Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Villas Bôas-Corrêa

‘Não é um método infalível, mas dos mais confiáveis para a avaliação do desempenho do governo e do estado de espírito dos governantes: quando as coisas vão bem, as relações do poder com a imprensa são as mais cordiais; basta que a tormenta da crise tolde a transparência do céu para que desande o relacionamento, como se pautado pela cadência do desempenho oficial.

Mas, se esta é a norma básica, claro que cada caso se ajusta às características especiais do temperamento do manda-chuva e da cultura do país, da sua maior ou mais questionável tradição democrática.

Chegamos a ponto de entrar direto no assunto. Sem rodeios: o governo do torneiro mecânico que se consagrou como o maior líder sindical do país e que ascendeu à Presidência da República na quarta tentativa prometendo este mundo e outro é dos mais desastrados, com as piores relações com os rapazes da imprensa e a mídia.

Se não é o recordista, disputa o primeiro lugar. Em três anos e dez meses de mandato, concedeu uma única entrevista coletiva, ainda nos bons tempos de popularidade na lua e do culto às aparências no jogo da simulação. Registre-se o ensaio de um café da manhã com um grupo de repórteres, quando falou mais tempo do que concedeu para as perguntas dos convidados.

No mais, gosta de brincar no faz-de-conta que governa comparecendo a todas as oportunidades de driblar a detestável rotina burocrática e de soltar-se nos improvisos, enfeitados pelas metáforas, nem sempre adequadas às circunstâncias.

Agora, à medida que as ondas da ressaca dos escândalos de corrupção do caixa dois e do mensalão – da exclusiva safra doméstica do governo e do PT – arrebentam cada vez mais próximas do gabinete presidencial, o humor instável de Lula azedou a massa da pizza: os repórteres credenciados para a cobertura das suas andanças são mantidos à distância pela rispidez dos seguranças e tratados como indesejáveis – bando de mal-educados intrigantes que só bisbilhotam erros e não enxergam a obra redentora do governo ‘como nunca houve outro igual’.

O mais recente qüiproquó passou dos limites e deve ser analisado com o distanciamento da serenidade. Na recepção no Itamaraty ao primeiro-ministro da Jamaica Percival James Patterson, Lula foi abordado pelos jornalistas com perguntas sobre a mal-contada história dos dólares cubanos para o financiamento da sua campanha em 2002. Saiu pela tangente, devolveu a bola, perguntando se não poderia falar sobre a Jamaica.

Nervos à beira de explodir, queixou-se dos jornalistas que o interromperam quando conversava com o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim sobre transcendentes problemas da política internacional. E perdeu de vez as estribeiras ao ser chamado aos gritos pelos jornalistas que cobravam a promessa de rápida entrevista. Ainda mandou um assessor com o recado malcriado, qualificando de insuportável o comportamento da imprensa.

É possível que os colegas tenham exagerado. Reconheça-se que com razão. O brio profissional exige que cada um não volte para a redação com as mãos vazias.

Depois de três anos de assédio, Lula aceitou o convite para ser o entrevistado do próximo programa ‘Roda Viva’, da TV Cultura, que vai ao ar na próxima segunda-feira, dia 7. Ora, viva! Até que enfim! Trata-se de oportunidade que não pode ser desperdiçada. Programa de alto nível, dirigido pela competência de Paulo Markun e reunindo uma equipe do primeiro time.

Estranho que, contrariando as normas, Lula tenha recusado a entrevista ao vivo, exigindo a gravação. Cautela de utilidade controversa. O jeito é ir em frente e aproveitar a ocasião para questionar o presidente sobre os erros, omissões, os badalados êxitos da arrogância que os fatos e as estatísticas desmentem.

Sem esquecer as gritantes prioridades: o desmatamento criminoso da Amazônia, denunciado por reportagens diárias, com a derrubada de áreas imensas que só o Ibama não enxerga. Ou o mistério das obras de recuperação da rede rodoviária, consumindo mais de 70% das verbas orçamentárias sem que se saiba onde. O descalabro na Saúde, na Educação, com as ressalvas de praxe. A calamidade da insegurança pública, da habitação popular. A decadência espantosa da qualidade de vida, praga nacional que não poupa as capitais e as médias e pequenas cidades invadidas pela favelização irresponsável. A apatia do monstrengo do Ministério transformado em cortiço para acolher os companheiros maltratados pelas urnas. O desmoralizante PIB do pior desempenho econômico desde 1901, que deverá ficar 1,4 ponto percentual abaixo da média mundial. E a suspeita insensatez de iniciar as obras da questionável transposição das águas do Rio São Francisco no último ano do mandato, na escalada de tensão da campanha eleitoral.

Por cortesia e pudor, talvez convenha saltar o esgoto da roubalheira, evitando sujar os sapatos na lama da maior corrupção de todos os tempos.

Recorde indiscutível do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.’



Carlos Alberto Di Franco

‘O papel da imprensa’, copyright O Globo, 7/11/05

‘O presidente Lula anda irritado com a imprensa. Sente-se vítima de um suposto cerco dos meios de comunicação ao seu governo. Incomoda-o, e muito, o pipocar constante de denúncias envolvendo membros de sua equipe ou dirigentes do seu partido. Na versão do presidente da República e do PT, como lembrou recente editorial do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, a crise das denúncias de corrupção, desencadeadas há meses com um flagrante de cobrança de propina nos Correios, resume-se exclusivamente ao seguinte ‘erro’: sem dar conta a ninguém de seus atos, o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, em parceria com o publicitário Marcos Valério, tomou empréstimos milionários para abastecer o caixa 2 de campanhas eleitorais de petistas e aliados.

Reconhecida a responsabilidade de Delúbio, o partido o expulsa por ‘gestão temerária’ e está tudo resolvido. Surpreende-se o presidente com a ‘irresponsabilidade’ de jornais que não se satisfazem com a explicação e, ‘levianamente’, continuam a encostar o governo na parede. Ora, caro leitor, o ‘erro’ do ex-tesoureiro do PT e amigo do presidente derrubou o poderoso ex-ministro José Dirceu, implodiu diretorias de estatais, dinamitou a cúpula do partido do presidente e reduziu a pó a imagem do PT. Quem não deve não teme.

A debandada dos cargos e a submersão dos protagonistas dos escândalos parecem indicar que as coisas não são tão simples.

Na verdade, as investigações começam a se aproximar do gabinete presidencial. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, revelou um notável descalabro na Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), na gestão do ex-ministro Luiz Gushiken, origem de um prejuízo de R$ 15,6 milhões para os cofres públicos em produtos não entregues e serviços superfaturados. Curiosamente, um dos principais beneficiários das irregularidades verificadas no exame de dez produtos e serviços contratados pela Secom foi a agência de publicidade de Duda Mendonça. A notícia do resultado da auditoria irritou o presidente. Trata-se, no entanto, de um fato. E, goste ou não o presidente da República, nas democracias verdadeiras as notícias não são censuradas.

É curioso, caro leitor, como os governos com vocação autoritária convivem mal com a liberdade de imprensa e de expressão. Hugo Chávez amordaçou a imprensa. É um fato. Aqui, as tentativas de engessar o jornalismo nos moldes do finado Conselho Federal de Jornalismo foram intensas. Não deram certo. Felizmente. O partido do presidente, quando na oposição, usava e abusava de seu poderoso estilingue contra as vidraças do Palácio do Planalto. Lei da Mordaça, nem pensar. E as CPIs, que brotavam como cogumelos, eram defendidas como instrumento indispensável no combate à corrupção. Agora, instalado no poder, e decidido a não abandonar o trono, a coisa mudou. Abertura de CPI virou conspiração para derrubar o governo. E a Lei da Mordaça virou ‘instrumento legítimo para controlar a irresponsabilidade da mídia e dos promotores’. Às favas com a transparência. É o governo de resultados.

Os jornalistas, segundo o presidente, estariam extrapolando o seu papel e assumindo funções reservadas à polícia e ao Poder Judiciário. O jornalismo, como qualquer atividade humana, está sujeito a erros. Um balanço sereno, no entanto, indica um saldo favorável ao trabalho da reportagem. Na verdade, a imprensa, mais uma vez, está se transformando numa instância, talvez a única, de uma sociedade abandonada e agredida por muitas de suas autoridades. A repercussão do mergulho no pântano da corrupção em que se transformou certo setor da vida pública brasileira está dando alento à cidadania encurralada.

A sociedade, ao contrário do que pensam os céticos, pode emergir desse lodaçal num patamar civilizado. Graças ao papel da imprensa e à legítima pressão da opinião pública, seja qual for o desfecho das investigações em andamento, depois delas o Brasil não será o mesmo. E o efeito cascata, assim espero, será irreversível.’



Clóvis Rossi

‘Caso BB é ‘denuncismo vazio’, diz Lula ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não mudou uma vírgula o seu discurso sobre a crise no Brasil nem depois das acusações de que o dinheiro que irrigou o ‘valerioduto’ saiu da Visanet, empresa em que o Banco do Brasil tem participação.

‘Eu acho um absurdo essa tese. O que nós precisamos no Brasil é parar com denuncismo vazio e com insinuações que são desmentidas no dia seguinte’, afirmou Lula, em improvisada entrevista coletiva, convocada de último momento e concedida no mezzanino do Hotel Hermitage, QG da 4ª Cúpula das Américas, ontem encerrada.

Lula insistiu em que ‘as apurações estão sendo feitas’ e que é ‘inexorável’ que sejam feitas seja pela CPI, pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pelo Banco do Brasil, para engatar:

‘Como o presidente da República não pode absolver antes ou condenar antes. O que eu acho prudente é que as pessoas não acusem ninguém nem do PT nem de outro partido político, nem absolvam sem ter prova final do processo porque senão nós ficaremos execrando instituições e personalidades antes de a gente apurar. Eu quero que as coisas sejam esclarecidas porque a sociedade brasileira precisa mais do que nunca ter a verdade mais absoluta sendo apurada e constatada.’

Insistiu também na obviedade de que, depois da apuração, ‘quem cometeu irregularidades terá que ser punido de acordo com a lei. Esse é o nosso desejo, esse é o nosso trabalho e vamos fazer isso com tranqüilidade, e, no meu caso, com a tranqüilidade de alguém que como presidente não pode ficar falando as coisas de forma intempestiva’.

Fechou o raciocínio com outra frase já dita várias vezes ao longo da crise: ‘Ou eu aguardo o resultado final, acredito nas instituições que estão trabalhando e depois disso eu me pronuncio, ou posso cometer injustiças com os outros e aí eu não posso me queixar daqueles que cometem injustiças comigo’.

Por fim, manifestou a fé na hipótese de que as CPIs continuem ‘funcionado da forma mais democrática possível’ e produzam um ‘resultado que vai ser bom para o povo brasileiro’.

O presidente não quis comentar a manchete de capa da Folha de ontem, alegando não ter lido o material. Mas fez questão de elogiar o ministro da Justiça: ‘Ninguém pode colocar em dúvida a lisura e o comportamento de um homem da estatura de Márcio Thomaz Bastos’, afirmou.

A Folha informou que a Polícia Federal acusa, em relatório, um órgão do Ministério da Justiça de ‘criar obstáculos’ para as investigações.’



Roldão Arruda

‘Mídia é pior do que a Inquisição, diz Chauí ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 5/11/05

‘A filósofa Marilena Chauí, professora da Universidade de São Paulo (USP) e uma das principais intelectuais do PT, disse ontem que a única possibilidade de o País enfrentar a atual crise política e outras que devem advir é por meio de uma ‘reforma política, republicana e democrática’. Numa palestra para quase 200 operários, durante o 5.º Congresso dos Metalúrgicos do ABC, ela disse que as CPIs não resolvem os problemas políticos porque só visam os indivíduos, não o sistema, miram os efeitos, não as causas: ‘É preciso passar da crítica moralizante da corrupção à crítica cívica da instituição.’

Para a filósofa, o sistema político provoca problemas de ‘governança’ para os partidos que vencem as eleições mas não conseguem maioria parlamentar. ‘Passa-se facilmente da negociação para a negociata’.

Depois de pincelar sua exposição em vários momentos com críticas ao papel da mídia na cobertura da crise, a filósofa foi instada por um dos ouvintes a estabelecer relações entre o papel atual da mídia e o da Santa Inquisição, no século 15. Ela respondeu que hoje as coisas são piores dos que naqueles tempos: ‘As regras eram mais claras: ‘A Igreja operava por meio do medo, de forma clara e sem disfarce. As pessoas sabiam com o que estavam lidando.’

Hoje, segundo a filósofa, ‘a mídia opera pela acusação sem provas’, e, nos momentos em que seus interesses são contrariados, ‘ela alucina e passa a operar por meio da destruição das instituições e das pessoas.’

A filósofa disse aos operários não ter dúvidas de que a atual crise política foi encomendada e é orquestrada de forma cuidadosa, tendo até prazos definidos para acabar. Também afirmou que ficou mais convencida disso após ter lido a entrevista de um lobista na revista Caros Amigos, na qual ele revelou como deflagrou a crise.’