Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ariel Palacios

‘‘Não quero reabrir feridas. Não quero falar.’ Desta forma, com tom vacilante e surpreso de ter sido descoberto, Larry Rohter, correspondente do New York Times no Cone Sul, declarou à imprensa brasileira na capital argentina que não pretendia mais tocar no escândalo que causou semanas atrás ao publicar uma reportagem na qual afirmava que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva consumia vasta quantidade de bebidas alcoólicas.

Rohter conversou com um grupo de jornalistas brasileiros pelo porteiro eletrônico de seu apartamento, na elegante Avenida Santa Fe, no centro de Buenos Aires. ‘Eu não estou fugindo’, disse Rohter, cujo paradeiro foi finalmente localizado após duas semanas fora do contato da imprensa.

Debate – Mesmo sepultado pelo governo e pelo próprio Rohter, o cancelamento do visto do jornalista após a publicação do artigo considerado ofensivo pelo presidente ainda é tema de debate. Para o senador e jornalista Hélio Costa (PMDB-MG) são atitudes ‘típicas de irresponsabilidade’ – tanto do repórter quanto do governo.

O senador participou do 4.º Seminário Internacional de Comunicação, em Brasília, promovido pelo Senado, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Unesco.

Foi discutida ainda a necessidade de um órgão regulador para a atuação da imprensa. ‘É necessário um órgão regulador, não para censurar, mas para defender o cidadão’, afirmou o jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, representante da ONG TVER. (Colaborou Neri Vitor Eich)’



Carlos Heitor Cony

‘Os Bocages de Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 19/05/04

‘Desconfio que já contei esta historinha meio sem graça, das muitas atribuídas ao poeta Bocage -depois de Camões, o maior sonetista da língua portuguesa. São casos geralmente obscenos, ou sujos na maioria das vezes, mas pelo menos um deles tem espantosa coincidência com o assunto mais importante da semana que passou.

Deu-se que, num banquete no Palácio Real, uma duquesa comeu demais e soltou um arroto considerado ‘bestial’, adjetivo que os portugueses até hoje dedicam aos grandes feitos. Evidente que a duquesa, ao contrário daquele poeta nacional que ficou pálido de espanto porque ouvia estrelas, ficou vermelha de vergonha.

Bocage estava sentado em frente à duquesa, condoeu-se de seu arroto e, para consertar o inconsertável, pediu desculpas em voz alta: ‘O arroto que a senhora duquesa deu não foi ela que deu, fui eu, peço perdão a todos!’.

Todos perdoaram não apenas o poeta, mas a duquesa, que ficou mais vermelha do que já estava. Para o resto de seus dias, passou a ser conhecida como a duquesa do Arroto, sua fama de mal-educada chegou às províncias e ao ultramar. Em sua tumba, num convento nas proximidades de Leiria, há uma lápide com o epitáfio: ‘A duquesa que arrotou diante do rei’.

Com o nosso presidente, que o ‘New York Times’ chamou de Da Silva, aconteceu coisa parecida. Que ele bebe, bebe, como muita gente boa, má ou mais ou menos bebe, uns mais, outros menos. O abstêmio mais notável do mundo moderno foi Hitler, que também não bebia, não fumava, não comia carnes brancas nem vermelhas e era politicamente correto em matéria alimentar, embora incorretíssimo em outros setores.

Longe de mim associar um tirano como Hitler ao nosso boa-praça Da Silva, ainda que num exemplo às avessas. Mas o paralelo com a Duquesa que Arrotou Diante do Rei não chega a ser forçado.

Agora, o que houve de Bocage desastrado nesse episódio não foi mole.’



Marcel Leal

‘Lula, el ditador latino’, copyright A Região( www.aregiao.com.br), 21/05/04

‘Primeiro foi o que parecia apenas uma gafe no dia mundial da liberdade de imprensa, quando o chefe da comunicação de Lula disse que os jornalistas deveriam dar apenas notícias boas.

Depois foi o próprio Lula, pedindo que só dessem notícias boas porque as más ‘repercutem lá fora’. Parecia apenas uma gafe. Não era.

Aquilo já era a ponta do iceberg do espírito ditatorial do governo Lula, louco para aflorar e crescer.

O Brasil levou um século para se livrar da pecha de ‘república das bananas’, de ditadura latina.

Conseguiu isso com o governo de Fernando Henrique, democrático, aberto e reconhecido por isso no mundo inteiro.

Hoje somos jogados de volta à vala nojenta das republiquetas latinas graças à decisão autoritária e ditatorial do presidente Lula, expulsando um jornalista estrangeiro porque não gostou do que ele escreveu.

Nem a ditadura militar tomou numa atitude destas, que só encontra paralelo na Cuba de Fidel, em Hugo Chaves e em ditadores da áfrica constantemente acusados de atentar contra o direito de opinião e de informar a população.

O mesmo princípio usado por Lula para expulsar o jornalista do New York Times, se levado ao extremo, é o que levou meu pai a ser assassinado em janeiro de 98.

É o déspota que não suporta críticas, que quer uma imprensa submissa, lacaia. Uns matam, outros prendem, Lula expulsa.

Lula já vinha jogando na lama toda a bela história do PT, mas desta vez enterrou a cabeça e afogou qualquer esperança que ainda pudesse existir.

O presidente do PT, José Genoíno, que tem se revelado um verdadeiro imbecil depois que virou poder, chegou a afirmar que a medida foi certa porque a matéria tinha ‘repercussão na imagem do País lá fora’.

Nada vai piorar mais a imagem do Brasil que esta medida ditatorial de Lula, mil vezes mais nociva que a reportagem. Que aliás não tinha tanta inverdade assim.

Todo mundo sabe que Lula bebe muito e dezenas de pessoas já o viram cambalear em público. A inverdade é a de que a bebida prejudica seu desempenho no governo.

Isso é falso. O que prejudica seu desempenho é a total incapacidade de Lula para gerir um país como o Brasil e a completa falta de projetos e gente qualificada.

Acha que exagero ao dizer que Genoíno virou um imbecil? Leia o complemento de sua declaração: ‘o mundo civilizado age assim, os países agem assim’.

Não mesmo. Quem age assim é Fidel, é Hugo Chavez, são as ditaduras e os déspotas. Para completar, o alucinado Genoíno ainda sai com a frase ‘nós não estamos ferindo a liberdade de imprensa; nós estamos respeitando a liberdade de imprensa.’ Parece que bebe…

Uma luta esquecida

O vexame internacional que Lula causou ao país com a expulsão do jornalista é injusto para com petistas que sempre lutaram pela liberdade de imprensa, de opinião e de expressão.

Muitas vezes eles até sofreram humilhações, ameaças e espancamentos.

Em Itabuna (BA) esta é uma luta de muitos anos, onde políticos do PT, como Geraldo Simões, e do PCdoB, como Luis Sena, arriscaram sua pele ao lado de outros políticos locais, como Renato Costa e Val Cabral, para defender a liberdade que hoje Lula despreza.

Não consigo imaginar gente como Geraldo Simões, Walter Pinheiro ou Nélson Pellegrino defendendo uma expulsão de jornalista porque sua matéria desagradou o presidente, mesmo que este seja ‘cumpadre’.

Se a reportagem tinha mentiras, que se mande uma resposta ao jornal. Se tinha calúnias, que se processe o jornal dentro da lei.

Nunca, jamais, prender ou expulsar por ‘desgosto’, por querer só elogios, por ter vergonha do que faz.

Esse tempo levou 20 anos para passar.

Que não volte pelas mãos de Lula.’



Folha de S. Paulo

‘‘NYT’ publica novo texto de Rohter’, copyright Folha de S. Paulo, 24/05/04

‘O jornal norte-americano ‘The New York Times’ publicou em sua edição de ontem a primeira reportagem de Larry Rohter, seu correspondente no Brasil, após o jornalista ter sido o pivô de uma das crises do governo Lula. Em texto publicado no dia 9, Rohter disse que um suposto problema alcoólico do petista causa preocupação nacional. O presidente quis expulsá-lo do país, mas voltou atrás.

A reportagem de ontem trata da venda de órgãos e tem como personagem um brasileiro de 38 anos que vendeu um rim por US$ 6.000 (cerca de R$ 18 mil). O jornal deu bastante destaque à história: além de destinar uma página inteira ao texto, publicou chamada no alto da capa. Há o depoimento da norte-americana que recebeu o órgão, que pediu para não ser identificada.

Intitulada ‘Rastreando a venda de um rim em um caminho de pobreza e esperança’, a reportagem começa contando a história de Alberty José da Silva, de Recife (PE). Para vender o rim, foi até a África do Sul, onde ocorreu o transplante. O texto frisa que esse país e o Brasil têm leis contra comércio de órgãos.

Segundo Rohter, autoridades brasileiras disseram que, no caso de Silva, a venda do órgão foi intermediada por um policial israelense e um policial militar brasileiro aposentado. A ação foi organizada por um israelense, que nega o fato.

Rohter diz que é difícil arranjar emprego no Brasil e cita o valor do salário mínimo. A reportagem traz dados sobre transplantes e mercado de órgãos nos EUA, onde também é ilegal.’