Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Noticiário “hiperlocal” dá fôlego ao Grupo Sinos

Em 16 de abril de 2019, enquanto os principais jornais do mundo davam destaque para o incêndio da Catedral de Notre-Dame, o Jornal NH, de Novo Hamburgo, estampou na capa a foto da menina Luiza Barbosa, finalista do concurso The Voice Kids, da TV Globo. Moradora de Sapiranga — um dos municípios da área de abrangência do jornal —, a cantora mirim virou celebridade no Vale do Rio Sinos e desfilou em carro dos bombeiros em sua cidade após a classificação.

O NH é o principal veículo de comunicação do Grupo Sinos, que edita mais quatro diários impressos no interior do Rio Grande do Sul — Jornal VS (de São Leopoldo), Diário de Canoas, Correio de Gravataí e o Diário de Cachoeirinha. O grupo publica também o dominical ABC, o semanário Jornal de Gramado e o quinzenal Exclusivo, este voltado para a indústria de calçados.

Circulação atual dos jornais do Grupo Sinos

Líder no chamado jornalismo hiperlocal, focado em temas comunitários e com fortes vínculos com seu leitorado, o NH teve média de 48 mil assinantes no primeiro trimestre de 2019, segundo o IVC (Instituto Verificador de Comunicação), que audita a circulação dos principais jornais do país. A circulação atual informada no site da empresa é de 50 mil.

No mesmo 16 de abril, o jornal VS, de 15 mil assinantes, destacou na capa o movimento contra a prostituição no centro de São Leopoldo, enquanto o Diário de Canoas (7 mil assinantes) deu manchete para o incêndio que se alastrou sobre o aterro sanitário do município, quase ao mesmo tempo em que as chamas consumiam o templo católico em Paris.

Os três jornais deram pouco espaço na primeira página ao incêndio da Notre-Dame por entender que seus leitores já estariam devidamente informados sobre o fato pela internet, televisão ou rádio quando recebessem seus exemplares em casa. O Diário de Cachoeirinha e o Correio de Gravataí sequer mencionaram o acidente na primeira página.

O Grupo Sinos cresceu e se mantém há 62 anos convicto de que a fórmula para a sobrevivência da imprensa escrita do interior está na prioridade absoluta para os assuntos locais. “Nosso foco é hiperlocal. Entre uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara dos Vereadores e uma CPI no Congresso Nacional, a primeira é mais importante para nós”, diz Jeison Rodrigues, editor-chefe do grupo. “Cobrimos o que os grandes jornais ignoram, mas que é importante para a comunidade local. Por isso, temos leitores fiéis.”

O artesão aposentado Antônio Gomes Regra Filho, de 77 anos, assina o NH desde que foi criado, há 60 anos. “O jornal faz parte das nossas vidas. Lemos tudo, todos os dias”, diz, referindo-se ao hábito que compartilha com a mulher, Rita Gomes Regra, de 78 anos, ambos descendentes de alemães.

O casal foi entrevistado pelo jornal numa edição especial em dezembro do ano passado por uma razão surpreendente: eles acabaram de renovar a assinatura por mais dez anos. Sim, o NH tem plano de assinatura por dez anos e o aposentado assinou a dele pela sexta vez. Com a leitura assegurada até 2028, declarou que espera poder renovar pois mais dez quando a atual se esgotar.

Um em cada nove moradores de Novo Hamburgo é assinante do NH, no que é considerado um dos maiores índices de assinatura entre os jornais brasileiros. Ele tem 22 mil assinantes na sua cidade sede, que possui 246 mil moradores – os outros 25 mil assinantes estão em municípios vizinhos.

Para se ter um parâmetro de comparação, a Folha de S.Paulo ou o Estado de S.Paulo teriam que vender 1 milhão de exemplares na capital paulista para atingir o índice do NH em Novo Hamburgo. Já O Globo teria que vender 600 mil na cidade do Rio de Janeiro. Segundo o IVC, O Globo foi maior jornal do país – com média de 317 mil assinantes, no primeiro trimestre do ano, somando impresso e digital –, enquanto a Folha ficou em segundo, com 312.418 assinantes, e o Estadão em terceiro, com 243.136.

O NH é o maior jornal do interior do Rio Grande do Sul em número de assinantes. É também o maior diário brasileiro baseado fora das capitais. Segundo a empresa, 98% dos leitores são assinantes e só 2% dos exemplares são vendidos em banca. Mas o jornal também tem sofrido a evasão dos leitores do jornal impresso, assim como os demais grupos de comunicação. A quantidade total de assinantes se manteve relativamente estável nos últimos anos, mas houve uma erosão financeira com a migração de leitores para o digital, cuja assinatura é mais barata. Apesar da crise, o grupo informou ter obtido lucro de R$ 1,7 milhão no ano passado.

“Continuamos operando com resultado no verde [positivo]. Muito pequeno, é verdade, mas sem financiamentos nem dívidas. Em 62 anos, nunca atrasamos salários e há 40 anos pagamos rigorosamente em dia os compromissos com fornecedores e com o governo,” diz Mário Alberto Gusmão, presidente do Conselho de Acionistas e fundador do Grupo Sinos. “Nossa estratégia é a mesma válida para as famílias: nas épocas boas, guardar recursos para as eventuais dificuldades; e no dia a dia ter austeridade e gastar menos do que se ganha.”

Segundo ele, a saúde financeira é fundamental para a independência dos meios de comunicação: “Um jornal fragilizado fica exposto a abrir flancos para negociação em sua linha editorial, o que é mortal para o cumprimento de sua missão.”

Dados do IVC mostram a extensão da mudança no perfil das vendas do NH nos últimos anos. No primeiro trimestre de 2014, ele tinha 39.645 assinantes, dos quais apenas 904 no digital. Cinco anos depois, no primeiro trimestre de 2019, a média de assinantes subira para um total de 47.925 mil (21% de crescimento), porém mais da metade deles (51%) havia migrado para o digital. O impresso perdeu 15 mil assinantes nesse período. O movimento foi semelhante ao registrado nos grandes jornais nacionais.

Anos dourados

Para entender como o NH manteve sua importância regional em meio à longa crise econômica que atinge o país e a da própria mídia, o Observatório da Imprensa foi ao Vale do Sinos, entre os dias 7 e 10 de abril, e entrevistou dirigentes e jornalistas da empresa, além de dos pequenos semanários concorrentes do jornal em Novo Hamburgo.

A primeira coisa que se nota ao chegar à sede do Grupo é o orgulho de sua história. O jornal funciona em um prédio moderno, mas ao lado da redação estão expostos sobre pedestais antigas máquinas de escrever, câmeras fotográficas, telefones, equipamentos gráficos e até um telex que foram usados nas primeiras décadas do jornal.

O Grupo Sinos foi fundado pelos irmãos Mário Alberto e Paulo Sérgio Gusmão. Em 1957, ainda muito jovens, fundaram o jornal SL, na vizinha São Leopoldo. Ele deixou de circular após a implantação do NH, mas foi relançado em 1964 com o nome atual, VS, e é o segundo em faturamento do grupo

Quando o NH foi criado, a indústria de calçados sulista dava então os primeiros passos para entrar no mercado internacional. Do início dos anos 1970 até o final da década de 1990, o Vale dos Sinos foi um grande polo de exportação, desbancando então a Itália da liderança. Naqueles tempos de fartura, Novo Hamburgo era apelidada de “capital do Ford Galaxie”, tal a proporção de veículos de luxo na cidade.

“O NH ganhou musculatura nos anos dourados da exportação,” diz Carlos Eduardo Gusmão, filho de Mário Alberto. No ambiente de trabalho, ele refere-se ao pai como “senhor Mário”. Aos 83 anos, o fundador está afastado das funções executivas e preside o Conselho de Acionistas, mas continua a dar expediente na empresa. É um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair. O outro fundador, Paulo Sérgio, já é falecido. Quatro filhos dos fundadores comandam o negócio nos dias atuais.

Engajamento na comunidade

Na receita bem-sucedida do grupo, há outro ingrediente fundamental além do noticiário focado nos assuntos locais: o engajamento nos grandes projetos de desenvolvimento do Vale do Sinos (o nome é uma referência ao Rio Sinos, que passa na região). As principais conquistas de Novo Hamburgo nas últimas cinco décadas estão diretamente associadas ao jornal, que se envolveu editorialmente e até liderou muitas delas, ao lado de empresários e lideranças políticas locais.

Esse envolvimento começou ainda nos anos 1960, com as campanhas para construção do pavilhão da Fenac (Feira Nacional de Calçados, da qual Mário Gusmão foi presidente), a criação da Universidade Feevale e a implantação da central telefônica automática, que permitiu que as ligações interurbanas passassem a ser feitas sem auxílio da telefonista. Depois vieram as campanhas para a municipalização do serviço de água e a extensão do Trensurb, uma linha de trens urbanos, entre outras. Uma das bandeiras atuais do NH é a construção de um aeroporto internacional em Novo Hamburgo.

A campanha de maior impacto foi a da construção da rodovia BR-448, que encurtou o prazo de viagem entre Novo Hamburgo e Porto Alegre ao aliviar o trânsito da BR-116. Jeison Rodrigues, editor-chefe do NH, foi o repórter oficial da campanha. Ele conta que cobriu “centenas” de reuniões, muitas delas nas dependências do jornal. “É isso que diferencia o Grupo Sinos. A comunidade vê que ele não se limita a noticiar os fatos, mas também age dentro de suas possibilidades. O jornal não tem poder para decidir se uma estrada será realizada ou não, mas temos respaldo da população para exigir que ela seja feita,” diz Rodrigues.

A campanha da BR-448 começou em 2000, quando Gusmão e as principais lideranças políticas do Vale do Sinos procuraram o então ministro dos Transportes, o gaúcho Eliseu Padilha. Anos depois, ela acabou incluída no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e foi inaugurada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2014. A viagem de carro entre Novo Hamburgo e Porto Alegre, que durava até quatro horas, passou a ser feita em pouco mais de meia hora.

Em 2017, o Grupo Sinos comemorou 60 anos de existência (contados a partir da criação do primeiro jornal, em São Leopoldo) e publicou uma edição sobre 58 ações comunitárias nas quais se engajou desde então, lançando ainda mais duas: “Educação em primeiro lugar”, para que todos os municípios do Vale alcancem as metas do Ideb (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico) até 2024, quando se comemoram dois séculos da imigração alemã, e o programa de estímulo à música.

Investimentos

O grupo foi se expandindo no ritmo da economia local. Em 1969, lançou o jornal Exclusivo, voltado para a indústria de calçados, que tem circulação nacional e tiragem de 10 mil exemplares. Quatro anos depois, criou a revista Lançamentos, também destinada ao setor calçadista. Em 1992, fundou o Diário de Canoas e, em 1995, lançou o ABC Domingo, que se tornou a edição dominical única de todos os jornais do grupo.

Com o caixa então folgado pelo boom calçadista, passou a fazer constantes investimentos em tecnologia. A página da empresa na internet é pródiga em referências ao pioneirismo do grupo neste campo: introduziu computadores na redação em 1995; inaugurou o sistema de fotocomposição em 1998; foi o primeiro a transmitir uma reportagem ao vivo pelo celular — com a tecnologia 3G — em 2008.

Mas com a eclosão da guerra fiscal, marcada pela concessão de incentivos na cobrança de impostos estaduais, a partir da década de 1980, o Vale do Sinos começou a perder a liderança na produção de calçados no Brasil. Como resultado da agressiva política de estados nordestinos, a região Sul responde atualmente por 23,7% da produção total de calçados no Brasil, enquanto o Nordeste concentra 51,5%. Anos depois ocorreu a segunda hecatombe: a invasão chinesa no mercado internacional de calçados. Mas Novo Hamburgo ainda mantém a fama de ser a “capital do calçado.”

“A cidade mudou de perfil e tornou-se um centro de serviços. A inteligência da produção de calçados, as entidades empresariais do setor calçadista e a produção de matéria-prima para confecção do calçado permanecem no município,” diz o diretor da Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Marco Aurélio Kirsch. Segundo ele, o Jornal NH participou ativamente das discussões quando o modelo exportador do Vale do Sinos foi posto em xeque pela China.

Tropeço

Nem todos os projetos do grupo foram bem-sucedidos. Em 1985, o Grupo Sinos lançou o diário O Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, para concorrer com o Zero Hora. Tancredo Neves, recém-eleito presidente, estava hospitalizado, mas não se tinha dimensão da gravidade da doença e a posse dele era aguardada com expectativa pela mídia.

No dia 4 de março de 1985, O Estado do Rio Grande do Sul chegou às bancas com uma manchete pra lá de otimista: “Surge um programa para salvar o Rio Grande.” O editorial na primeira página exalava confiança: “Um ato de fé no futuro.” Os 40 mil exemplares da primeira edição foram vendidos em poucas horas.

Mas o projeto naufragou no 12º dia por problemas técnicos. A redação ficava em Porto Alegre e ele era impresso na gráfica do NH, em Novo Hamburgo. A transmissão de dados pela rede telefônica não funcionou. Os demais jornais do grupo foram prejudicados por causa dos atrasos no novo jornal. Para evitar um dano maior, Mário Gusmão encerrou o projeto.

Confira também a entrevista com Carlos Eduardo Gusmão, presidente do Conselho de Administração do Sinos.

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Elvira Lobato é jornalista.