Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alan Gripp

‘Microfone ligado, os candidatos atacam os adversários e defendem suas propostas. Nada de novo, não fosse o palanque um canal público de televisão: a TV Alerj. Criada para divulgar o trabalho dos deputados da Assembléia Legislativa do Rio e com orçamento anual de R$ 3,9 milhões, a emissora transformou-se num poderoso instrumento de campanha para parlamentares não só do estado, mas também federais e até para o secretário estadual de Justiça, Sérgio Zveiter (PL), que deixou o governo para cuidar de sua candidatura à prefeitura de Niterói.

A campanha chegou à TV Alerj através dos programas de entrevista do canal (12 da Net), que não têm horário fixo para ir ao ar nem para serem reprisados (a TV não tem grade fixa). A corrida eleitoral é um tema introduzido nas gravações não somente por iniciativa dos candidatos, mas também em perguntas feitas pelos apresentadores. Trechos das entrevistas já foram reproduzidos no telejornal do canal, que, em pelo menos um caso, apresentou o candidato aos telespectadores.

‘O secretário de Justiça Sérgio Zveiter, candidato a prefeito de Niterói, disse nesta quarta-feira que já se considera no segundo turno das eleições’, disse a apresentadora na abertura do ‘Telejornal Alerj’.

TRE vê indícios de propaganda ilegal

Para o juiz Luiz Márcio Victor Alves Pereira, responsável pela fiscalização da propaganda eleitoral do Rio, as entrevistas podem configurar propaganda eleitoral ilegal. Ao ser informado pelo GLOBO sobre o conteúdo delas, o juiz afirmou que solicitará à Alerj cópias dos programas para apurar se a lei eleitoral foi desrespeitada.

— Este tipo de abordagem desvirtua a TV da sua finalidade original. Além disso, fere o princípio da igualdade, uma vez que nem todos os candidatos têm o mesmo espaço à sua disposição. Trata-se de uma TV pública, que extrapola os limites físicos da Alerj, dar tratamento privilegiado a alguns — diz Pereira.

O diretor-geral da TV Alerj, Eduardo Rocha, diz que a inclusão das campanhas eleitorais nos programas nunca foi decidida previamente, e que a abordagem é conseqüência das entrevistas. Rocha afirma ainda que o canal não privilegia qualquer candidato e que está aberta a todos os deputados estaduais e federais, senadores e secretários. O diretor citou como exemplo os candidatos a prefeito do Rio, que, segundo ele, foram convidados para entrevistas.

— A TV não segue uma corrente política, está aberta a todos os candidatos e a assuntos diversos — disse Rocha, que tinha um cargo no gabinete da presidência da Alerj antes de assumir a TV Alerj.

No programa ‘Debate-RJ’, exibido no fim de semana passado, a deputada estadual Graça Mattos, candidata do PMDB à prefeitura de São Gonçalo, não desperdiçou a oportunidade de atacar o seu principal adversário, o atual prefeito e candidato à reeleição, Henry Charles (PTB), que não foi ouvido para se defender.

— Uma pessoa fica 15 dias para fazer um raio x (em São Gonçalo), isso é uma brincadeira numa cidade governada por um médico (Henry Charles) — atacou ela.

Deputada ganha no ar convite para emprego

Entrevistada ao lado de Graça, a deputada peemedebista Aparecida Gama, que apóia a colega, não poupou elogios à candidata. Disse que Graça é uma pessoa séria e que seria uma revelação no Executivo. Em troca, recebeu o convite para um emprego:

— Se eu for prefeita, seria um grande prazer ter Aparecida na prefeitura — disse Graça Mattos.

Convidado do ‘Conversa política’, Zveiter defendeu sua campanha e procurou mostrar fidelidade aos líderes do PMDB no estado:

— Pedi voto em cada esquina para Leonardo Picciani (filho do presidente da Alerj, Jorge Picciani), Rosinha e Garotinho — afirmou Zveiter.

Moreira Franco, candidato do PMDB a prefeito de Niterói, também teve o seu espaço. Ele foi entrevistado no ‘Conexão Brasília’, um programa que recebe os deputados federais e que teve como primeiro convidado Leonardo Picciani (PMDB). Defenderam ainda suas candidaturas a prefeito dois peemedebistas: Washington Reis, candidato em Duque de Caxias; e Leandro Sampaio (Petrópolis). Além deles, foram entrevistados Dica (candidato do PFL em Caxias) e André Corrêa (candidato do PPS no Rio).

Os processos de propaganda irregular abertos pela Justiça eleitoral são encaminhados ao Ministério Público, que investiga os casos. Se a irregularidade for constatada, os veículos podem receber multas que variam de R$ 21 mil a R$ 106 mil. Os candidatos, se tiverem responsabilidade constatada, podem ser multados ou até terem os registros cassados.’



Chico de Gois e Lilian Christofoletti

‘Badalados, marqueteiros dão tom à disputa’, copyright Folha de S. Paulo, 11/7/04

‘Eles são os responsáveis pela embalagem do candidato. Preparam o político com enfeites, cores de tons vivos, arrumam o sorriso e assopram as palavras certas que devem ser ditas nos momentos mais incertos. Para uns, eles não têm alma. Para outros, são a verdadeira alma do negócio.

Conhecidos como marqueteiros, os publicitários que vão tratar das campanhas dos quatro primeiros colocados nas pesquisas eleitorais para a Prefeitura de São Paulo destoam em estilo, mas identificam-se na forma de ação: partir para a defesa de seus clientes, nem que isso signifique atacar o que já defenderam no passado.

Marcelo Teixeira, 54, que até setembro passado era um dos responsáveis pela divulgação dos programas da Prefeitura de São Paulo, terá agora, como publicitário de Paulo Maluf (PP), a tarefa de bater nesses mesmos programas e na gestão petista.

‘Sou profissional. E o que está em discussão não é a publicidade de Marta, mas o fato de a administração dela não ter sido aprovada pela população’, disse Teixeira, que participou da campanha de Marta em 1998, quando ela perdeu o governo de São Paulo para Mário Covas, e em 2000, quando a petista ganhou de Maluf e chegou à prefeitura.

Teixeira pretende resgatar antigos projetos malufistas como o Cingapura e o PAS (Plano de Atendimento à Saúde) e irá repetir o bordão desta campanha: ‘O bom prefeito está voltando’. De quebra, aproveitará para repetir que Maluf ‘não tem conta no exterior’ e é o político injustamente mais investigado no país.

Mais conhecido publicamente, Duda Mendonça, que trabalhará na candidatura de Marta Suplicy (PT), fez o caminho inverso de Teixeira. Entre as realizações que transformaram Duda em sobrenome de marqueteiro estão a eleição de Maluf a prefeito, em 1992, com o slogan ‘Amo São Paulo, voto Maluf’, e a de Celso Pitta, em 1996, com a proposta do Fura-Fila (ainda não concluído).

Como ajudou a eleger Maluf, Duda Mendonça também contribuiu para sua derrota ao criar a frase, lida pelo então prefeito no horário eleitoral, ‘vote no Pitta, e se ele não for um bom prefeito, nunca mais vote em mim’.

Desde que transformou Luiz Inácio Lula da Silva no ‘Lulinha Paz e Amor’, na corrida presidencial em 2002, tosando o ‘sapo barbudo’ identificado pelo ex-governador Leonel Brizola, Duda passou a ser visto como petista de carteirinha.

Nesta campanha, criou os slogans ‘Marta faz bem-feito’ e ‘Marta, uma mulher de coragem’. Com isso, quer imprimir um caráter de tocadora de obras e transformar o adjetivo ‘arrogante’ em ‘corajosa’.

‘Com qualidade’

A campanha de José Serra (PSDB) será feita pela agência Lua Branca Comunicação, criada neste ano a partir da GW Comunicação para se dedicar exclusivamente a marketing e assessoria políticos. O principal marqueteiro é o jornalista Luiz González, que trabalhou em diversas publicações e nas TVs Bandeirantes e Globo.

Avesso a badalações, González evita falar com a imprensa nem se permite fotografar. A GW mantém vários contratos com o governo do Estado de São Paulo.

Entre as campanhas tucanas que já realizou estão a de Mário Covas para governador, a de José Serra para o Senado (1994) e as de Geraldo Alckmin, para prefeito de São Paulo em 2000 e para governador em 2002. Também trabalhou para o prefeito Cassio Taniguchi (PFL-PR), em 1996 e 2000, e para Ulysses Guimarães na campanha presidencial de 1989.

Pelo PT, trabalhou apenas no segundo turno da campanha de Telma de Souza à Prefeitura de Santos, em 1996. Ela perdeu.

O programa de Serra vai tentar mostrar que o ex-ministro da Saúde administra ‘com qualidade’ e procurará deixar claro que o candidato ‘gosta e conhece a cidade’, ao contrário do que seus adversários espalham.

No comando da campanha de Luiza Erundina (PSB) a assessoria da candidata divulga que não haverá marqueteiro. A coordenação de comunicação será do jornalista Ivan Seixas, 49, quase um discípulo da candidata desde que ela foi eleita prefeita, em 1989. ‘A figura do marqueteiro não vai existir’, diz Seixas. ‘Ela não precisa ser produzida porque não será vendida como um produto.’

Desde 1989, Seixas acompanha Erundina em suas campanhas, mas sempre no papel de assessor. Ele diz que que a coordenação de comunicação estará ligada diretamente ao comando político da candidatura.

A propaganda do PSB deve realçar que Erundina ‘é a única prefeita da cidade’. Para isso, vai dizer que Marta tem aspirações para 2006 (ela já negou), assim como Serra, e Maluf ‘tem problemas com a Justiça’ (apesar de investigado por envio de dinheiro para o exterior, não tem condenação criminal e diz ser inocente das acusações).’



Marcus Barros Pinto

‘Carta aberta aos eleitores’, copyright Jornal do Brasil, 12/7/04

‘No dia 3 de outubro, um domingo, 120 milhões de brasileiros, ou 67% da população, estão aptos a eleger prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nos 5.561 municípios do país. Serão 400 mil candidatos a disputar cerca de 70 mil vagas.

Como cabe a nós, eleitores, arrumar emprego para 70 mil – e que emprego -, é preciso ter consciência antes de apertar o botão verde ‘confirma’ na urna eletrônica.

Quando sonhamos com um carro, logo imaginamos um modelo equipado com motor 1.6 para cima, freios ABS, air bag para motorista e passageiro no mínimo, além de vidros, retrovisores e trava das portas elétricos. Mas tecnologia embarcada tem um custo. Se queremos o melhor, é preciso pagar por isso.

Ao optar por um plano de saúde e ler as cláusulas incluídas nas letras miúdas, percebemos que a livre escolha de médicos ou hospitais, a cobertura de exames sofisticados e outros serviços elevam o preço da mensalidade. Por mais revoltados que fiquemos – uma vez que o Estado deveria oferecer aos cidadãos um serviço de saúde digno do público que o freqüenta -, pagamos para ter garantia de atendimento.

O mesmo se passa na escolha da escola dos filhos, da operadora de telefonia, da TV por assinatura e de outros produtos e serviços que compõem o dia-a-dia de uma parcela da população.

Quando se trata de voto, escolher o melhor candidato custa o mesmo que optar pelo pior deles. Não há diferença para o eleitor. O voto é gratuito. Portanto, é este o momento de escolher com rigor extremo, analisar dado por dado, comparar de todas as formas para que o nome seja alguém em quem realmente se acredite e se repute responsável.

Estamos cansados de saber que, embora gratuito, o voto às vezes custa muito caro para nós. Contabilizados malversação de verbas públicas, fraudes, corrupção, proliferação de benefícios em causa própria e outros ralos, o quanto temos sustentado de bandalheiras ultrapassa o limite do bom senso. Como dinheiro não é mato, muito menos o nosso, é bom que cada cidadão pense bem antes de eleger uns ou outros. Basta ser menos irresponsável na hora de votar.

Você sabe o nome do vereador em quem votou há quatro anos? Pois desta vez anote. E evite o voto na legenda. Embora legal, ele permite que entre na Câmara quem jamais deveria passar pela porta, tal a falta de formação ou a deformação. Para o Senado, vá lá. Para a Câmara dos Deputados, a lista de opções é mais restrita. Mas entre vereadores, ou o eleitor tem consciência do nome e sobrenome, além do partido, para cobrá-lo e fiscalizá-lo, ou continuará a dar emprego para inúteis ou, pior, gente sem moral para representar quem é decente.

No caso da parcela maior de brasileiros, que não pode se dar ao luxo das opções para o dia-a-dia descritas alguns parágrafos acima, é preciso que também exerça seu direito de opção. Se mais uma vez recebem aquele candidato que de quatro em quatro anos aparece fazendo promessas sem jamais realizar, esqueça. Se for alguém que instala uma bica d’água aqui, asfalta uma rua acolá e termina uma ponte mais adiante, que continue a ser eleito e cobrado das realizações. Pode ser chamado de clientelista, populista, mas de alguma forma atende aos anseios mínimos de determinada comunidade. Se cumpre um papel que deveria ser do Estado, o erro não está nele ou nos eleitores, mas na omissão de quem não cumpre o dever.

O direito do voto deve ser exercido com consciência, com a certeza de que se está determinando o futuro de uma cidade, de um Estado, de uma nação. Hoje a média de votos nulos ou em branco é mínima se comparada a índices verificados em eleições anteriores. Sinal de que o eleitor brasileiro cada vez mais tem noção do papel que exerce no processo político. Os mais céticos discordam, mas só assim se trilha o caminho da consolidação da democracia.

Recentemente, um empresário defendeu a tese de que para se atingir o chamado desenvolvimento sustentado é preciso atravessar um período de volatilidade e turbulências. Algo como a transição da infância para a vida adulta, que tem na adolescência o momento de mais intensas transformações.

A democracia brasileira está em plena juventude. Rebelde, voluntariosa, aprendiz, sacudida por hormônios de crescimento. Cabe a nós ajudá-la a optar pelo melhor caminho. Ainda que saibamos o quanto é difícil que nos ouça.’