Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja


CASO RENAN CALHEIROS
Policarpo Junior


‘Dinheiro era sempre com Cláudio’


‘Há duas semanas, VEJA revelou que o senador Renan Calheiros, do PMDB de
Alagoas, teve algumas de suas despesas pessoais pagas por Cláudio Gontijo,
lobista da construtora Mendes Júnior. O senador recorreu aos préstimos
financeiros do lobista para pagar a pensão e o aluguel da jornalista Mônica
Veloso, com quem tem uma filha de 3 anos. Desde então, todos os personagens do
caso já se manifestaram publicamente. O senador admitiu que pediu ao lobista que
atuasse como intermediário entre ele e a jornalista, mas garantiu que o dinheiro
era seu. O lobista, em depoimento no Senado, confirmou a versão do senador. Até
a esposa de Calheiros, Verônica, falou sobre o caso, embora tenha discorrido
sobre o romance extraconjugal do senador, assunto que só interessa a ela e ao
seu marido, e não tenha dito mais do que uma palavra sobre a origem do dinheiro
que bancava a pensão e o aluguel, assunto, esse sim, que interessa ao país.


A única personagem que ainda não havia contado sua versão resolveu falar. A
jornalista Mônica Veloso, 38 anos, em entrevista exclusiva a VEJA, conta que:


• o dinheiro que recebia era sempre pago pelo lobista da Mendes Júnior;


• os pagamentos eram sempre em dinheiro vivo;


• como regra, os pagamentos eram feitos no escritório da Mendes Júnior em
Brasília. Poucas vezes aconteceram fora dali;


• Renan Calheiros nunca falava de dinheiro e nunca lhe dissera que o dinheiro
era dele;


• sempre que tinha de tratar de dinheiro, o interlocutor era o lobista
Cláudio Gontijo, nunca o senador.


Mônica Veloso diz que decidiu falar para se defender do fato de estar sendo
apresentada como ‘uma pessoa desclassificada’. Ela diz: ‘Falam como se eu não
tivesse profissão, nem família, nem meio de vida, como se fosse uma chantagista.
Tenho uma produtora, casa própria, profissão. Eu não freqüentava o mundo
político indo a festas. Eu era jornalista da TV Globo. Não havia como não
conhecer os políticos. Quando montei minha produtora, fiz muitos contatos no
Ministério da Integração Nacional, das Minas e Energia, da Educação, na
Eletronorte. Fazia programas para o PTB, o PMDB. Conheci o Renan trabalhando,
não indo a festas. Quando engravidei, achamos melhor eu me afastar de tudo.
Depois, fui voltando aos poucos. Tudo acordado com ele. Eu sempre protegi o
Renan’.


A seguir, a entrevista:


A senhora recebia dinheiro das mãos do lobista Cláudio Gontijo? Sim, recebi
durante quase dois anos.


Quando foi a primeira vez? Foi entre fevereiro e março de 2004.


Os pagamentos seguiram até quando? Até novembro de 2005.


O dinheiro pertencia a quem? Não sei. Renan está dizendo agora que o dinheiro
era dele, mas ele nunca me disse isso antes.


A senhora perguntou? Não, eu recebia uma pensão e não fazia sentido perguntar
de onde vinha o dinheiro. Isso parece importante agora por causa desse
turbilhão, mas para mim não era. Eu pegava o dinheiro com o Cláudio e ponto. Não
ia ficar questionando.


A senhora falava de dinheiro com o senador? Nunca falávamos de dinheiro.
Assunto de dinheiro era sempre com o Cláudio.


Onde a senhora pegava o dinheiro? Na maioria das vezes, era no escritório da
Mendes Júnior. Mas houve várias formas. Nos últimos meses da gravidez (a criança
nasceu em julho de 2004) e no período do resguardo, o Cláudio me entregava os
envelopes com dinheiro na minha casa, na minha produtora… Mas, depois disso,
eu ia buscar o dinheiro na Mendes Júnior e o depositava na minha conta. Não
tenho o costume de guardar dinheiro debaixo do colchão.


A senhora pegava o dinheiro na portaria do edifício da Mendes Júnior ou
entrava no escritório? Eu chegava ao prédio e me identificava na portaria. Eles
anotam nome, identidade, hora e a sala aonde você vai. Se eles guardaram esses
registros, é só conferir que minhas entradas estarão todas lá. Eu pegava o
elevador até o 11º andar. Lá, me anunciava no interfone e a secretária abria a
porta do escritório.


Como era repassado o dinheiro? Cláudio me recebia na sala dele e me entregava
o envelope. Alguns envelopes tinham o logotipo da Mendes Júnior.


Havia dia certo para pegar o dinheiro? Era sempre no início do mês, mas não
tinha dia certo. Às vezes era no dia 4, no dia 5, no dia 8. Eu ligava para o
Cláudio e perguntava se podia passar lá.


O dinheiro não era depositado na sua conta? Não, eu sempre pegava um envelope
com dinheiro vivo.


Na terça-feira passada, o corregedor do Senado, Romeu Tuma, ouviu o
depoimento do lobista Cláudio Gontijo. A conversa foi a portas fechadas e durou
cerca de duas horas. Conforme o relato de Tuma, o lobista negou que tivesse
custeado com seu dinheiro as despesas com a jornalista e confirmou que se
encarregava dos repasses financeiros – ressalvando que fazia depósitos na conta
da jornalista. ‘A maioria foi depósito no banco, parece que no Unibanco’, disse
Tuma. Como se vê, a jornalista desmente o lobista. Curiosamente, até o senador
Renan Calheiros já desmentiu o lobista. Em resposta dada por escrito a VEJA há
uma semana, o senador admitiu que os repasses à jornalista eram em dinheiro
vivo. O único que parece ter acreditado no lobista é o senador Tuma. ‘Gontijo
foi convincente, sereno, tranqüilo’, disse. Tuma, policial experiente que chegou
a chefiar a Polícia Federal, não teve curiosidade de pedir ao lobista seus
extratos bancários, com os quais poderia provar que nada sacou de suas contas
pessoais para pagar à jornalista. Tuma apenas pediu ao lobista os recibos de
depósitos em favor da jornalista. Surpreendentemente, o lobista disse que não
tem nenhum recibo, que depositou o dinheiro sem se identificar, e não guardou
nem os registros anônimos.


Em vez de pedir provas materiais ao lobista, o senador Tuma, numa inversão do
ônus da prova, disse que gostaria de ver os extratos da jornalista para
verificar a existência dos supostos depósitos do lobista. Chama atenção que o
senador tenha apelado para tamanha tolice: claro que há depósitos na conta da
jornalista, pois ela mesma os fazia; o fundamental é cobrar a prova do lobista
de que ele foi o autor dos depósitos. No dia seguinte ao do depoimento do
lobista, o advogado da jornalista, Pedro Calmon Filho, mandou carta a Tuma
reafirmando que os repasses eram em dinheiro vivo e ofereceu os extratos de sua
cliente, com uma condição elementar: se o lobista apresentar os recibos dos tais
depósitos, a jornalista exibirá seus extratos. Até a sexta-feira passada, o
lobista não respondera ao desafio.


A senhora disse que começou a receber dinheiro das mãos de Cláudio Gontijo
entre fevereiro e março de 2004. Qual foi esse primeiro pagamento? Eu estava
deixando o apartamento onde morava e alugando uma casa no Lago Norte. Ficou
combinado que o aluguel de um ano seria pago adiantado. O Cláudio foi ao
edifício onde eu ainda morava e me deu um envelope com o dinheiro.


Quanto? Salvo engano, 40 000 reais. Fui à imobiliária e paguei o ano inteiro
do aluguel.


Que outros valores o lobista lhe repassava? Na mesma data em que me mudei
para a casa do Lago Norte, acertamos que as despesas decorrentes da mudança
seriam de 8 000 reais por mês.


Com quem a senhora fez esse acerto? Com o Cláudio e o Renan. Depois disso, o
Renan nunca mais tocou em assunto de dinheiro. Quero deixar claro que a pensão
não foi estabelecida para me sustentar. Sempre tive uma boa condição financeira.
Tenho minha empresa de comunicação, tinha contrato com órgãos importantes do
governo. Os 8 000 reais foram acertados para me adaptar às novas circunstâncias
de uma gravidez que devia ser mantida com discrição. Eu morava num apartamento
que me pertence até hoje e fui morar numa casa alugada para fazer essa
adaptação.


A senhora sempre recebeu 8 000 reais? Nem sempre. Houve um período em que o
Cláudio pagou 2 800 reais de despesas com uma empresa de segurança. Essa despesa
apareceu logo depois do parto da minha filha. Eu estava recebendo telefonemas
com ameaças anônimas. Fiquei com medo, procurei o Renan e ele me orientou a
tratar com o Cláudio. Eu fiz um levantamento das empresas e o Cláudio ficou com
a parte financeira.


O contrato da casa no Lago Norte era por três anos. Por que a senhora saiu
depois de um ano? Porque as ameaças não pararam. Em março de 2005, resolvi
alugar um apartamento, onde sentisse mais segurança.


Gontijo pagava esse aluguel? Sim, era de 4 000 reais. De março de 2005 em
diante, ele me entregou a pensão e o aluguel. Os envelopes passaram a ter 12 000
reais. Isso durou até novembro de 2005.


Recapitulando-se a descrição de Mônica Veloso, tem-se que ela recebeu
dinheiro de março de 2004 a novembro de 2005. Começou com 40 000 reais para
pagar um ano de aluguel antecipadamente – na verdade, 43 200 reais, pagos em 15
de março de 2004, conforme recibo da imobiliária. Além disso, ela recebeu pensão
mensal de 8 000 reais e, de agosto de 2004 a março de 2005, mais 2 800 reais
para pagar a empresa de segurança. De março de 2005 em diante, quando trocou a
casa pelo apartamento, além da pensão de 8 000, foram incorporados 4 000 reais
para o aluguel, num total de 12 000 reais. São essas despesas que Renan
Calheiros garante que saíram de seu bolso. Na semana passada, VEJA teve acesso
aos extratos bancários que o senador entregou no Senado. Os extratos provam que
ele tinha recursos para arcar com as despesas, mas a movimentação bancária
compromete sua defesa: os saques em dinheiro quase nunca conferem com as datas
em que a jornalista recebia os recursos.


O caso mais gritante de descompasso é o dos 43 200 reais que, em 15 de março
de 2004, saldaram um ano de aluguel da casa. Na primeira quinzena de março
daquele ano, Calheiros fez cinco saques em dinheiro de sua conta no Banco do
Brasil. Somam 18 550 reais. É dinheiro insuficiente para o aluguel de um ano.
Admitindo-se que o senador tenha sacado o dinheiro no mês anterior, ainda assim
a conta não fecha. Em fevereiro, o senador fez três saques, somando 11 450
reais. Ainda é pouco. Recue-se então até janeiro. Nesse mês, o senador fez
quatro saques em dinheiro, totalizando 18 305 reais. Enfim, somando-se todos os
saques de janeiro, de fevereiro e da primeira quinzena de março, chega-se a 48
305 reais. Sim, dava para pagar os 43 200 do aluguel de um ano, mas sobram só 5
000 reais. E, além do aluguel de um ano, o senador tinha de bancar a pensão de 8
000 reais. Portanto, definitivamente, o dinheiro não saiu de suas contas. Saiu
de onde?


Os extratos também trazem notícias ruins para o senador quando se tenta
localizar ali outros pagamentos à jornalista. De agosto de 2004 a março de 2005,
por exemplo, ela recebeu 8 000 reais de pensão e 2 800 reais para pagar sua
segurança, o que resulta em 10 800 reais. A pensão era paga no início do mês. A
empresa de segurança, conforme consta do contrato, recebia até o quinto dia útil
do mês. Pois os extratos do senador não têm saques em dinheiro no valor de 10
800 reais, nem estendendo-se a consulta até o dia 10 de cada mês. Em agosto de
2004, o senador fez um saque alto em dinheiro, de 32 000 reais, mas só no dia
16, quando tudo, pensão e segurança, já havia vencido. No mês seguinte, não há
saque em dinheiro. Em outubro, há apenas um, de 4 120 reais, insuficiente para
as despesas. Em novembro, não há saque em dinheiro de novo. Em dezembro, idem. A
pergunta que resta é: de onde saíam os 10 800 reais?


Os extratos mostram que o senador movimenta muito dinheiro e sempre saca
mediante a apresentação de cheques na boca do caixa. Nunca usa caixa eletrônico
nem terminais de auto-atendimento. Há saques altos, de 50 000 ou 100 000 reais
em dinheiro vivo. Como as datas das retiradas não conferem com as dos pagamentos
à jornalista, mas há saques de valores expressivos, o senador poderá alegar que
pegou o dinheiro e guardou-o em casa por dias, por semanas, às vezes por meses,
até chegar a hora do pagamento. Faz sentido matemático, mas não faz nenhum
sentido prático. É difícil acreditar que, num país com tantas aplicações
financeiras e uma taxa de juros tão apetitosa, alguém julgue atraente deixar
dinheiro em casa sem rendimento. Renan fazia isso?


Em dezembro de 2005, o senador reconheceu a paternidade de sua filha e passou
a pagar pensão de 3 000 reais. Por que o valor caiu de 8 000 para 3 000? Porque
o salário do Renan no Senado era de 12 000. Ele não podia pagar 8 000 de pensão
e 4 000 de aluguel.


Mas o senador tem rendimentos agropecuários. Não posso revelar mais detalhes
sobre isso porque o processo judicial é sigiloso. Posso dizer que ele pagou 3
000 reais, descontados na folha salarial, até maio de 2006, quando fizemos um
acordo. Como antes eu recebia 12 000 e passei a receber só 3 000, tinha uma
diferença. Renan concordou em pagar 100 000 reais.


Os 100 000 reais não eram um fundo de educação para a filha de vocês? Nunca
houve esse fundo. Os nossos advogados chegaram a um acordo para compensar a
diferença. Os advogados de Renan pediram que no recibo saísse que era um fundo.
Na verdade, nunca foi isso. Eu não tinha outra opção. Ou aceitava isso ou não
recebia nada. Não havia razões para rejeitar. O pagamento foi feito em duas
parcelas de 50 000 reais, em dinheiro vivo.


Por que dinheiro vivo? Os advogados dele (refere-se ao senador) é que
apareceram com duas sacolas de dinheiro…


Nos extratos bancários de Calheiros, encontram-se os saques em dinheiro para
pagar os 100 000 reais – mas, de novo, é preciso crer que o senador tinha o
hábito de esconder dinheiro sob o colchão. A primeira parcela, de 50 000 reais,
foi paga em 24 de maio de 2006. As retiradas feitas antes disso dão de sobra. O
senador sacou 106 000 reais no dia 3 de maio e, seis dias depois, mais 15 000
reais. Ao todo, dá 121 000 reais. No dia 24, portanto, tinha os 50 000 reais
para pagar à mãe de sua filha e ainda sobraram 71 000 reais. O curioso é o que
acontece na hora de pagar a segunda parcela de 50 000 reais, em 27 de junho. No
mês de junho, a conta do senador registrou só dois saques em dinheiro, num total
de 25 000 reais. Para dispor de 50 000 reais no dia 27, o senador teve de
recorrer às retiradas feitas no mês anterior. Isso significa que sacou no início
de maio uma montanha de dinheiro que só seria usada no fim do mês seguinte.
Ficou quase dois meses com dinheiro sob o colchão. É possível, claro, mas é
altamente improvável.


A senhora encontrou o senador num flat de Gontijo no hotel Blue Tree? Sim,
várias vezes.


O senador tinha um flat no mesmo hotel. Por que vocês usavam o do lobista?
Pergunte para o Renan.


Até quando a senhora se encontrou com o senador? Nossa relação durou até
dezembro de 2005.


Então, se o senador quisesse, até dezembro de 2005, ele mesmo poderia lhe
entregar o dinheiro? Nós nos encontramos até dezembro de 2005. Foram três anos
de uma relação intensa, que começou quando ele ainda era líder do PMDB (o
senador foi líder do partido de fevereiro de 2001 a fevereiro de 2005) e
continuou depois que foi eleito presidente do Senado. Até dezembro de 2005,
quando houve o reconhecimento da paternidade, foi uma relação tranqüila e, ao
contrário do que disseram, não era eventual.


Mas então o senador poderia lhe repassar dinheiro sem recorrer ao lobista?
Ficávamos a sós, se é isso que você quer saber.


Qual é a sua relação com Gontijo? Nenhuma. Não somos amigos. Conheci o
Cláudio por meio do Renan em meados de 2003. Nunca o tinha visto antes. Ele não
é da minha área, que é comunicação, publicidade. Depois de novembro de 2005,
quando a pensão passou a ser paga com desconto no salário do Renan, o Cláudio
sumiu. Nunca mais trocamos nem um telefonema.


A alegação do senador Calheiros para ter recorrido ao lobista da Mendes
Júnior é que, tendo um caso extraconjugal, precisava fazer os pagamentos de modo
discreto. Recorreu ao lobista porque ele era amigo das duas partes. Mônica diz
que não era amiga do lobista, e, se fala a verdade quando informa que seus
encontros com o senador duraram até o fim de 2005, cai outra alegação. Se houve
encontros até 2005, o senador poderia ter levado, ele mesmo, o dinheiro a ela.
Tudo indica que, em sua solene defesa no Senado, Renan Calheiros mentiu para
seus pares.


A entrevista de Mônica, associada ao depoimento do lobista e aos extratos do
senador, derruba algumas versões e mantém a dúvida central: quem pagava as
despesas do senador? Na semana passada, o conselho de ética do Senado abriu
processo para investigar as ligações do senador com o lobista. O senador não
gostou. Preferia que o caso fosse encerrado logo. Mas é engano imaginar que a
abertura de processo significa que o Senado está empenhado numa investigação
séria. A maioria dos senadores está decidida a acabar com o assunto de uma vez,
mas precisa produzir ao menos um simulacro de legalidade. É assim que funcionam
os clubinhos fechados. O relator do caso será o senador Epitácio Cafeteira, 82
anos, do PTB do Maranhão, aliado de Renan Calheiros e José Sarney. Quando o
jornal O Globo perguntou a Cafeteira se ele pretende convocar a jornalista para
depor, o senador deixou evidente sua disposição de abafar o caso: ‘Chamar a moça
para quê? Para fofocar?’. Não, Cafeteira, chame a moça para ajudá-los a fazer
contas. Com reportagem de Otávio Cabral’


André Petry


O macho e a amante


‘Mônica Veloso é uma mulher fotogênica, mas é mais bonita pessoalmente do que
em fotografias. Às vezes, ela dá uns ares com a atriz Tânia Kalil, talvez pelo
formato do rosto e pela expressão vagamente indefesa do olhar. Outras vezes, ela
se parece com a atriz Deborah Secco, pela delicadeza do nariz e pela
protuberância discretamente provocadora dos lábios. Mônica Veloso é uma mulher
bonita e sensual. Tem 1,70 metro de altura, pesa 58 quilos. Para os antigos, é
um pitéu. Para os de meia-idade, é uma gata. Para os jovens, é uma mina
cabulosa. E não é que, com atributos para encantar todas as idades, Mônica
Veloso virou pistoleira, chantagista, piranha? Virou a desonesta, a destruidora
de lares, a mulher que seduzia políticos e poderosos à cata de um butim
generoso, fisgando o senador José Renan Vasconcelos Calheiros?


Pobre Mônica. Como teve um romance com o senador, do qual nasceu uma menina,
Mônica tornou-se agora vítima do machismo que sempre reserva à mulher o papel
mais torpe da história. Se Mônica conta sua versão publicamente, o que ela é?
Chantagista em busca de alguma vantagem. Se fica calada, o que é? A interesseira
que vendeu seu silêncio a peso de ouro. Se exige que o senador ajude no sustento
da filha, o que é? A biscateira que só pensa em dinheiro. Se não pede um tostão
ao pai de sua filha, o que é? Ora, a calculista esperando a hora certa de dar o
bote. Não tem saída. Mônica Veloso pode fazer o que quiser, mas estará sempre do
lado errado. Porque do outro lado está o senador José Renan Vasconcelos
Calheiros, o homem que confessa seu pecado, pede perdão à mulher e por pouco,
muito pouco, não vira o ingênuo senhor que se perdeu nas curvas da sedutora
maligna.


Mas, se o que interessa no escândalo todo não é o romance do senador com a
jornalista, e sim a tenebrosa intimidade financeira do senador com um lobista de
empreiteira, qual é a relevância de discutir os carimbos preconceituosos
estampados sobre a imagem de Mônica Veloso? A relevância é a seguinte: isso
explica por que o senador, desde a primeira hora do escândalo, distorceu a
questão como se fosse um assunto privado. Trazendo a polêmica para o terreno da
vida pessoal, o senador talvez soubesse, ou intuísse, que tinha uma vantagem já
na largada: era o homem, o respeitável pai de família, contra a mulher, a jovem
descasada. O senador foi tão covarde que jogou sobre a mulher até o peso não
apenas de ser macho, mas também o de ser poderoso.


É injusto até com a história do Brasil, onde imperadores caíam deliciosamente
nos braços de amantes inesquecíveis. Uma delas, menos conhecida do que a
marquesa de Santos de dom Pedro I, era a condessa de Barral, bela baiana, filha
de família ilustre, mulher inteligente e refinada, preceptora de princesas e
paixão de dom Pedro II. Como se antecipasse em um século e meio a patacoada do
senador em Brasília, a condessa de Barral escreveu: ‘São desgraças do Brasil /
Um patriotismo fofo / Leis em parola, preguiça / Ferrugem, formiga e mofo’.’


MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi


Eu quero saber de tudo


‘Um delegado da Polícia Federal, citado por O Globo, definiu Vavá como ‘um
cara simples, quase analfabeto, que enrola as pessoas’. Eu diria que ele possui
todos os predicados para suceder ao presidente da República. Vavá 2010.


Dois anos atrás, quando VEJA publicou que Vavá intermediou encontros
sigilosos no Palácio do Planalto entre homens de negócios e o principal assessor
de Lula, Gilberto Carvalho, ninguém deu bola para o assunto. Por algum tempo, os
oposicionistas ameaçaram convocar Vavá e Gilberto Carvalho à CPI dos Bingos, mas
acabaram desistindo com o argumento de que a vida particular do presidente
deveria ser mantida longe da luta política.


Lula tem direito a uma vida particular? Renan Calheiros tem direito a uma
vida particular? Algum político tem direito a uma vida particular? A imprensa
acredita que sim. Mais do que isso: a imprensa acredita que pode determinar o
que é um fato de interesse particular e o que é um fato de interesse público. Se
um político tem um filho fora do casamento, a imprensa o considera um fato de
interesse particular. Ela só passa a considerá-lo um fato de interesse público
quando uma empreiteira paga suas contas.


Os jornalistas conhecem a intimidade dos políticos. Eles ficam a maior parte
do tempo bisbilhotando os detalhes mais sórdidos sobre essa gente. Mas só
publicam o que, para eles, estamos aptos a entender. A imprensa atribuiu-se um
papel civilizador. Ela argumenta que é uma selvageria julgar um político a
partir de seus hábitos privados. Por isso, sonega sistematicamente qualquer
notícia a esse respeito.


Eu nunca me escandalizo com o comportamento dos outros. Mas me recuso a
aceitar que a imprensa imponha seus valores omitindo os fatos. Se um senador é
adúltero, eu quero saber. Se uma ministra dormiu com um presidente, eu quero
saber. Se a mesma ministra traiu o marido com um líder oposicionista, eu quero
saber. Depois concluo do jeito que quiser.


Os brasileiros acham que o fetiche da imprensa americana pela vida amorosa
dos políticos é um sinal de jequice. Eu acho que jequice é delegar a um repórter
de uma sucursal de Brasília a escolha sobre o que eu devo ou sobre o que eu
posso saber. Os políticos precisam se sentir permanentemente vigiados. Quando a
imprensa acoberta seus deslizes privados, termina por acobertar também seus
crimes públicos.


A política brasileira é repulsiva. A gente deveria punir os políticos
arruinando sua vida particular. Ao contrário do que se diz, não há nada de
errado nisso. Se as aventuras sexuais de Marco Antônio foram relatadas pelos
romanos, por que os brasileiros não haveriam de relatar as de Renan Calheiros?
Renan Calheiros está para Marco Antônio assim como o Brasil está para a Roma
Antiga. Marco Antônio 2010. Renan Calheiros 2010.’


TELEVISÃO
Marcelo Marthe


Realidade por todos os lados


‘No início da década, quando o Big Brother se converteu num fenômeno mundial,
seu criador prognosticou: ‘Tanto quanto as novelas ou os programas de auditório,
os reality shows são um formato que veio para ficar’. Embora muita gente não
levasse a sério as palavras do holandês John de Mol, elas se revelaram
proféticas. Em vez de modismo, os reality shows se tornaram um item
indispensável no cardápio da TV. Inclusive no Brasil – e não se está falando
apenas de um sucesso como o Big Brother, que em sua edição mais recente obteve o
feito inédito de desbancar por dois meses a novela das 8 do topo do ranking das
atrações mais vistas da Globo (e do país, por extensão). É na TV paga que seu
poder de fogo se evidencia de forma mais inequívoca. Toda semana, os canais por
assinatura transmitem mais de 200 horas de reality shows. Só no People &
Arts, eles respondem por 60% da programação. Até um peso-pesado do show biz como
Steven Spielberg se rendeu a eles. Em exibição há duas semanas nos Estados
Unidos (e, por aqui, no mesmo People & Arts), On the Lot é uma gincana em
que aspirantes a diretor disputam a chance de gravar um filme no estúdio do
cineasta.


Uma das razões da onipresença dos reality shows é sua versatilidade. Dos
concursos musicais na linha do American Idol (que no Brasil virou o Ídolos, do
SBT) a programas de decoração como Extreme Makeover – Reconstrução Total, eles
se desdobram em subtipos para todos os gostos (veja quadro). Assim que se
inventa uma variação, logo surgem cópias em série. E, ainda que a maioria esteja
fadada a uma vida curta, vários exibem uma resistência férrea. Recentemente, o
americano Donald Trump anunciou o fim de sua gincana empresarial, O Aprendiz –
mas note-se que, até chegar à exaustão, ela teve seis edições. Hoje na quarta
encarnação, a versão brasileira continua a ser um bom negócio para a Rede
Record. Há dez dias, quando o apresentador Roberto Justus demitiu dois
participantes de uma vez, o programa ficou por doze minutos em primeiro lugar no
ibope. Pudera. O clima modorrento daquelas reuniões de conselho foi quebrado por
uma saia-justa: um dos pupilos de Justus reservou 100 reais para dar de
‘caixinha’ a fiscais da prefeitura paulistana, caso encrencassem com uma tarefa
de seu grupo na rua. Realismo é isso aí (mas o rapaz foi demitido por encorajar
a corrupção). Justus não é o único em sua família, aliás, a abraçar os reality
shows. No mês que vem, deverá estrear também na Record a versão nacional de
Simple Life, em que a patricinha Paris Hilton e sua amiga Nicole Richie são
colocadas para fazer as tarefas mais abiloladas, como ordenhar vacas e trabalhar
numa funerária. Ticiane Pinheiro, mulher de Justus, será uma das protagonistas,
ao lado da atriz Karina Bacchi.


Outro motivo da proliferação dos reality shows é de ordem econômica. Manter o
Big Brother no ar custa por mês cerca de quinze vezes menos do que sustentar uma
novela das 8 pelo mesmo período. Para os canais por assinatura, a conta é ainda
mais vantajosa: além de pagarem apenas pelos direitos das atrações importadas,
eles abusam das reprises. Muitos dos reality shows que se vêem neles são puro
lixo. Mas também há experiências inteligentes, como o Ramsay’s Kitchen
Nightmares, transmitido pelo GNT. O programa em que o chef escocês Gordon Ramsay
intervém para salvar restaurantes falidos mostra o que o formato pode oferecer
nas mãos de um produtor inspirado. Embora o tema seja a gastronomia, ele
funciona como uma aula sobre a natureza humana e a gestão de negócios. Em breve,
deverá inspirar um quadro no Caldeirão do Huck, da Globo.


Boas intenções não bastam para fazer um reality show. As fórmulas mais
consagradas podem desandar em razão de um elenco mal escalado. ‘A escolha dos
participantes é tudo’, diz o experiente Boninho, diretor do Big Brother. A
gincana que leva a grife de Spielberg – e de Mark Burnett, o maior produtor de
reality shows do planeta – exemplifica ainda outros erros. On the Lot tem mais
tutano que a média dessas atrações, mas é uma chatice. Sobra papo sério sobre
cinema e faltam os ingredientes fundamentais: as intrigas e os ‘barracos’.
Spielberg, quem diria, pode ser o túmulo de um reality show.’


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