Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Digital reduz desertos de notícias no Nordeste

(Foto: Atlas da Notícia)

  • Blogs e veículos nativos de redes sociais ajudaram a preencher vazios noticiosos na região
  • Redução de desertos de notícias não significa, necessariamente, melhor qualidade da cobertura jornalística
  • Facebook e WhatsApp são as redes sociais mais utilizadas por projetos de jornalismo no Nordeste

 

Em um território diverso como o Nordeste — com mais estados e municípios do que qualquer outra região do país — os modos de produção e de disseminação dos conteúdos jornalísticos se transformam de forma igualmente heterogênea. Enquanto a convergência para plataformas digitais, por si só, não tem sido suficiente para garantir a sustentabilidade financeira de grandes empresas de mídia, geralmente sediadas nas capitais, a internet segue abrindo novas frentes de financiamento e de modelos de negócios nativos digitais, que ganham relevância na cobertura local, dentro e fora dos grandes centros urbanos.

Dos 2.402 veículos jornalísticos mapeados no Nordeste, nesta edição do Atlas da Notícia, 1.043 são online. Isso representa 43% do total. Na última edição da pesquisa, a representatividade era de 22%. As rádios são 39% (946) da amostra atual; as TVs, 8,5% (205) e os impressos, 8,6% (208). O avanço do digital na região é impulsionado, em boa parcela, por blogs e/ou nativos de redes sociais, ou seja, veículos que existem apenas em plataformas como Instagram, YouTube e Facebook. Essas páginas noticiosas, com produção própria, passaram a ser contabilizados na categoria online a partir de 2019 e representam 57% (599) das iniciativas online nordestinas mapeadas agora.

O resultado online considera podcasts jornalísticos, como o recifense Podcast 45 Minutos, sobre jornalismo esportivo, que faz uma cobertura regional do futebol. Também abrange as TVs Web, a exemplo da Olha Pititinga!, um projeto que começou como um jornal impresso de edição diária no município de Cachoeira, na Bahia, a 120 quilômetros de Salvador.

Parte dos blogs e veículos nativos das redes sociais foram mapeados em municípios antes classificados como desertos de notícias, ou seja, localidades onde não havia registro de jornalismo local. Com o incremento da base de dados, o Nordeste deixou de ser a região com maior proporção de desertos de notícias do país, posto agora ocupado pela região Norte (69,8%). Ainda assim, o cenário em relação à cobertura local continua preocupante porque o Nordeste segue sendo a região com maior quantidade absoluta de desertos de notícias — 1.189 dos 1.794 municípios. Isso representa 66,3% dos municípios nordestinos.

O Rio Grande do Norte é o estado com maior proporção de desertos de notícias (85,6%). Em 143 dos 167 municípios potiguares não encontramos iniciativas jornalísticas que atendiam aos critérios da pesquisa. Na capital, Natal, mapeamos 51 veículos jornalísticos. No estado como um todo, 112 iniciativas. Piauí (79%) e Sergipe (72%) estão em segundo e terceiro lugar, respectivamente, no ranking de estados com maiores proporções de desertos de notícias da região.

De modo geral, os estados nordestinos representam 18,3% dos veículos jornalísticos brasileiros mapeados pelo Atlas da Notícia. Entre as capitais nordestinas, São Luís, no Maranhão, apresentou a maior quantidade de veículos jornalísticos registrados (127), com presença marcante de blogs, geralmente tocados por uma pessoa ou por uma equipe pequena de até cinco colaboradores. Também são exemplos de veículos online mapeados em São Luís o site de mídia alternativa Agência Tambor, que faz uma cobertura focada em direitos humanos e tem um podcast, chamado de TamborCast. Maceió (AL), Fortaleza (CE) e Recife (PE) foram as três capitais com maior quantidade de veículos jornalísticos mapeados. No caso de Maceió, vale lembrar da criação de vários veículos de mídia independente no estado a partir de 2019, depois de uma greve de jornalistas, como apontamos no relatório da edição anterior da pesquisa.

Quase desertos

Embora o tamanho dos desertos de notícias tenha sido reduzido no Nordeste, é importante observar que muitos desses municípios são “quase desertos”, ou seja, lugares onde foram mapeados apenas um ou dois veículos jornalísticos. Ao todo, 395 dos municípios nordestinos foram classificados como quase desertos, um quantitativo que mostra a fragilidade da cobertura local, considerando que esses municípios podem facilmente se tornar desertos novamente. Também porque a concorrência entre vários veículos tende a melhorar a própria qualidade da produção de notícias.

Norte e Nordeste continuam sendo as regiões com maiores concentrações de vazios de cobertura local. Embora o foco da pesquisa do Atlas da Notícia seja quantitativo, cabe relacionar o resultado com as desigualdades socioeconômicas do território brasileiro e a evidente concentração de iniciativas no Sul e no Sudeste — centros de poder da mídia no país, onde estão sediadas redações de prestígio nacional que ainda pautam a própria noção de regional e local no jornalismo brasileiro.

Ainda sobre o preenchimento dos vazios jornalísticos no Nordeste, observado nesta edição, uma das hipóteses que explica o aumento no registro de veículos é a própria identificação dos desertos de notícias pela pesquisa. Ou seja, ao apontar a ausência da cobertura local, o mapeamento se tornou catalisador para o surgimento de novos veículos. Um exemplo é o portal O Pedreirense, no município de Pedreiras, no Maranhão. O veículo que se propõe a “realizar uma cobertura jornalística diária para a região do Médio Mearim (envolvendo 16 municípios)”, foi criado — como contou um dos seus idealizadores à equipe do Atlas da Notícia — a partir da identificação de Pedreiras como um deserto de notícias no Nordeste.

A outra explicação é o amadurecimento da pesquisa, que vem robustecendo seu levantamento. A partir de 2019, por exemplo, passamos a classificar blogs individuais de notícias e projetos nativos de redes sociais como iniciativas de jornalismo online. Ou seja, a cada edição, o Atlas da Notícia entrega um mapeamento mais refinado do jornalismo local no Brasil.

Redução de desertos não significa qualidade da cobertura local

A redução proporcional de desertos de notícias no Nordeste do país não significa, necessariamente, uma melhor qualidade da cobertura local. Embora critérios como produção original e periodicidade sejam observados para a classificação dos veículos noticiosos, pela equipe do Atlas da Notícia, a qualidade do conteúdo não é objeto central da pesquisa.

Mesmo assim, pontuamos algumas percepções ao longo do trabalho. A cobertura local fora dos grandes centros urbanos muitas vezes se concentra no noticiário policial e político, sobretudo nos blogs e nos veículos nativos de redes sociais. Um exemplo é o Laranjeiras 24 horas, uma página no Facebook que cobre o município de Laranjeiras, em Sergipe.

A personificação dos projetos jornalísticos também é comum. Blogs que levam os nomes dos seus criadores geram identificação para o público local e legitimam o veículo, ligado a uma pessoa que tem a confiança da comunidade. Por outro lado, interesses pessoais podem ser questionados, tendo em vista que alguns desses veículos são patrocinados por prefeituras e/ou políticos locais. Há casos onde o prestígio de comunicador serve como plataforma de lançamento de sua candidatura a cargos públicos.

As fontes de receita e os modelos de financiamento também merecem atenção. Notícias pagas e publieditoriais nem sempre são publicadas com uma indicação clara de que o conteúdo é patrocinado. Em portais, sites e blogs, a publicidade por banners é recorrente.

Quanto à presença nas redes sociais, no Nordeste, 7,5% dos veículos jornalísticos estão no Facebook. A segunda rede social mais utilizada é o WhatsApp (6,8%). A plataforma de troca de mensagens serve tanto para disseminação de notícias como para comunicação com o público. Ou seja, o WhatsApp funciona também como um canal para colher informações da população, como denúncias. Twitter e Instagram são usados por 2% e 2,6% das iniciativas e o YouTube por 1,9% dos projetos.

Ainda foi possível observar a presença de “centros regionais” nos estados, que se estabelecem como regiões jornalísticas. São cidades de médio porte a partir das quais se tenta cobrir assuntos de municípios menores do entorno, embora nem sempre o veículo tenha uma estrutura adequada para a apuração em outros territórios, como equipes e equipamentos. O Fala Cajazeiras, por exemplo, é um do portal com notícias de Cajazeiras, sétimo município mais populoso da Paraíba, e dos municípios próximos.

O noticiário estadual, nacional e até internacional divide espaço com notícias sobre o município ou sobre uma região específica em veículos como a Folha de Condeúba, na Bahia. Assim como acontece nas redações de maior porte, os editores dos veículos aproximam seus leitores de fatos que ocorrem fora dos seus limites geográficos. Se tornam assim, além de produtores de notícias, curadores de fatos e conteúdos que julgam relevantes para a audiência.

Impactos da pandemia

No Nordeste, a pandemia impactou a circulação de jornais impressos e o funcionamento de redações. Mais antigo jornal em circulação da América Latina, o Diario de Pernambuco, sediado no Recife (PE), suspendeu as edições em papel em maio de 2020, em virtude da crise do coronavírus. A versão impressa voltou em junho, em formato “berlinense”, pouco maior do que um tablóide.

Em Itabuna, na Bahia, o jornal A Região, também suspendeu a circulação em papel por algumas semanas em 2020, mas continuou com edições diárias do seu site, mantido por quatro funcionários e quatro colaboradores. As edições semanais impressas já voltaram a circular este ano.

Levantamento colaborativo

O mapeamento do Atlas da Notícia é construído com a participação de voluntários em todos os estados do país. São, em grande parte, docentes, pesquisadores e estudantes de jornalismo. Apesar das dificuldades impostas pela pandemia, que impactou inclusive os calendários de instituições de ensino, mais de 30 voluntários dedicaram horas de trabalho, ao longo de meses, para as atividades do Atlas da Notícia no Nordeste. Muitos deles são professores e alunos de universidades públicas nordestinas como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que tem mantido forte engajamento com a pesquisa do Atlas da Notícia através da professora Ivanise Andrade; a Universidade Federal do Maranhão (UFMA); a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), além do Centro Universitário AESO Barros Melo, no Recife, que é uma instituição privada, onde destacamos a colaboração das estudantes do curso de Jornalismo e da professora Nataly Queiroz. Nossos agradecimentos aos voluntários do Atlas da Notícia 4.0 no Nordeste.

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Mariama Correia é jornalista formada na Universidade Católica de Pernambuco e pós-graduada na Universidade Federal de Pernambuco. Trabalha como repórter e pesquisa jornalismo no Nordeste pelo Atlas da Notícia.

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Colaboradores

Colaboraram na quarta edição do Atlas da Notícia os seguintes voluntários:

Géssika Aline Lima da Costa
Jordana Fonseca Barros
Jaciela Nayara Cordeiro de Arruda
Daniela Batista
José Enrique Matos Martinez
Yasmin Souza de Oliveira Valladares
Luana Lisboa Teixeira
Anderson Luis Bispo Dos Santos
Rodrigo Beitencourt Sousa
Gleyce Kelle Santos do Nascimento
Verena Mendonça Veloso Nascimento
Raquel Martins Cardoso Da Silva
Wyldiany Oliveira dos Santos
Nícolas Nunes Barbosa
Rafaela Lima Marqyes
Lorena Lacerda Lima
Juliana Silva de Oliveira
Roberto Alfredo Peixoto de Mendonça
Ana Carolina Faria Pedreira de Cerqueira
Estela Marques
Maria Beatriz Pacheco de Menezes Rios
Marta Thaís Alencar Cosme
Brenda Bertoldo Cardoso
Lourice Evelyn Rocha de Sousa Silva
Maria Clara de Melo Gomes
Júlia Borges Lobo
Deivide Eduardo de Souza Gomes
Geovana Oliveira Camargo Santos
Daniel Felipe de Oliveira Leal
João Claudio de Santana Guerra
João Marcelo Souza de Azevedo Bispo
Luiza Santos Gonçalves
Ícaro Lima da Silva
Ivanise Andrade
Nataly Queiroz

Com o apoio das seguintes instituições:

Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Universidade Federal do Piauí (UFPI) Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Centro Universitário AESO Barros Melo (Pernambuco)