Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Antônio Brasil

COBERTURA DE GUERRA

“No Iraque, a guerra das mídias já começou!”, copyright Comunique-se, 17/03/03

“Para Dan Rather, âncora da rede americana de TV CBS, a guerra no Iraque já começou. O problema agora é saber como será a cobertura jornalística, os índices de audiência, a duração do conflito, o número de vítimas e, o mais importante, o custo final para os cofres das emissoras de TV americanas. Afinal, elas já enfrentam uma grave crise econômica há algum tempo, mas nada melhor do que uma boa guerra contra um pequeno país, para garantir o interesse do público e o retorno triunfal de algumas velhas estrelas do jornalismo. Para os mais jovens, é um ótimo atalho para o sucesso imediato, com direito a prestígio profissional ou, quem sabe, pode ser uma boa oportunidade para garantir um ?televidão?.

Por outro lado, os militares americanos, os verdadeiros donos da festa, estão preocupados em conquistar a simpatia da mídia internacional para mais uma guerra polêmica e duvidosa. Mas, ao contrário de outras oportunidades, eles acenam com uma oferta irresistível. Garantem aos jornalistas a ?mãe de todas as coberturas jornalísticas?. Acesso privilegiado e seguro à frente de batalha para um número recorde de jornalistas. São os profissionais ?designados? por suas empresas de diversos países do mundo para conviverem com as unidades militares americanas.

Resta saber, no entanto, se a guerra no Iraque, além de já ter começado, se ela também já teria causado a sua primeira vítima: a verdade. Os jornalistas mais experientes e céticos afirmam que já ouviram essa história antes. Sabem que tudo vai depender do grau de sucesso ou do fracasso dos planos de guerra americanos. Também vai depender dos iraquianos. Apesar de serem coadjuvantes nesse show televisivo, eles prometem ?surpresas? de última hora. O Iraque pode resolver desafiar o roteiro estabelecido, a boa vontade dos militares e estragar a festa da TV americana.

De qualquer maneira, a moderna tática militar garante que é sempre melhor ter jornalistas designados e ?resignados? do que enfrentar a liberdade de alguns jornalistas soltos nos campos de batalha. É perigoso para os jornalistas, para os militares, e principalmente para o público. Eles não devem ser expostos à crueldade das imagens de uma guerra de verdade. O jornalismo independente estaria disposto a invadir o Iraque, enfrentar o poderio americano ou o desespero iraquiano em busca de notícias sem aceitar as restrições da censura militar. Infelizmente, muitos ?paraquedistas? em busca de notícias estarão, provavelmente, entre as primeiras vítimas da guerra.

Nesse cenário de incertezas, o jornalismo televisivo está diante de mais uma crise econômica e um desafio ético sem precedentes. Uma verdadeira encruzilhada entre a informação e a propaganda. A TV precisa do conflito para reverter o declínio da audiência, mas também precisa de um maior acesso às imagens que garantam a satisfação de um público cada vez mais exigente. Para quem freqüenta os cinemas com filmes de ação, as imagens inocentes dos últimos conflitos divulgadas pela velha TV foram frustrantes. A expectativa do público televisivo está limitada pela realidade, pela tecnologia e pelos custos. No entanto, a notícia, a ficção e os efeitos especiais nunca estiveram tão próximos. Aguardamos um embate entre o show de imagens de uma guerra virtual e o respeito aos princípios mais básicos do jornalismo. Questões fundamentais para o futuro da profissão como a objetividade, a isenção e o distanciamento, apesar de serem cada vez mais analisadas, discutidas e criticadas, nunca foram tão importantes e necessárias.

Esses princípios, provavelmente, continuarão sendo quase impossíveis de serem alcançados plenamente em um jornalismo com interesses profissionais e econômicos que se confundem com os objetivos militares e políticos.

Nos próximos dias estaremos diante de uma avalanche extraordinária de sons e imagens da cobertura de guerra das redes internacionais de TV como nunca vimos antes. Mais do que nunca precisamos estar atentos, principalmente ao que não será mostrado ou divulgado. A guerra do Iraque será antes de tudo uma luta pela supremacia das mídias em busca do coração e das mentes do público. Estamos diante do poderio de uma TV sob controle versus o caos e descontrole das informações na Internet. A guerra pode já ter começado mas ainda não conhecemos as suas conseqüências e os seus vencedores. Mas a verdade, a primeira vítima, com certeza, nunca foi tão necessária.”

 

“Mais um campeão de audiência”, copyright Folha de S. Paulo, 16/03/03

“ESQUEÇA as imagens estáticas e mudas em fundo preto e um suarento general Norman Schwarzkopf apontando para risquinhos ilegíveis e lousas de giz com um bastão, que foram a marca registrada da Guerra do Golfo, em 1991. Se, e quando, acontecer, a Guerra do Iraque vai ser antes de tudo um espetáculo montado para agradar às emissoras de TV norte-americanas -leia-se, o público médio do país, que é, em última análise, o que preocupa a Casa Branca. Acostume-se com esta imagem: o general Tommy Frank, com uma farda impecável, atrás de um pequeno púlpito, sobre um palco montado no Comando Central dos Estados Unidos, no Qatar. Atrás e ao redor dele, US$ 1,2 milhão em design e equipamento de última geração. Sobre um fundo cinza, um mapa-múndi eletrônico de 12 metros mostrará as últimas movimentações. Cinco TVs de plasma de 50 cm, dois telões de 70 cm e relógios digitais comporão o ambiente. Com ar condicionado, claro. Só o equipamento do palco onde serão dadas as entrevistas coletivas à imprensa custou US$ 250 mil e foi mandado ao Qatar por Fedex (mais US$ 47 mil de despesas de envio). O desenho ficou a cargo do cenógrafo hollywoodiano George Allison, que trabalhou em filmes B. O Pentágono fechou um hangar no pequeno país árabe que serve de base para as operações militares dos EUA, e ali está montando o centro de imagens que devem influenciar corações e mentes do mundo todo via emissoras de TV. ?Assim como a guerra, a mídia também mudou, e os militares têm de se adaptar aos novos tempos?, disse James Wilkinson, diretor de comunicações do Comando Central. ?O melhor é que saiu muito mais barato que uma única bomba?, completou o cenógrafo Allison.

Jornalistas

De seu lado, as principais emissoras norte-americanas também não estão fazendo por menos. Até agora, mil jornalistas já estão baseados no Qatar -diferentemente de 1991, Bagdá deve ficar em segundo plano para a imprensa americana, devido a problemas de segurança. ?Não é mais uma questão de ?se? acontecer o conflito, mas de ?quando?, afirmou Marcy McGinnis, vice-presidente de jornalismo da CBS, uma das cinco grandes dos EUA -as outras são ABC, NBC, Fox e, no cabo, CNN. Ela espera cobertura ininterrupta nas primeiras 24 a 72 horas que se seguirem à declaração de guerra. A rede planeja reportagens ao vivo ao longo do dia e programas mais longos no horário nobre, a exemplo da tática utilizada após o ataque de 11 de setembro de 2001, quando a cobertura se prolongou por quatro dias sem comerciais. Acontece que transmissão ininterrupta significa prejuízo. Se os EUA entrarem em guerra, estima-se que cada rede perca US$ 1 milhão por dia. Só a NBC calcula suas perdas em US$ 45 milhões. Na época do ataque às torres gêmeas, o prejuízo total das TVs chegou a US$ 1 bilhão. Mesmo assim, nenhuma delas quer ficar de fora, de olho no prestígio agregado pelo jornalismo televisivo em tempos de crises nacionais. Foi o que aconteceu com a CNN em 1991, quando saiu da Guerra do Golfo como potência por ter sido a única a continuar transmitindo de Bagdá mesmo depois dos bombardeios. Agora, a emissora de Atlanta não estará sozinha. Além da competição doméstica acirrada, principalmente com a conservadora Fox News, que a ultrapassou em audiência, terá de enfrentar a Al-Jazeera, do Qatar, a única a resistir em Cabul (Afeganistão) durante os ataques de 2002.

Equipamentos

A tecnologia também promete ser uma das estrelas do ?espetáculo?. Em menos de dez anos, o cenário de videofones com imagens sofríveis e satélites pesando toneladas deu lugar a equipamentos modernos.

Os satélites agora são portáteis e cabem numa valise, sem falar na praticidade das câmeras e monitores de alta definição e laptops com recursos de edição e telefones integrados. Toda a tecnologia, no entanto, não será recurso contra a censura.

Como a maior parte das emissoras terá o Pentágono como fonte única de informações, pode-se -e deve-se- esperar manipulações e meias-verdades. ?Duvido que a imagem de uma iraquiana carregando uma criança morta seja veiculada nos canais de TV dos EUA?, disse o jornalista e escritor Phillip Knightley.

Australiano, ele é ex-repórter do ?Sunday Times? e autor de ?The First Casualty? (A Primeira Vítima), sobre o declínio da reportagem de guerra independente. ?Num conflito como anuncia ser esse, a notícia morrerá na intenção?, afirmou.