Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Seis em cada dez municípios brasileiros não dispõem de informação jornalística local

A terceira pesquisa do Atlas da Notícia mapeou 11.833 veículos jornalísticos em atuação no país. Este Brasil, visto de cima, mostra, no entanto, uma distribuição desigual dos veículos de comunicação por seus 5.570 municípios. O Atlas revela que, para cada dez municípios brasileiros, seis são desertos de notícias, ou seja, seus habitantes não dispõem de informação jornalística sobre o lugar onde vivem. Dos quatro restantes, outros dois são quase desertos, lugares servidos por até dois veículos de comunicação e com risco de se tornarem desertos. Essa é a realidade de 64,9 milhões de brasileiros.

O Atlas também pesquisou fechamentos de empresas jornalísticas e identificou 331 casos recentes, dos quais 195 – ou seis em cada dez – produziam jornalismo impresso.

A pesquisa realizada pelo Projor, em convênio com o Volt Data, mostra um quadro preocupante num momento em que o ambiente de informação está contaminado por desinformação e o ambiente político pela polarização. Os vazios informacionais detectados pelo Atlas são um desafio para o jornalismo, mas, sobretudo, um problema para a sociedade. É importante que a sociedade brasileira reflita sobre esses números, sobre os desertos e suas consequências, sobre os riscos da falta de um ambiente informativo saudável.

Em 3.487 municípios brasileiros não há informação local mediada por apuração jornalística. Isso quer dizer que 62,6% dos municípios em que haverá eleições para câmaras e prefeituras em 2020 dependem basicamente de versões oficiais, de segmentos organizados, igrejas e organizações da sociedade civil, ou de informações e conteúdos compartilhados por redes sociais, sejam elas digitais ou não.

Fomentar a atuação jornalística com base em princípios éticos e transparência – e que fiscalize o poder público para garantir informação de qualidade para os cidadãos de todos recantos do Brasil – é um desafio gigantesco. O mapeamento feito pelo Atlas da Notícia, cuja base estará disponível para consultas, também mostra alguns caminhos.

Um deles é o da oportunidade para criação de meios, organizações ou redes colaborativas que preencham a falta de informação local. Outro é conhecer a realidade dos que já atuam, produzindo jornalismo local sustentável, para entender suas opções e seus eventuais sucessos e fracassos.

Os meios que já atuam têm também coisas básicas a fazer. Dar mais transparência às informações institucionais é uma delas. Obter informações de contato com os meios mapeados tem sido um dos grandes desafios dos pesquisadores. Esses mesmos pontos são os utilizados pelas populações locais ou comunidades de interesses nos temas ou áreas de cobertura desses meios. A falta de conexão e de possibilidades de interação também cria desertos.

O Atlas da Notícia considera veículos locais publicações que produzem conteúdo original baseado em reportagem factual pelo menos quinzenalmente e de forma periódica.

A pesquisa para a terceira edição do Atlas da Notícia foi conduzida por Mariama Correia (Nordeste), Angela Werdemberg (Centro-Oeste), Jéssica Botelho (Norte), Dubes Sônego (Sudeste) e Marcelo Fontoura (Sul).

Dar continuidade às pesquisas é um outro modo de enfrentar a desertificação. Os dados agora reunidos pelos pesquisadores do Atlas da Notícia, com apoio de 193 colaboradores voluntários de escolas de jornalismo das cinco regiões do país, são uma base consistente para que pesquisadores de todo o Brasil possam orientar novas investigações. Esses dados permitirão detectar os caminhos trilhados mais recentemente pelo jornalismo e identificar necessidades das comunidades e oportunidades futuras que se abrem para os jornalistas profissionais no Brasil.

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Sérgio Lüdtke é jornalista com Master em Gestão de Negócios Jornalísticos pelo IICS/Universidade de Navarra e MBA em Marketing Digital pela FGV. Foi editor de livros, editor de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na revista Época (Grupo Globo). Coordenou o Master em Jornalismo Digital no ISE e o Digital Video Accelerator (Facebook / ICFJ). Como pesquisador, estuda novos meios jornalísticos digitais no Brasil. Atualmente, lidera a consultoria de mídia digital Interatores.com, é editor-chefe do Projeto Comprova, uma coalizão de 24 meios de comunicação para verificar conteúdo falso sobre políticas públicas e coordenador acadêmico dos cursos Abraji.