Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma nova proposta de análise dos jornais

Este trabalho apresenta um modelo de análise de jornais e do jornalismo, principalmente brasileiros, para que pesquisadores, professores e estudantes consigam desvendar as estratégias persuasivas desses meios de comunicação. Ninguém nega o poder dos jornais, palavra que, neste livro, serve para designar qualquer forma de noticiário: impresso, de rádio, de TV, via internet. É de uma obviedade inquestionável, por exemplo, afirmar que o Jornal Nacional manipula nossa emoção. Ou que os principais jornais estão a serviço dos interesses da elite dominante. Mais complicado é tentar responder: como fazem isso? Que mecanismos colocam em funcionamento para fazer determinados pontos de vista se tornarem verdadeiras bandeiras de uma sociedade?

Atualmente as ferramentas de investigação à disposição dos analistas são limitadas e dão conta apenas de certos aspectos da produção de sentido desses objetos. Os jornais apresentam intrincadas e sofisticadas relações entre unidades que ainda são muitas vezes entendidas e estudadas por meio da classificação verbal x visual, ou visual e sonoro. Isso sem contar os que defendem a supremacia de uma certa ‘visualidade’ em tudo e em todos os lugares. Para contrabalançar, certos teóricos acham que um jornal é só ‘conteúdo’, que efeitos de um projeto gráfico, de ritmo na apresentação de tomadas na TV, por exemplo, devem ser encarados como cosméticos e desimportantes. Nossa vida, no entanto, está sendo dominada por relações cada vez mais complexas de possibilidades de expressão, de usos de novas linguagens, e não pelo predomínio do ‘verbal’ ou do ‘visual’. É por isso que existe hoje uma certa avidez por ferramentas de estudo de meios de comunicação por parte de pesquisadores, estudantes e professores universitários, principalmente de uma metodologia que dê conta do objeto jornalístico como um todo, não apenas de um dos seus aspectos (técnicos, contextuais, de ‘bastidores’, filosóficos ou sociológicos) ou pedaços (só fotos, só capas, só parte verbal etc.). Este livro tenta dar resposta a essa necessidade: oferece ferramentas úteis, práticas, para o analista realizar um estudo ‘integral’ de uma ou várias edições dos maiores jornais do país.

A investigação aqui proposta concentra-se no próprio objeto jornalístico. Esse é um grande diferencial deste trabalho. O jornal não é, aqui, um subterfúgio para se falar – ou se criticar – outra coisa, não é pretexto para outro tipo de discussão.

O estudo se fundamenta em uma questão básica: como os jornais obtêm atenção e laços com o público? Os produtos jornalísticos devem atrair, administrar e manter elevado o nível de atenção dos seus respectivos públicos para que exista sustentação e aumento de audiência (caso das TVs, rádios e internet) ou de tiragem (nos jornais e revistas), base da lucratividade das empresas. Como tentaremos mostrar no livro, essa é a principal coerção dos noticiários. Todas as outras operações – como a busca de efeitos estéticos, afetivos, a sensação de imediatismo do jornalismo on-line e globalizado, os conteúdos diferenciados – se filiam e fazem parte dessa necessidade vital de manter o público sempre cativo, longe do controle remoto, do dial, de outro site, dos concorrentes.

O jornal depende da tiragem ou da audiência para o exercício de seu poder como ator social. Sem atrair e manter a atenção de grandes fatias do público-alvo, não pode legitimar seu recorte da realidade e seus valores para o conjunto da sociedade. Estudar o que estamos chamando de ‘gerenciamento do nível de atenção’ dos jornais esclarece, mostra e expõe os ‘truques’ dos jornais para obter e manter os laços com o público. E, principalmente, como fazem para apresentar suas opiniões como verdades, como ‘fatos’ que todos devem partilhar.

Plano de trabalho: das noções gerais para as análises específicas

Essa obra apresenta duas grandes divisões. Na primeira parte, ‘Questões gerais’, são discutidos os conceitos de comunicação, notícia, ideologia, realidade, verdade, objetividade. Para iniciar um estudo sobre o jornalismo dos maiores veículos de comunicação é preciso desmistificar essas noções e, ao mesmo tempo, apresentar as bases que sustentam a investigação. Nessa parte inicial do livro, o pesquisador vai encontrar as primeiras orientações gerais para realizar sua pesquisa. Apresentamos ainda toda a problemática da atenção nos jornais. Produtos industriais, os jornais construíram com o tempo mecanismos que comunicam o que é mais ou menos importante, o que merece mais ou menos concentração e atenção. Os jornalistas desenvolveram meios de guiar a percepção do público, direcionar as expectativas, mostrar pontos de maior ou menor interesse nos níveis sensível, passional e inteligível. Nas TVs, por exemplo, Willian Bonner não precisa afirmar: ‘Essa notícia é muito importante!’. Basta apenas dar mais tempo de veiculação para uma reportagem, entre outros recursos. Estudar o gerenciamento do nível de atenção também serve para estabelecer princípios de organização e funcionamento dos principais jornais, integrando discussões e preocupações que aparecem dispersas em outros métodos de investigação.

Na segunda parte do livro, ‘Análises específicas’, há os estudos dos meios. São examinadas características de cinco noticiários brasileiros, produzidos no período de quatro anos (2002 a 2005), mais algumas novidades de 2006, que obtiveram maior audiência ou tiragem: Jornal da CBN, Jornal Nacional, revista Veja, Folha de São Paulo, Portal UOL. Em outras palavras, são estudados os jornais que poderíamos chamar de ‘vencedores’:

OS CINCO OBJETOS JORNALÍSTICOS ANALISADOS

Nome

Tipo

Característica tiragem ou audiência

Jornal da CBN

Programa diário de rádio

O âncora, Heródoto Barbeiro,
divulga o programa como o de maior
audiência da cidade de São Paulo
(Fonte: http://www.herodoto.com.br ).
A Rádio CBN é a maior rede de emissoras all news, que transmite via satélite 24 horas de jornalismo. Criada em 1o de outubro de 1991, a CBN está presente nas principais cidades e em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Reúne mais de duzentos jornalistas pelo país
(Fonte: http://radioclick.globo.com/cbn/).

Jornal Nacional

Programa
diário de TV

É líder de audiência desde sua fundação,
em 1969. Em 2004, tinha média de 43
pontos do Ibope. Isso significa a sintonia
de 68% dos televisores brasileiros, ou 31
Jmilhões de telespectadores. O programa
da Rede Globo é um dos telejornais
mais vistos no mundo (Fonte:
Veja, edição 1869, 1o de setembro de 2004,
‘A guerra atrás das câmeras’, texto de
João Gabriel de Lima, pp. 101-8).

Folha
de S.Paulo

Diário impresso

Fundada em 1921, tornou-se na década de
1980 o jornal mais vendido no país.
Em 2005, a circulação média foi de 289 mil
exemplares em dias úteis e 361 mil
aos domingos. Tem circulação nacional
(Fonte: Conheça a Folha – http://
www1.folha.uol.com.br/folha/conheca).

Veja

Revista semanal

Quarta maior publicação do gênero
‘revista semanal de informação’ no mundo
(atrás de Time, Newsweek e U.S.News) e a
maior do Brasil, com 1.131.100 exemplares
e 4,701 milhões de leitores (Fonte: Midiakit
Veja – acessível a partir
do site www.vejaonline.abril.uol.com.br –
link ‘para anunciar’).

UOL – no
On Line

Portal – internet

Principal portal de conteúdo e provedor
pago de acesso à internet do país.
Segundo o Ibope NetRatings, o UOL teve
média de 7,234 milhões de visitantes mensais
UOL – Portal – internet no Brasil entre janeiro e setembro de 2004,
Universo número que lhe dá a primeira posição no
On Line ranking dos maiores portais de conteúdo
brasileiros e representa cerca de 60% de
alcance nesse mercado. Isso significa que
de cada dez pessoas que acessam a internet a
partir de casa, seis visitam o UOL regularmente
(Fonte: http://sobre.uol.com.br/).

Esses cinco produtos jornalísticos geraram quatro grandes grupos de análise: radiojornalismo, telejornalismo, jornalismo impresso, jornalismo de internet (portal). A Veja e a Folha de São Paulo foram reunidas em um só item em função de sua textualização ser muito semelhante. Os jornais, depois, na conclusão, são comparados. As diferenças de abordagens, coerções e vantagens de cada um são mostradas e esclarecem e exemplificam o funcionamento de determinadas estratégias discutidas ao longo da obra.

O livro, portanto, foi construído para que o analista possa ir das questões gerais diretamente para a análise do objeto jornalístico que lhe interessa (rádio, TV, impressos, internet). Na análise específica não há fórmulas prontas. Ao contrário, é mostrado um caminho concreto de estudo – que tem a investigação do fenômeno da atenção como ponto central e irradiador das investigações – e seus resultados.

Todo o trabalho tem como base teórica a Semiótica Discursiva, ou Semiótica de origem francesa, de Greimas e seguidores, principalmente da Universidade de São Paulo. Trata-se ainda de uma versão reduzida e de divulgação científica da tese de doutorado Semiótica dos jornais: análise do Jornal Nacional, Folha de São Paulo, Jornal da CBN, portal UOL, revista Veja do mesmo autor, defendida na USP. As propostas apresentadas – feitas em linguagem acessível, que não exigem nenhum conhecimento prévio do leitor – tiveram como ponto de apoio principal os estudos dos semioticistas Diana Luz Pessoa de Barros, Luiz Tatit e José Luiz Fiorin, todos da USP. As reflexões de jornalistas e teóricos da comunicação também apontaram caminhos importantes.

Finalmente, queremos justificar este livro e a necessidade de estudos dos objetos de comunicação a partir de algumas reflexões importantes. Armand e Michèle Mattelart asseveram que ‘a era da chamada sociedade da informação é também a da produção de estados mentais’. Afirmam os dois autores que ‘a liberdade política não pode se resumir no direito de exercer a própria vontade. Ela reside igualmente no direito de dominar o processo de formação dessa vontade’ (2002: 187). Fiorin, em fórum na USP, em 2004, lembrou que ‘a compreensão crítica do discurso veiculado pelos meios de comunicação de massa é garantia de exercício pleno da cidadania […]. Para isso, é preciso compreender os mecanismos de que se vale o discurso para conseguir eficácia’

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Jornalista e doutor em semiótica pela USP