Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cláudio Abramo

Neste ano dos 90 anos da Folha de S.Paulo, Cláudio Abramo estaria completando 88. Seu falecimento em agosto de 1987 deixou uma lacuna difícil de preencher no jornalismo brasileiro.

Minha adolescência e início de vida adulta tiveram em Cláudio uma referência intelectual decisiva.

Seja nas conversas ao redor da mesa onde, em linguagem cifrada, ele e meu pai discutiam o peso dos anos de chumbo e o esquartejamento intelectual provocado pela ditadura nos jornais. Seja a leitura das primeiras páginas da Folha em meados da década de 70, onde lideranças estudantis buscavam inspiração. Todas as vezes me lembrava dos malabarismos descritos por Cláudio para que os jornalistas driblassem a censura prévia e pudessem dar luz às nossas consciências.

Cláudio teve um papel decisivo na história do jornalismo.

Sua coragem, destemor e honestidade intelectual não permitiam que se dobrasse ao arbítrio. Sua liderança à frente da Direção de Redação desta Folha foi fundamental para que o jornal se tornasse a principal referência de luta democrática de toda uma geração.

Já em Londres no início da década de 80, pude assistir a conversas que figuras históricas tiveram com Cláudio. Ensaiavam seu retorno, sonhavam com desassombro. Cláudio, irônico, mas preciso, frustrava seus interlocutores mostrando que a democracia ainda tardaria e movimentos de massa seriam necessários. O movimento das Diretas-Já lhe deu razão.

Sensível, poético, duro

Três cenas me vêm deste convívio privilegiado com esta figura quase mítica do jornalismo.

Em 1970, esgotado pela opressão, sai de férias com a família em Ilhabela. Caminhando na praia, pega um seixo e o olha por algum tempo, contemplativo. Levanta os olhos de soslaio e comenta: vida breve a nossa…

Ano de 1977, marcado pelo embate contra a ditadura, fui detido em uma passeata.

Cláudio, ele sim, vítima de prisão perigosa em 1975, usou de todos os meios possíveis para que a incomunicabilidade da prisão não impedisse o acompanhamento de minha situação pela família.

Certa vez, descrevendo suas difíceis aulas para os alunos de jornalismo da Cásper Líbero: ‘Como podemos formar homens de bem, jornalistas maiúsculos, se eles põem os sapatos em cima da mesa durante a aula!!! E mais, desamarrados e sujos de lama!’

Esse mesmo Cláudio, sensível, poético, duro e intransigente, escreveu sobre a ética no jornalismo: ‘O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista’.

Procuram-se cidadãos.

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Colunista da Folha de S.Paulo