribui para a legitimação da luta por políticas democráticas de comunicação. ‘Nós necessitamos ter lideranças trabalhando nesse campo que sejam legitimados pela população. Para que a ação delas não seja uma atividade isolada de uma base populacional,’ argumenta Murillo.

Para o desenvolvimento de práticas críticas à mídia é preciso estabelecer políticas públicas com esse propósito, destaca José Sóter, Coordenador-geral da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e membro da Executiva do FNDC. ‘Entre essas políticas está a inclusão no ensino fundamental de um espaço para o debate da comunicação, preparando as futuras gerações para a leitura crítica. E também a capacitação da sociedade, preparando-a para interagir com uma comunicação mais abrangente, que não seja doutrinada pelo mercado’, ressalva Sóter.

Através de leitura crítica daquilo que é produzido e transmitido pela mídia, há uma compreensão maior da realidade que cerca a sociedade, avalia Sóter ‘Ela cria nas pessoas uma postura livre de um pensamento único e a sociedade vai sempre questionar-se’, acentua o coordenador. Complementando, Sóter diz que o papel da comunicação social é o de levar a dúvida, pois ‘é ela que promove as transformações’.

Condições para formar professores especializados

O professor Ismar de Oliveira Soares, coordenador-geral do Núcleo de Comunicação e Educação(NCE) da Universidade de São Paulo (USP), também sustenta que a educação para a mídia deve ser adotada como política pública, medida que permitiria a sua adoção no ensino fundamental, médio e superior. Mas salienta que só a criação de uma lei não basta. ‘Precisam ser criadas condições para que isso possa acontecer’, alerta.

Segundo Soares, a falta de professores é um dos principais motivos da inexistência, nas escolas, de avaliações críticas da mídia. ‘As faculdades de pedagogia não prepararam esse educador para desenvolver essa atividade; nosso ensino é fragmentado em conteúdos. Em geral a mídia e sua presença na sociedade não são objeto de estudo’, considera o professor. ‘O que encontramos no país é uma preocupação em alguns setores do movimento popular, atividades de alguns educadores através de iniciativa particular e de organizações não governamentais trabalhando sobre mídia com crianças e adolescentes’.

A educomunicação pode ser uma alternativa

Como ressalta a jornalista e professora Rossana Gaia, autora do livro Educomunicação & Mídias (Edufal, 2001), a educação para a mídia requer um educador também interessado na leitura crítica e não somente no desvendamento de códigos lingüísticos. ‘Não basta ter a tecnologia, é preciso confrontar-se com seus conteúdos e ensinar a beleza de organizar nosso pensamento. Educar, para mim, é informar’, defende a jornalista.

Para Soares, a educomunicação pode ser uma alternativa frente à ausência de uma educação pedagógica formal para a crítica da mídia. Conforme explica, trata-se, da prática de dominar a técnica de modo participativo. A criança e o adolescente produzem mídia identificando os temas de seus interesses e exibem esse material. ‘O que nós propomos na educomunicação não é apenas o exercício da leitura da produção da mídia, mas que isso comece com uma pedagogia participativa. Não se trata apenas de ensinar a criança a ver televisão, ouvir rádio, Se trata de permitir que ela produza, numa perspectiva colaborativa para que ela entenda como funciona, examine a sua própria produção e a partir desse exame, dessa autocrítica, crie referências para analisar a produção de terceiros, da grande mídia’, conclui.

FNDC propõe criar um Instituto de Altos Estudos

O FNDC em seu Programa para a Democratização da Comunicação no Brasil, propõe a criação de um Instituto de Altos Estudos de Comunicação e Estratégia, a criação de um programa de Capacitação da Leitura Crítica dos Meios de Comunicação e debate da estética, assim como uma política pública nacional que inclua no currículo escolar do ensino fundamental e médio disciplinas sobre a mídia. Defende a inclusão no currículo escolar do ensino fundamental e médio, de disciplinas sobre a mídia inseridas dentro de uma filosofia que resgate o caráter dialógico da comunicação. (leia aqui a integra da resolução do FNDC).

Você pode ler mais sobre a educação crítica para a mídia nas edições 1 e 2 da revista MídiaComDemocracia. [Com participação de Fabiana Reinholz]