Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O jornal impresso sobrevive no Agreste alagoano

No interior de Alagoas restam apenas três jornais impressos com periodicidade regular: os semanários Jornal de Arapiraca e Alagoas Agora, ambos de Arapiraca, e a Tribuna do Sertão, de Palmeira dos Índios, na região do Agreste. Eles não se sustentam apenas com a receita publicitária local e, por isso, expandiram a circulação para as cidades vizinhas e para a capital do Estado, Maceió. Com essa estratégia, eles obtêm publicidade do Governo Estadual e de várias prefeituras e câmaras municipais.

O maior desafio dos pequenos veículos é a sobrevivência financeira; seu ponto mais frágil é a credibilidade editorial, por conta da dependência dos recursos públicos. Faltam equipes de reportagem que façam uma cobertura imparcial dos problemas nas áreas de saúde, educação básica, saneamento e meio ambiente. As contas públicas só ganham destaque quando há disputas entre grupos políticos.

Distantes apenas 47 km uma da outra, as duas cidades cultivam uma rivalidade histórica. Arapiraca tem 230 mil habitantes, está a 128 km de Maceió e é conhecida como “Princesa do Agreste”. Palmeira dos Índios, de 73 mil habitantes, proclama-se “Princesa do Sertão”, porque fica no Agreste no limite com o Sertão. Eram parelhas na economia até a década de 1970, quando Arapiraca iniciou um boom de crescimento e tornou-se o principal polo de serviços do interior.

No Jornal de Arapiraca, as denúncias em geral não contemplam a versão do acusado. Algumas manchetes são amparadas em investigações do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado sobre o mau uso de recursos pelas prefeituras, mas outras baseiam-se em acusações de adversários. O alvo mais recorrente do semanário é o prefeito de Arapiraca, Rogério Teófilo (PSDB), que está em primeiro mandato.

Teófilo é arredio à imprensa e suspendeu os gastos publicitários nos primeiros 18 meses de gestão. Só em agosto de 2018, escolheu a agência publicitária para elaborar seu plano de mídia, que deve contemplar o gasto anual aproximado de R$ 1 milhão, com a veiculação de material institucional em jornais, sites e rádios, segundo informação da assessoria de imprensa. Em setembro, começou a veicular um programa semanal nas rádios, chamado Fala Prefeito.

Já em Palmeira dos Índios, o prefeito Júlio Cézar Silva, que também está no primeiro mandato, adotou política oposta. Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2017, estabeleceu uma política de “parceria” com as rádios, com um site local e com o jornal Tribuna do Sertão. Os veículos são remunerados com um valor fixo mensal, que varia de acordo com a audiência de cada um, sendo maior para as rádios que transmitem o programa semanal do prefeito. O noticiário é predominantemente favorável ao político, com exceção do site Estadão Alagoas, que não participa do acordo publicitário.

O prefeito de Arapiraca não atendeu ao pedido de entrevista do Observatório da Imprensa, quando esta equipe percorreu a região, entre os dias 29 de agosto e 1º de setembro de 2018. O de Palmeira dos Índios recebeu-nos em casa, no café da manhã, e a Prefeitura divulgou um release sobre o encontro.

Sem contraditório

Há pelo menos 15 sinônimos na língua portuguesa para a palavra agreste, além da referente ao ecossistema da caatinga; áspero, cru, duro e rude são alguns dos que poderiam ser aplicados ao Jornal de Arapiraca. O periódico tem cinco jornalistas, incluindo o proprietário, Roberto Baía; dois deles são correspondentes em Maceió. A redação ocupa uma pequena sala no centro de cidade, que vive abarrotada com pilhas de exemplares antigos.

Baía recebeu o Observatório da Imprensa na manhã do dia 30 de agosto, para falar sobre o desafio de fazer jornal impresso no interior do Nordeste. Estava no meio do fechamento da edição que iria para as bancas no dia seguinte com mais uma manchete desfavorável ao prefeito de Arapiraca: “Com gestão pífia, Teófilo deve mergulhar no ostracismo se Biu de Lira for derrotado”. O texto falava do senador Benedito de Lira (PP), principal aliado político do prefeito naquele momento e que concorria à reeleição para o Senado. Ele não foi reeleito; ficou em quarto lugar, com apenas 14% dos votos.

Sobre a mesa de trabalho de Baía repousava um exemplar de duas semanas antes com uma manchete bombástica contra o prefeito da cidade de Maribondo, Leopoldo Pedrosa: “Prefeito é acusado de sequestrar, estuprar e arrancar parte do cabelo de namorada de deputado”. A reportagem ocupava as duas páginas centrais do jornal e baseava-se em declarações do deputado estadual Dudu Holanda (PSD), namorado da ex-mulher de Pedrosa.

Segundo o texto, dois homens encapuzados sequestraram e mantiveram-na em cativeiro, por 48 horas, e o prefeito teria participado do estupro e da tortura. O jornal afirmava ainda que Pedrosa respondia a processos anteriores por embriaguez ao volante, porte ilegal de arma e que fora preso em 2017 por agressão à ex-mulher. Não foi publicada a versão do acusado, nem menção no texto de que a redação tentara ouvi-lo. O editor justificou que a fonte era o deputado estadual, e que cabia a ele o ônus da prova. Sobre o fato de não terem ouvido o prefeito, Baía disse que este optou por ficar em silêncio. “É um direito que o assiste”, acrescentou.

Roberto Baía tem 57 anos de idade e ingressou no jornalismo aos 22, como repórter dos Diários Associados. Depois, passou a assessorar prefeitos e deputados. Edita o Jornal de Arapiraca desde outubro de 2015 e, paralelamente, escreve para a Tribuna Independente, de Maceió, que sucedeu a emblemática Tribuna de Alagoas, criada por PC Farias, o caixa de campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O jornal foi o pivô da briga dos irmãos Fernando e Pedro Collor de Mello, no começo da década de 1990. Pedro acreditava que o irmão estava por trás do jornal que concorreria com a Gazeta de Alagoas, da família Collor. Suas denúncias levaram ao impeachment do ex-presidente; Pedro Collor morreu em 1994 e PC Farias, em 1996. A Tribuna de Alagoas faliu, e os funcionários, organizados em uma cooperativa, assumiram a gestão.

O Jornal de Arapiraca circula em 16 municípios; tem tiragem de 5 mil exemplares, um terço dos quais é distribuído a órgãos públicos. O preço de capa é de R$ 3, e a maior parte da venda é por assinatura. Encontrei exemplares expostos na banca da principal praça da cidade. A vendedora informou que o jornal esgota quando tem denúncia na manchete.

Em uma banca da cidade encontramos os impressos do Jornal de Arapiraca, Tribuna Independente e Gazeta de Alagoas. (Foto: Ana Terra Athayde)

Perguntei a Roberto Baía se o jornal tem independência política. “É preciso ver o que é independência. Escrevo sem amarras e identifico a fonte das informações. Não estou preso a político, nem ao Governo do Estado. O vínculo que há são os anúncios publicitários; somos uma empresa e vivemos de propaganda”, respondeu.

Segundo ele, o prefeito da cidade não lhe dá entrevistas nem permite a distribuição na Prefeitura. “Só ficam com um jornal para constar no arquivo.” Baía disse ainda que o relacionamento não se deteriorou em razão de alguma reportagem em especial. “Não houve um assunto especifico. Nós incomodamos e pronto. Recebemos denúncias e cumprimos nosso papel.”

Ele disse já ter recebido ameaças anônimas em razão das outras denúncias, mas que nenhuma delas se concretizou. “É difícil enfrentar o trabuco e fazer jornalismo. Quem faz jornalismo sofre ameaças. É o nosso dia a dia.” Indagado sobre a eficácia da Lei de Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a fornecer informações à imprensa, disse que ela não é cumprida na região. “Estamos em Alagoas; aqui tudo é mais difícil. Para obter informações de algumas áreas, só por meio do Ministério Público.”

Releases

O Alagoas Agora é o oposto do Jornal de Arapiraca e, a rigor, não faz jornalismo, embora exiba o preço de R$ 2 no alto da primeira página. Ele se chamava Alagoas em Tempo e trocou de nome no início de 2018. O conteúdo é composto, na quase totalidade, de releases produzidos por órgãos públicos e por entidades empresariais com as quais tem acordo publicitário.

De 30 textos publicados na edição de 27 de agosto, 20 eram releases da Assembleia Legislativa, do Governo Estadual, das federações da indústria e do comércio, de prefeituras e câmaras municipais, reproduzidos na íntegra ou com algum acréscimo da redação. Os textos, inclusive, eram assinados como Ascom (Assessoria de Comunicação). O noticiário esportivo e policial provinha de agências de notícias. Artigos e uma coluna social completavam o conteúdo.

A primeira página destacava quatro releases de prefeituras – com fotos dos respectivos prefeitos de Girau do Ponciano, Teotônio Vilela, Taquarana e Craíbas – e a seguinte chamada sobre o governador Renan Calheiros Filho (MDB), que disputava a reeleição: “Renan faz comparação entre o passado e o futuro de Alagoas”. O texto interno era assinado pela assessoria de comunicação do Governo Estadual.

O expediente do Alagoas Agora não traz o nome do proprietário do impresso, e os telefones de contato não atenderam às mais de 20 ligações feitas pelo Observatório da Imprensa. O endereço em Arapiraca citado no expediente tampouco foi localizado por mim ou pela videorrepórter Ana Terra Athayde.

Depois de nossa visita à região, soubemos da existência de um jornal com periodicidade irregular, O Dia Agreste, que não tinha sido mencionado pelas prefeituras nem pelos jornalistas de Arapiraca e de Palmeira dos Índios. Foi lançado em Arapiraca em outubro de 2017 e pertence a O Dia Alagoas, de Maceió.

Tribuna do Sertão

O semanário Tribuna do Sertão, como seus congêneres de Arapiraca, é parcial na cobertura dos assuntos políticos. Na campanha eleitoral, apoiou a reeleição do governador Renan Calheiros Filho e do senador Renan Calheiros, ambos do MDB. A edição de 27 de agosto exibiu na primeira página uma charge de Fernando Collor (então candidato ao governo) e seus companheiros de chapa ao Senado – Benedito de Lira (PP) e Rodrigo Cunha (PSDB) –, retratados como lobos. Duas páginas internas listavam acusações contra os dois sem apresentar as versões deles.

Três semanas depois, quando Collor já havia desistido da eleição, o jornal publicou nova manchete em favor do governador Calheiros Filho e contra Rodrigo Cunha: “Candidato tucano ao Senado ataca o governo com críticas vazias”. Os dois textos foram assinados pela redação.

O prédio do semanário destaca-se no centro histórico de Palmeira dos Índios pelo cactus –planta-símbolo do sertão e da resistência do nordestino – pintado na fachada. No hall de entrada, há uma coleção de fotos e de estátuas dos personagens que fizeram a história do município. Lá estão as figuras de Graciliano Ramos – que foi prefeito da cidade de 1928 a 1930 –, do senador Tenório Cavalcante, fundador do jornal A Luta Democrática com sua metralhadora Lurdinha, do ator Jofre Soares e de Lampião e Maria Bonita, que passaram pela região, além de objetos dos índios xucurus, que habitam o município.

Estive no jornal no dia 31 de agosto, quando o proprietário, Vladimir Barros, e o diagramador fechavam a edição que começaria a ser distribuída no dia seguinte. Surpreendi-me com a redação bem equipada, mas vazia. Os textos dos colaboradores chegam pela internet, o que explica a redação vazia no dia do fechamento.

Valorização da memória

À parte do engajamento político e da publicação de releases, o jornal esforça-se em valorizar a cultura e a história locais. A edição de 28 de julho, por exemplo, deu manchete para os 80 anos da execução do bando de Lampião pela polícia volante alagoana, com reconstituição dos fatos.

O jornal tem formato Berliner (um pouco maior do que o tabloide), é impresso na gráfica do Jornal do Commércio, em Recife, e tem preço de capa de R$ 3. Segundo Barros, a tiragem varia de 6 mil a 8 mil exemplares e 40% vão para órgãos públicos, com os quais tem parceria publicitária. Os demais leitores são assinantes da classe média, empresários e políticos.

“Fazemos um jornal atemporal. Tentamos produzir matérias sem o hoje e sem o ontem, que possam ser lidas a qualquer momento”, explicou. “Se publicarmos o que já foi mostrado pela TV e pela internet, não teremos leitores.”

O principal anunciante é a Prefeitura de Palmeira dos Índios. Na edição de 27 de agosto, de um total de 12 páginas, uma era anúncio do município. Os demais anunciantes eram Sebrae, Fecomércio, Unimed e uma academia de ginástica.

Indagado se a Tribuna do Sertão faz matérias críticas à Prefeitura, Barros respondeu: “Sim, quando há algo relevante a ser denunciado – não por picuinha – e acompanhada da resposta do gestor municipal”.

Na contramão dos que apregoam o fim próximo da imprensa escrita em Alagoas, a Tribuna do Sertão diz que fatura o suficiente para cobrir seus custos e que tem fôlego para sobreviver por muitos anos. Barros não informou seu faturamento, mas o custo do jornal é pequeno, porque os colaboradores não são remunerados. Ele próprio tem outras fontes de renda: é advogado e auditor do Município.

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Elvira Lobato (texto) e Ana Terra Athayde (vídeo) enviadas especiais do OI à Arapiraca e Palmeira dos Índios.