Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Uma igreja estranha para a imprensa capixaba

Desde o dia 19 de setembro, quando A Gazeta (de Vitória, ES) publicou reportagem sobre a venda de bens pelos fiéis da igreja Tabernáculo Vitória, decididos a viver isolados em um sítio, uma série de matérias sobre o assunto têm sido dadas nos jornais A Tribuna e A Gazeta. Os diários priorizaram a visão das famílias que viram os parentes convertidos entregarem seus bens para viverem excluídos do convívio familiar. Os fiéis doaram tudo o que tinham para morar nas dependências religiosas, o que tem causado revolta nos familiares.


Segundo o pastor Inereu Vieira Lopes, no sítio localizado em Ecoporanga (doado por um fiel) pretende-se construir um condomínio fechado onde os integrantes viveriam afastados do mundo, plantando para sobreviver. No local, conforme a apuração dos jornais, há 100 homens trabalhando na produção do bem comum. No local haveria também 150 crianças, e o Ministério Público está empenhado em investigar se as crianças estão freqüentando regularmente a escola.


Em entrevista para A Tribuna (25/9), o pastor fala sobre a intenção de criar uma igreja segundo os mandamentos de Cristo que negam o valor dos bens materiais. Considera os dízimos entregues a ele como ‘seu dinheiro’ e diz não ter gasto ainda o dinheiro dos bens doado pelos fiéis. O Ministério Público quer a quebra de sigilo bancário do religioso. Inereu acredita que seu advogado será Deus e que, como Cristo, será traído por um dos integrantes da igreja.


O projeto para o condomínio prevê a construção de 200 chalés de 50 m2, com quarto, cozinha, banheiro e área de serviço. O líder religioso diz acreditar que somente as pessoas inseridas na vida de renúncia dos primeiros cristãos poderão ser integrantes do ‘primeiro rapto’, que seria a volta de Jesus.


O fato tem provocado concorrência de cobertura entre os jornais capixabas. A Tribuna noticiou que em Ecoporanga a nova seita tem suscitado comentários entre os vizinhos. Observadores afirmam que homens trabalham o dia inteiro, em seguida fazem orações e vão dormir. Entre os depoimentos, uma mãe diz ter visto seu filho, integrante da Tabernáculo Vitória, vestido com uma camisa onde se lia: ‘Obrigado por cuidar de mim’, com a foto do pastor e a frase ‘O anjo do sétimo dia’. Matéria de A Gazeta compara a situação dos moradores do local com o regime de escravidão. As informações são de que os parentes só podem ter contato com a família convertida se for membro da igreja.


Comparação impertinente?


No final do século 19, surgia no sertão nordestino uma figura estranha, de barbas, cabelo longo e cajado na mão seguia o homem desbravando a terra miserável da Bahia, cheia de latifúndios e senhores. A pobreza e as condições precárias da população faziam os juízos futuros se tornarem tristes e desesperançados. ‘O fim está próximo’, gritava o profeta do fim dos tempos. A comunidade de Canudos e o fanatismo religioso dos apocalípticos messiânicos seriam uma analogia possível aos integrantes da seita Tabernáculo Vitória?


O século 21 do pós-moderno e da diversidade tem sido laboratório para o aumento de perspectivas religiosas, formando assim uma diversidade de igrejas que criam dogmas diversos em surtos de novas seitas que parecem fluir das mais variadas correntes de pensamento, seja por meio de sofismas ou verdades eclesiásticas. Nessa ebulição de ícones e verdades dogmáticas haveria lugar para um movimento fanático ou simplesmente diferente que pretende o isolamento social, quebrando as regras culturais além de se contrapor ao capitalismo totalitário?


O que leva a religião aos dogmas senão o contexto em que está inserida? Quando a situação é de caos e desventura, é comum surgir um movimento humano que nos anuncie a destruição cabal.


A igreja Tabernáculo Vitória seria realmente um movimento messiânico apocalíptico ou mais uma seita capitalista dos ‘homens da fé’ que pretendem sustentar seu ego e bolso com a boa vontade do povo? Essa é a pergunta que a imprensa tem feito ao longo das matérias de forma sutil e cuidadosa. Até que ponto é válido tal ideologia religiosa nos tempos atuais? Estamos no apogeu do ceticismo humano. É difícil aos pós-modernos aceitarem uma ordem religiosa desse tipo, no entanto a livre crença deve ser respeitada.


Na sexta-feira (28/9), A Tribuna noticiou a morte, por derrame, de um dos integrantes da igreja. Os jornais estão acompanhando todos os desdobramentos – este é o dever da imprensa. É importante não ser taxativo e apurar os fatos com cautela; afinal, crença religiosa é algo complexo que exige, acima de tudo, respeito.


Sobre a crença


A crença da igreja Tabernáculo Vitória baseia-se na necessidade de um profeta nos últimos dias. Cita trechos do Velho Testamento como o chamado de Noé a que o povo não deu crédito e a vocação de Moisés para guiar o povo de forma a este não se corromper por falta de profetas. Os fiéis crêem que Deus não fala diretamente com o povo a não ser por um profeta. Consideram Cristo o primeiro profeta da graça (período pós-morte de Cristo), sendo João Batista o último profeta da disposição judia.


A igreja fala dos tempos atuais como instante de ‘contaminação mundana’ e as igrejas, por estarem pobres e frias, necessitariam de um profeta para orientá-las. O círculo lucrativo em que se transformaram as igrejas seriam para os fiéis a ‘apostasia do fim’. Assim, haveria um novo profeta que viria no fim dos tempos para ‘restaurar todas as coisas’. Ele, William Marrion Branham, levaria os fiéis à fé primitiva dos apóstolos, seria um profeta com o mesmo ministério que foi direcionado a Elias e João Batista.


Quem é o profeta


William Marrion Branham nasceu em 1909, nos Estados Unidos, aos 7 anos ouvia a voz de Deus e se converteu aos 14. Durante um batismo de 500 pessoas na Igreja Batista Missionária, ouviu um chamado de Deus para ser profeta assim como foi João Batista.


A igreja Tabernáculo Vitória crê que ele é o sétimo anjo citado em apocalipse. Faleceu em 24 de dezembro de 1965 e deixou gravados 1.200 sermões.


Quem é o pastor


Inereu Vieira Lopes nasceu em Mantena (MG) em 1951. Em 14 de outubro de 1974 se converteu por meio de um casal missionário da Igreja Batista. Em 1983 procurou estudar as doutrinas consideradas hereges conhecidas como ‘A resurreição isolada do irmão Branham’. Passou a crer no chamado de Branham e, por meio da igreja Tabernáculo Vitória, exerce os ensinamentos deixados por ele. Hoje a igreja tem sedes em Santa Teresa, Vitória, Santo Antônio e uma propriedade em Ecoporanga. Conta com aproximadamente de 400 fiéis.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo