Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cristiane Costa

‘Há quatro anos o Exército brasileiro se prepara para reescrever a história. Mais precisamente, aquela que se iniciou em 31 de março de 1964 e terminou oficialmente em 1985, quando um civil voltou a assumir a Presidência do Brasil. Nada menos do que 230 pessoas diretamente envolvidas no processo de preparação do golpe ou na manutenção da ditadura militar durante 21 anos foram ouvidas pelo projeto História Oral do Exército. A íntegra de seus depoimentos foi registrada em 13 volumes, a que o Caderno Idéias teve acesso com exclusividade, antes do lançamento dos 10 primeiros, nesta segunda-feira, pela Bibliex, Biblioteca do Exército Editora.

As entrevistas seguiram a metodologia ditada pelos manuais de história oral e foram também gravadas em vídeo, num estúdio no Palácio Duque de Caxias, no Rio, e em outros montados em São Paulo, Brasília, Porto Alegre, Recife e Fortaleza. Livres das regras que determinam a classificação e abertura de documentos do período, estão à disposição de pesquisadores e documentaristas que desejem compreender o que moveu, em que acreditavam e como se sentem, hoje, ativos participantes do período militar.

Não faltam novidades, como a declaração do coronel Romeu Antonio Ferreira, que foi convidado para explodir uma bomba no Riocentro um ano antes do atentado de 1981. Ou a do coronel Renato Brilhante Ustra, contando que 40 pára-quedistas só não invadiram o avião que levaria os prisioneiros trocados pelo embaixador americano Charles Ellbrick para o México porque ficaram presos num engarrafamento. Ou ainda a do coronel Luiz Carvalho Avelar Coutinho, relatando uma tentativa frustrada de seqüestro da mulher do então presidente Médici.

Há ainda curiosidades, como a fundamental participação de dona Maria, mulher do general Mourão, na decisão de realizar o levante militar rapidamente. E o passado subversivo da ex-ministra Zélia Cardoso de Melo, responsável pelo apoio logístico do PCB no Rio, segundo o general Léo Guedes Etchegoyen. Se não fosse trágica, seria cômica a história narrada pelo ex-ministro Jarbas Passarinho, acusado de ser uma ‘melancia’ (verde por fora, vermelho por dentro) por um torturador.

A história oral não tem pretensões de estabelecer uma verdade, como a oficial. Ela simplesmente registra as múltiplas versões sobre o acontecimento. Não admira, portanto, que apareçam nos livros versões contraditórias sobre temas polêmicos como a tortura, a influência dos Estados Unidos na decisão de derrubar o governo de João Goulart e a necessidade do Ato Institucional nº 5. O volume 2, por sinal, traz uma reprodução inédita do documento em que Costa e Silva escreveu com seu próprio punho os votos dos participantes da reunião que decidiu pela decretação do AI-5 e mergulhou o país no período mais duro da repressão.

Como os depoimentos foram feitos para o Exército, é natural que os militares entrevistados se mostrem à vontade. Há declarações de espantosa sinceridade, como a do ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves sobre a Operação Condor. Outras surpreendem pela forma como ainda negam a existência de tortura nos porões da ditadura, como a do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

A opinião geral é de que se lutava com todas as armas possíveis contra a implantação de uma ‘ditadura sindicalista’ no Brasil, de inspiração marxista, financiada por Cuba, URSS e China. Por isso, o combate à guerrilha em focos como Araguaia, Caparaó e Xambioá toma contornos dramáticos nos relatos de gente que arriscou a vida nos dois lados do conflito, como o deputado José Genoino, um dos poucos representantes da esquerda a participar do projeto, e o tenente-coronel Licio Augusto Ribeiro Maciel, que, desfigurado por um tiro no rosto, ofereceu seu depoimento por escrito. O presidente do PT, por sinal, não sai bem na fita. Mas é preciso ressalvar que nenhum dos fatos relatados foi checado.

– Com estes passos, adotou-se uma forma relativamente nova de fazer história – explica o general-de-Brigada Aricildes de Moraes Motta, coordenador geral do Projeto de História Oral do Exército. Criado em 1999 pelo então ministro Gleuber Vieira, o projeto já rendeu outros frutos, como os oito volumes da História Oral do Exército na Segunda Guerra Mundial e os três trabalhos ora em execução: engenharia militar, operações de manutenção de paz e valores militares. Idéias não faltam.

– O Exército quer guardar sua história, não apenas sobre 64 – comenta o coordenador assistente, coronel Aurélio Cordeiro da Fonseca. (Colaboraram Ellis Pinheiro, Alexandre Martins, Paula Barcellos e Rodrigo de Almeida)

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TV Globo é acusada de fraude’, copyright Jornal do Brasil, 3/04/04

‘‘Só ouvem uma versão da história que é contra nós, porque não há acesso a outro tipo de informação. Esse bombardeio tem sido diário, principalmente da Rede Globo, que passou vinte anos ao nosso lado, mudando em 1985, quando deixamos o poder. Tivemos o caso de um prêmio dado ao jornalista Caco Barcellos – prêmio Embratel e depois o prêmio Líbero Badaró – montado em cima de uma farsa. Um soldado, desertor do Exército, fala que participou do assassinato de dois terroristas e quem os matou teria sido um coronel do Exército. Não foi dado o nome de ninguém.

Foi feito um levantamento e provado que era mentira – esses dois terroristas morreram num acidente de carro em Vassouras. Colocou-se na Internet as certidões de óbito assinadas por dois médicos, atestando que eles morreram em conseqüência da explosão, em decorrência do acidente (…). No entanto, esse jornalista recebeu um prêmio por uma farsa montada. Este fato foi rebatido, mas não na grande imprensa. Protestaram o professor Olavo de Carvalho, o jornalista Paulo Martins, da Gazeta do Paraná, e mais um jornalista do Rio Grande do Sul, chamado Diego Casagrande que, também de alguma forma, divulgou o embuste na coluna dele. Mas não tiveram a devida repercussão.

O prêmio foi mantido. Foram mandados ofícios para Embratel protestando, mas, até hoje, a empresa não tomou providência nenhuma. (…) O documento é falso, está tudo documentado. Existem os documentos verdadeiros. E continua premiado e impune este jornalista falsário e farsante!’

Tenente-coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva

Em 1964, era Capitão-Oficial de Operações do 2º/ 1º Grupo de Aviação de Caça’



Folha de S. Paulo

40 Anos Depois’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 31/03/04

Se há algo a comemorar no aniversário de 40 anos do golpe de 31 de março de 1964 é justamente o fato de podermos afirmar que o ciclo militar se encontra hoje encerrado num passado histórico. Se suas repercussões ainda se fazem sentir e se há facetas a merecer esclarecimentos, não há dúvida de que o fantasma da ditadura militar já não mais assombra a vida nacional.

O movimento ocorreu num quadro de forte radicalização da política nacional e internacional, sob o signo da Guerra Fria. Impulsionada pela expansão do império soviético, pelo recrudescimento de lutas de libertação nacional e pela revolução cubana, de 1959, a esquerda brasileira via-se no início da década de 60 na iminência de chegar ao poder. Essa perspectiva tornou-se mais palpável com a restituição dos poderes presidencialistas ao trabalhista João Goulart, em 1963.

Ameaçada e em dificuldades para organizar uma alternativa política própria, capaz de barrar as pretensões da esquerda, parte da elite do país apoiou e se associou ao que considerava a saída possível: uma conspiração militar. Tendo à frente o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, as Forças Armadas assumiram o comando do país prometendo uma breve intervenção. Não foi, como se sabe, o que aconteceu.

Hoje, o Brasil que volta suas atenções para aqueles anos de arbítrio é uma sociedade organizada em torno de um regime de liberdades. Vigora o Estado de Direito, realizam-se eleições, a imprensa encontra as condições para exercer seu papel e o pensamento e a cultura livraram-se das amarras da censura.

Foi tortuoso e acidentado o caminho para que se alcançassem esses valiosos objetivos. O declínio militar coincidiu e foi precipitado por uma aguda crise econômica. O modelo de desenvolvimento organizado pelo regime ruiu sob os efeitos de choques internacionais e de um dramático quadro de endividamento.

Ao longo da década de 1980, o país viveu a frustração das reivindicações por eleições diretas e passou por um conturbado período de transição, marcado, no plano político, por agudos conflitos em torno da organização do novo arcabouço institucional e, no econômico, por desequilíbrio fiscal, estrangulamento externo, baixo crescimento e alta inflação.

A eleição pelo voto direto do primeiro presidente civil coincidiu com uma profunda mudança no cenário internacional. Ao mesmo tempo em que Fernando Collor de Mello saía vitorioso das urnas, era derrubado o Muro de Berlim e esfacelava-se o bloco socialista organizado em torno da antiga União Soviética. Encerrava-se a era Guerra Fria e inaugurava-se uma nova ordem internacional, na qual prosperaria a lógica da globalização e da liberalização econômica.

Hoje, salta aos olhos que as fundamentais conquistas democráticas obtidas nas últimas décadas ainda dependem para sua plena realização de que parcelas inteiras da população possam emergir da linha de pobreza. No Brasil democrático, cidadãos pobres continuam subsistindo sem acesso satisfatório à saúde, à educação, ao emprego e à Justiça. Por vezes empurrados para a marginalidade, são presos e torturados em porões em tudo semelhantes aos que se utilizavam nos anos de chumbo do regime ditatorial.

É esse o enorme desafio que se apresenta ao Brasil em seu caminho para se tornar uma nação mais digna e civilizada: promover o crescimento, reduzir as desigualdades e permitir que os seus filhos desfrutem dos benefícios do desenvolvimento e dos direitos da cidadania.’



Cartas, Istoé

Porão do poder’, copyright IstoÉ, 7/04/04

‘Lamento profundamente a matéria intitulada ‘Traição e extermínio’ (ISTOÉ 1799). Baseando-se apenas em declarações sem nenhum valor documental, a reportagem se converteu em um amontoado de frases soltas, conspurcando a imagem de antigos companheiros e a do próprio partido, à época o PCB. Pior ainda, tenta induzir – pela tendenciosidade da manchete – que a ditadura não foi responsável pelas torturas e assassinatos dos nossos dirigentes e militantes. O caso Givaldo é um assunto velho, requentado e já foi tratado com total responsabilidade pela direção partidária. O próprio companheiro fora afastado das suas tarefas e se submeteu, à época, a recolhimento compulsório do ponto de vista orgânico, sugerido pela direção. Após análise rigorosa das denúncias levantadas contra ele em plena ditadura, o partido as considerou perigosas aleivosias e, por improcedentes, deu o caso por encerrado. Em tempo, não foi Prestes quem buscou, depois, informações sobre o assunto junto às autoridades soviéticas, que as garantiu também infundadas. Foi o grande líder do meu partido, falecido, Salomão Malina. De passagem, se lamento a referida reportagem, elogio a da semana passada ‘Os matadores’ (ISTOÉ 1798), que mostra como o regime montou um grupo de sicários para assassinar cruelmente militantes e dirigentes de esquerda e do PCB.

Roberto Freire Presidente nacional do PPS Brasília – DF

‘Givaldo (Siqueira) mandou meu irmão para a morte. O Comitê sabia da carta e mesmo assim foi feita a operação.’ A frase acima, entre aspas, categórica, publicada na reportagem ‘Traição e extermínio’ (ISTOÉ 1799), é a inversão da resposta dada por mim a uma pergunta do repórter que me procurou e, portanto, falsa. O que eu disse, por telefone, no dia 24/3, foi: ‘Não, não foi o Givaldo. A responsabilidade, como eu disse desde o início, foi da direção restrita do partido.’ O jornalista insistiu. Não teria sido Givaldo o portador da ordem do partido para a viagem de Célio Guedes (meu irmão, assassinado ao voltar do Uruguai)? Respondi: ‘Não, não foi Givaldo, não poderia ter sido Givaldo.’ Esclarecer fatos dolorosos como esses ocorridos sob a ditadura militar requer seriedade, responsabilidade, requisitos profissionais do bom repórter e do bom historiador. Abordagens sensacionalistas tendem sempre a desfocar o fato e diminuir a culpabilidade da ditadura militar. Em nenhum momento pretendi transferir para o Partido Comunista a responsabilidade por um ato selvagem praticado pela repressão da ditadura. O que eu condenei foi a irresponsabilidade do partido na questão da segurança, um episódio interno do PCB.

Armenio Guedes São Paulo – SP

Agradeço à revista pela reportagem ‘Traição e extermínio’ (ISTOÉ 1799). Ela, pelo esforço profissional dos jornalistas Amaury Ribeiro Jr., Eugênio Viola e Tales Faria, fez vir a público um responsável, assumido, do aparato de repressão da ditadura militar, pela morte dos meus companheiros do PCB. Lutei por isso durante esses últimos 30 anos, A reportagem possibilita o início da apuração daqueles assassinatos e a localização dos corpos dos 11 companheiros dados, até agora, como desaparecidos.

Hércules Corrêa dos Reis Rio de Janeiro – RJ

Parabéns à revista ISTOÉ pela histórica e importante reportagem ‘Os matadores’ (ISTOÉ 1798), do excelente Amaury Ribeiro Jr.

Aloísio Morais Martins Belo Horizonte – MG

É repugnante que esses senhores, milicos da ditadura militar, que cometeram tantas barbaridades e horrores, torturando e matando todos aqueles que se manifestavam contrários à ditadura na busca de um País livre e justo para os brasileiros, estejam hoje por aí, soltos, vivendo como pessoas de bem e sem qualquer remorso pelo que fizeram. Eu ainda era criança quando esses fatos aconteceram, e só tive idéia de que houve repressão na época após entrar na faculdade. Parabéns ISTOÉ por desempenhar tão bem o papel da imprensa em informar as pessoas sobre os desmandos que aconteceram – e ainda acontecem – no País. É preciso que essa parte lamentável da nossa história fique viva na memória de todos nós, para que nunca mais se repita.

Tania Mariano Vila Velha – ES

Embora esperasse por tão aterradora revelação vinda do porão da ditadura e dos tempos de chumbo, não pude conter minha indignação e revolta. Que essa reportagem tenha a virtude de dar aos leitores e aos povos do mundo mais elementos para que aumentemos nosso compromisso com os verdadeiros valores humanos: amor, tolerância, compreensão e fraternidade. Sem isso, só imperará a barbárie e a injustiça.

Carlos Augusto C. de Lima Natal – RN

O desencadear do movimento de março de 64 não pode ser entendido fora do contexto histórico da guerra fria. Havia uma realidade geopolítica internacional, por completo, distinta da que temos hoje. Uma superpotência militar detentora de armas nucleares apoiava movimentos revolucionários em todo o mundo. Metade da Europa vivia sob a cortina de ferro, e, em Cuba, foram instalados mísseis com ogivas nucleares apontados para os EUA. Havia inegavelmente uma preocupação fundamental, interna e externa, com a transformação de um gigante como o Brasil em um aliado da URSS.

Everton Jobim Rio de Janeiro – RJ

É inadmissível que parte da elite militar brasileira tenha colaborado com a nossa história com assassinatos, tortura, prisões e execuções de pessoas que lutavam por um Brasil melhor.

Raimundo Filho Parnamirim – RN

Diante das acusações, inteiramente infundadas, ao companheiro Givaldo Siqueira, penso ser necessário afirmar que, entrando no partido, no início da década de 50, pelo movimento universitário, ali encontrei o Givaldo já na liderança das nossas lutas. Sua militância em um partido marxista-leninista, como o foi, por anos, nosso Partidão, e, agora, num partido de coração e mente novas e de matriz ideológica plural, serviu (para mim, sem dúvida) para muitos de nós de pá e bússola para entendermos e melhor desenvolvermos os instantes de convivência social, política e cultural. Lamento, ainda, que o repórter tenha estado em minha casa, onde conversamos por bastante tempo, ocasião em que pude tecer outras considerações também positivas quanto ao companheiro Givaldo, e, ao término, percebo que nem uma de minhas palavras foi utilizada na reportagem. É a razão maior que me levou a dirigir esta carta, para que minhas palavras se registrem aqui e possam pelo menos servir, por mais simples que sejam, como um abraço de solidariedade ao velho companheiro de lutas.

Arildo Salles Dória Brasília – DF

Gostaria de registrar minha indignação com a falta de verdade na matéria. Em 1998, este cidadão, chamado Hércules Corrêa, falava alto e bom som no bar do hotel Bistrô, em Brasília, que ia lançar um livro com o título Que merda é essa? e iria vender a matéria com exclusividade para a revista Veja. Ele faz uma acusação ao sr. Givaldo Siqueira sem nenhuma prova e fica no disse-me-disse, tentando procurar um culpado diante da sua revolta com a vida. Ninguém neste país conhece a história do PCB mais do que Roberto Freire e Geraldo Rodrigues dos Santos (Geraldão); por isso este relatório a que Hércules se refere é um documento de ficção, sem nenhuma credibilidade, conforme a sua cabeça, que não anda nos dias melhores de sua lucidez. E esta revista tem responsabilidade com a verdade, pois sempre trilhou pelos caminhos do jornalismo sério, honesto e investigativo com seus leitores.

Juca Carvalho Maceió – AL’



Zero Hora

‘Quatro vozes de 64’, copyright Zero Hora, 2/4/04

‘Os 40 anos do movimento que mudou a história do país foram debatidos ontem por quatro testemunhas oculares do período. Moacyr Scliar, Zuenir Ventura, Luis Fernando Verissimo e Carlos Heitor Cony reuniram-se às 19h no Solar dos Câmara, na Capital, para o lançamento da coleção Vozes de 64.

Cerca de 300 pessoas participaram do debate sobre o golpe de 1964 e os anos da ditadura militar. A coleção, editada pela Companhia das Letras e vendida a R$ 41, inclui quatro pequenos relatos sobre os anos de chumbo – duas ficções (criadas pelos gaúchos Scliar e Verissimo) e dois depoimentos verídicos (Zuenir e Cony). No encontro de ontem, mediado pelo presidente da Assembléia, deputado Vieira da Cunha, os escritores responderam a perguntas sobre censura, participação e posição da imprensa, produção cultural e questões políticas.

– O Cony desempenhou um papel que nos deixou uma lembrança emocionante, porque ele foi o primeiro a botar a boca no mundo e pagou um preço alto por isso – recordou Scliar.’