Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

José Maria Mayrink

‘Ao receber em audiência, ontem de manhã, os jornalistas credenciados para a cobertura dos funerais de João Paulo II e eleição de seu sucessor, o papa Bento XVI afirmou que os meios de comunicação só podem prestar um serviço positivo ao bem comum quando se comportam com responsabilidade e consciência. ‘Não se pode deixar de pôr em evidência a necessidade de uma responsabilidade ética de quem trabalha nesse setor, especialmente quando se trata de uma busca sincera da verdade e da salvaguarda da centralidade e da dignidade da pessoa humana’, disse o papa, no trecho de seu discurso lido em alemão.

Além da sua língua pátria, Bento XVI usou o italiano, o inglês e o francês para saudar os repórteres, fotógrafos e cinegrafistas vindos de todos os continentes – cerca de 1.800 profissionais que participaram da audiência no Auditório Paulo VI, no Vaticano. No entanto, ele não falou em espanhol, idioma da maior parte dos católicos do mundo. Em resposta às reclamações de jornalistas, o porta-voz da Santa Sé, Joaquin Navarro Valls, adiantou: ‘Da próxima vez, ele falará em espanhol. É que ele queria uma cerimônia breve.’

Suas primeiras palavras foram de agradecimento: ‘Pode-se dizer que, graças a seu trabalho, por várias semanas a atenção do mundo inteiro se fixou na basílica, na Praça de São Pedro e no Palácio Apostólico, onde o meu predecessor, o inesquecível papa João Paulo II, terminou serenamente sua existência terrena, e onde, em seguida, na Capela Sistina, os senhores cardeais me elegeram como seu sucessor’.

Lembrando que João Paulo II ‘foi o artífice de um diálogo aberto e sincero’ com o mundo da comunicação social em seu pontificado, Bento XVI prometeu seguir pelo mesmo caminho. ‘É meu desejo levar adiante esse proveitoso diálogo’, disse, sob aplausos. A audiência durou 15 minutos. Bento XVI entrou no auditório às 11 horas e fez um largo gesto, sorrindo com os braços abertos. Antes de falar, ouviu uma saudação do presidente do Conselho Pontifício das Comunicações Sociais, d. John Patrick Foley.

Muitos jornalistas ficaram decepcionados, porque esperavam que ele entrasse pelo corredor central e não por uma porta lateral – e que conversasse com as pessoas mais próximas, mesmo sem dar entrevista. O papa falou apenas com os 12 bispos que assistiram à audiência e beijaram sua mão.

‘Eu disse a Bento XVI que estava muito feliz com sua eleição e, ressaltando que falava em nome dos 420 bispos brasileiros, desejei-lhe um longo pontificado’, informou d. Amaury Castanho, bispo emérito de Jundiaí (SP). Ao ouvir os votos de longo papado, Ratzinger, de 78 anos, sorriu.

Os jornalistas receberam e interromperam Bento XVI com aplausos, mas quem fez a festa foi um grupo de crianças de uma escola da Sardenha. ‘Viemos com 23 alunos conhecer Roma e, ao saber da audiência, pedimos para participar’, disse a professora Giovanna Arglolas. ‘Benedetto, Benedetto’, gritaram as crianças em coro, do fundo do auditório, como se tivessem ensaiado a manifestação. Rossano Sanna, de 8 anos, gostou de ver o papa, mas falou que não era Ratzinger o candidato dele. ‘Queria aquele africano’, disse ele, referindo-se a Francis Arinze. ‘Nada disso, a gente preferia o Pompedda’, corrigiu a professora. O cardeal Mario Francesco Pompedda, de 76 anos, nasceu na ilha da Sardenha.

DIA DO TRABALHO

De acordo com o jornal italiano Corriere dela Sera, o cardeal d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, teria sugerido a Bento XVI aproveitar as comemorações do dia 1º. de Maio, dia dos trabalhadores, para fazer um pronunciamento com tom social. D. Cláudio teria apelado à ‘sensibilidade’ do papa e demonstrado a importância de se dirigir pela primeira vez aos trabalhadores.

Na Alemanha, o jornal Bild informou que o papa teria oferecido um cargo na Cúria para o cardeal reformista alemão Karl Lehman, presidente da Conferência Episcopal da Alemanha e até então um crítico do cardeal Joseph Ratzinger.’



Carlos Heitor Cony

‘A vinha do senhor’, copyright Folha de S. Paulo, 24/04/05

‘Como quase todo mundo, não me entusiasmei com a eleição do novo papa. É bem verdade que nada tenho com ou contra isso. Acompanhei o caso com interesse, digamos, profissional. Mas gostei especialmente daquela alusão que Bento 16 fez logo no início de sua primeira mensagem ao mundo que o ouvia.

Ele falou na ‘vinha do Senhor’, uma expressão bonita, antiga, pouco usada ou lembrada nos últimos tempos. Gosto sempre de citar aquela consideração de Renan sobre os Evangelhos: são encantadores autos pastoris. As imagens mais comuns são de ovelhas, videiras, apriscos, pastores, searas, falam do trigo e da messe, do vinho e da vinha -das coisas comuns do homem comum daquele tempo.

Para a maioria dos observadores, católicos ou não, ele ganharia ponto se falasse na ‘sociedade’. Ou seja, uma aglomeração de cidadãos, não de homens. Ao falar na vinha do Senhor, lembrou aos que crêem em Deus que ela não é dona de si própria, tem um dono. Além do mais, é uma imagem bonita em si mesma.

Quanto à cobertura que a mídia deu à eleição do novo papa, achei estranha não a cobertura em si, que, tecnicamente, tinha de ser feita, pois se tratava de um acontecimento de dimensão mundial. Achei inexplicável a torcida que promoveu, tanto em termos ideológicos e políticos como de orgulho nacional, na base das ‘nossas cores’. Alguns textos pareciam a cobertura de um Oscar na Academia de Hollywood, quando há sempre um filme nacional que vai ganhar porque chegou a nossa vez.

Estranho também a quantidade e o volume dos palpites. De minha parte, acompanhei curiosamente e até afetivamente os acontecimentos, mas sem pisar fundo. Não me meteria na eleição de um novo dalai-lama, de um grande arquimandrita, de um novo lorde do selo, de um presidente da Fifa. A última coisa do mundo que me emocionaria é a opinião do patriarca de Alexandria sobre a camisinha.’



Igor Gielow

‘Papa defende volta a religiosidade e diálogo’, copyright Folha de S. Paulo, 25/04/05

‘O papa Bento 16 fez ontem, na missa que inaugurou o seu pontificado, uma defesa incisiva da volta à religiosidade no mundo moderno, do diálogo entre religiões, da integração dos cristãos. ‘A igreja está viva! A igreja é jovem! Ela tem dentro de si o futuro do mundo’, exclamou para os cerca de 350 mil fiéis que compareceram à cerimônia. Dando continuidade ao estilo conciliatório que adotou desde sua eleição, o 265º papa disse que seu ‘verdadeiro programa de governo é não fazer minha vontade, não perseguir minhas idéias próprias, mas ouvir, em conjunto com toda a igreja, à palavra do Senhor’.

Bento 16 tenta se divorciar da imagem que forjou como cardeal Joseph Ratzinger, o alemão que comandou a defesa doutrinária da Igreja Católica por quase 24 dos 26 anos do pontificado de João Paulo 2º, a quem rendeu extensa homenagem. Ultraconservador, fechado a questões do mundo moderno e perseguidor dos liberais, Ratzinger representava tudo o que os críticos da igreja consideram atrasado, ainda que fosse considerado brilhante.

A missa começou às 10h e durou 2 horas e 45 minutos. Não apareceram os 500 mil espectadores para que Roma havia se preparado, mas ainda assim era um mar de gente. Às 10h50, Bento 16 recebeu os dois dos principais símbolos da autoridade do papa, o pálio e o Anel do Pescador. Mostrando sua ênfase na liturgia e na tradição como fatores de unidade, ele os explicou na homilia. O primeiro é uma estola de lã de carneiro. ‘No antigo Oriente, era costumeiro para reis se vestirem como pastores do povo. Era uma imagem de seu poder, uma imagem cínica: para eles seus súditos eram como ovelhas, das quais o pastor poderia dispor como desejasse. Quando o pastor de toda humanidade, o Deus vivo, se tornou ele mesmo um cordeiro, ele se pôs ao lado dos cordeiros, junto àqueles que são oprimidos e assassinados.’

Já o anel carrega a imagem do primeiro papa, o pescador Pedro, num barco. Aderiu a Jesus Cristo e virou, nas palavras do Evangelho repetidas por Ratzinger, num ‘pescador de homens’. E defendeu a missão: ‘Estamos vivendo na alienação, nas águas salgadas do sofrimento e da morte, num mar de escuridão sem luz’.

A celebração foi marcada pela opulência de praxe, com o papa vestido com um manto dourado e usando uma mitra bordada a ouro que havia sido feita para João Paulo 2º em 1996, mas nunca usada. Mas Bento 16 manteve a simplicidade adotada a partir do papado de Paulo 6º (1963-78) e dispensou o uso de uma coroa e ser carregado num trono. Ao se referir a si mesmo, falou no ‘servo dos servos do Deus’ -e não o mais pomposo ‘vigário de Cristo’, por exemplo.

A missa começou às 10h, com Bento 16 incensando com um turíbulo a tumba de são Pedro, embaixo do altar central da basílica de São Pedro. Depois, seguiu os padres, bispos e cardeais, que estavam de branco e dourado, para fora da igreja. Foi ovacionado.

Não havia a constelação de líderes mundiais presentes ao funeral de Wojtyla. Dos 140 dignitários estrangeiros, os mais famosos eram o chanceler alemão, Gerhard Schröder, e o rei da Espanha, Juan Carlos. O Brasil foi representado pelo ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), que é ligado à igreja em Minas Gerais, e pela embaixadora na Santa Sede, Vera Machado.

Em sua homilia, Bento 16 apresentou o que deve ser a linha ideológica mais ativa de seu reinado: tentar fazer a Igreja Católica uma referência moral em um mundo de diluição de valores, e de uma maneira que seu conservadorismo teológico seja visto como um ativo, e não um passivo.

‘O pastor deve ser inspirado pelo zelo santo de Cristo: para ele não é um problema indiferente que tantas pessoas estejam vivendo no deserto. E há tantos tipos de deserto. Há o deserto da pobreza, há o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da escuridão de Deus, o vazio de almas não mais conscientes de sua dignidade ou do objetivo da vida humana. Os desertos externos no mundo estão crescendo, pois os desertos internos se tornaram tão vastos’, disse o papa.

Para ele, ‘os tesouros da Terra não mais servem para a construção do jardim de Deus para que todos vivam nele, mas foram postos a serviço dos poderes da exploração e da destruição. A igreja como um todo e todos seus pastores, como Cristo, devem liderar as pessoas para fora do deserto, rumo a um lugar de vida. O mundo é redimido pela paciência de Deus. E é destruído pela impaciência do homem’.

A lembrança de João Paulo 2º esteve presente na repetição do mote: ‘Não tenha medo’. A frase foi dita por Wojtyla em sua posse, no dia 22 de outubro de 1978. ‘Não tenha medo! Abra as portas para Cristo. Se deixarmos Cristo entrar em nossas vidas, não perdemos coisa alguma, nada, absolutamente nada do que torna a vida livre, bela e grande’, disse o papa, para quem a morte do antecessor fez ser ‘maravilhosamente evidente que a igreja está viva’.

‘Gostei muito do respeito dele com o nosso papa’, disse uma jovem polonesa, Maria, de 17 anos. Ela veio a Roma para o funeral de Wojtyla e ainda trata o papa morto como ‘nosso’. Após um pontificado tão longo, a imagem que vem à cabeça da maioria das pessoas quando se fala em papa é a do polonês.

Ratzinger foi muito aplaudido em sua fala, que manteve tradição inaugurada por João 23 em 1958. Antes, o papa só ouvia as orações de seu trono. Provocou risadas ao dizer que, na homilia, não iria expor um programa de governo. Sorriu e levantou os braços para a massa. Interrompido pelo público em diversas ocasiões, ele leu com óculos a homilia em italiano. O latim foi usado na liturgia. Outras sete línguas foram faladas pelos oradores: inglês, alemão, chinês, árabe, francês, português e espanhol -diferentemente de anteontem, quando o papa saudou jornalistas, mas não falou as duas línguas mais faladas por católicos no mundo (espanhol e português).

Bento 16 também voltou a fazer um apelo a todas as denominações cristãs para que se unam. ‘Nós todos somos a comunhão dos santos, nós que fomos batizados em nome do pai, do filho e do Espírito Santo’, disse. E posou de líder ecumênico, talvez para tentar suavizar o desastre para sua imagem que foram determinações dadas em 2000 por sua Congregação para a Doutrina da Fé dizendo que apenas a Igreja Católica é válida e que apenas os seguidores de Cristo têm salvação, num momento em que publicamente João Paulo 2º fazia gestos de aproximação com vários credos. DIsse estar mandando seus pensamentos para ‘crentes e os não-crentes’ e fez um elogio ao judaísmo, reconhecendo ‘a grande herança espiritual compartilhada’ com o povo judeu.

Citou o trabalho colegiado na igreja, saudando os leigos. Reforçou sua postura de divisão de trabalho, uma surpresa já que ele sempre foi um centralizador. Especula-se se sua mudança de posição teve a ver com um acordo para elegê-lo sem uma grande cisão na principal igreja cristã do mundo, com 1 bilhão de fiéis.

Quando acabou a homilia, foi longamente aplaudido. Como um professor que impõe ordem na sala, sua voz recomeçou as orações da liturgia e silenciou a praça.

A idade avançada de Bento 16, aos 78 anos o papa mais velho em quase três séculos, estava evidente na expressão cansada do pontífice. Mas ele impressionou os fiéis com os gestos firmes, diferentes daqueles com que se acostumaram em vários anos de declínio físico de seu antecessor. ‘O outro papa, coitado, não conseguia nem andar. Esse é todo rapidinho’, disse o estudante brasileiro William de Castro, 21, que está em férias em Roma.

‘Neste momento posso dizer apenas: rezem por mim, para que eu aprenda a amar o Senhor mais e mais. Rezem por mim, para que eu aprenda a amar seu rebanho mais e mais, em outras palavras, vocês, a santa igreja, cada um de vocês e todos juntos. Rezem por mim, que eu não recue por medo dos lobos. Oremos uns pelos outros, que o Senhor nos carregue e que aprendamos a carregar um ao outro’, disse. ‘Neste momento, um fraco servo do Senhor que sou, devo assumir essa tarefa enorme, que realmente excede toda capacidade humana’.

Mas seu abatimento evanesceu ao final da missa, quando fez uma cinematográfica parada num ‘papamóvel’ semelhante ao que João Paulo 2º usava antes de ser baleado ali mesmo, naquela praça, em 1981. Sem vidros blindados ou proteções, o veículo conduziu Bento 16 para o meio dos fiéis, dando uma volta na praça para depois sumir sob uma arcada lateral. Se ele irá continuar a prática arriscada do ponto de vista de segurança, não dá para saber agora, mas pela reação dos presentes ele conseguiu se apresentar como acessível, compassivo e enérgico, algo difícil depois de um papado tão popular como o de Wojtyla. Passada a festa, os católicos irão esperar gestos para desvendar quem está no trono de são Pedro, Bento16 ou Joseph Ratzinger.’

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‘Afável, papa agradece trabalho da mídia’, copyright Folha de S. Paulo, 24/04/05

‘Em um encontro inusitado do ponto de vista formal, já que a maioria dos jornalistas presentes o aplaudiu efusivamente e rezou em voz alta um pai-nosso, o papa Bento 16 agradeceu ontem os profissionais que participaram da cobertura da morte de seu predecessor e da transição que culminou em sua eleição na terça passada. Apesar de pregar a continuação do contato que João Paulo 2º com a mídia, Bento 16 apenas falou por 15 minutos -quando assumiu em 1978, Karol Wojtyla respondeu a perguntas por 40 minutos.

‘Obrigado a todos. Esses historicamente importantes eventos eclesiais tiveram cobertura mundial. Eu sei o quão duro vocês trabalharam, longe de seus lares e suas famílias, por longas horas e às vezes em condições difíceis. Eu espero seguir esse diálogo com vocês’, disse o papa.

Fez uma elegia do papel dos meios de comunicação. ‘Consciente da missão e da importância da mídia, a igreja procura a colaboração com o mundo da comunicação social, especialmente a partir do Concílio Vaticano 2º’, disse, citando novamente o encontro liberalizante da igreja nos anos 60 do qual ele era visto como um adversário nos anos em que foi o ‘cardeal de ferro’, o guardião da doutrina católica. Desde então, disse, ‘a humanidade tem testemunhado uma extraordinária revolução de mídia, afetando todos os aspectos da vida’.

Joseph Ratzinger chegou às 11h no auditório Paulo 6º, a antiga Sala Neri, assim nomeada em homenagem ao expoente da arquitetura italiana do século 20 que a construiu em 1971, Pier Luigi Neri. Estava com o tradicional traje branco, que parecia estar um pouco mais curto do que o usado por João Paulo 2º, e sapatos de camurça avermelhada. Sentou numa cadeira tendo atrás a escultura em bronze ‘Ressurreição’, de Pericle Fazzini (1974), que apesar da temática religiosa parece saída do set de um filme da série ‘Alien’.

Pessoalmente, Bento 16 transmite mais firmeza e energia do que em suas aparições na televisão. Tem estatura mediana e menos intensa presença física, em comparação com o Karol Wojtyla no início do pontificado. Sua fala é suave. Falou claramente, com notável sotaque bávaro, em italiano, inglês, alemão (‘Me permitam falar minha língua natal’, brincou) e francês. Causou estranheza entre os repórteres de países de fala espanhola presentes a ausência da língua. Houve quem especulasse que tinha algo a ver com a aprovação pelo Parlamento da Espanha da lei que autoriza o casamento homossexual.

O bispo brasileiro Amaury Castanho, que é jornalista e estava como convidado do Pontifício Conselho de Comunicação Social, disse que ‘o papa é tímido, talvez não fale bem o espanhol’. Português ele não fala. Em italiano, d. Amaury falou com o papa e o desejou um longo pontificado. ‘Ele riu quando disse isso’, disse o bispo, que levava no bolso duas pontes dentárias que retirou. ‘Imagina se cai no colo do papa.’

Havia cerca de 5.000 pessoas no auditório. O monsenhor John Patrick Foley, presidente do conselho, o saudou. A grande maioria aplaudiu muito Ratzinger.

Perguntado se não era um pouco estranha a reação entusiasmada dos jornalistas, já que em tese os presentes devem reportar criticamente sobre o papado, o vaticanista Orazio Petrosselli (‘Il Messagero’) disse que o ocorrido é habitual. ‘Nós somos todos amigos’, disse. Mas Ratzinger não era malvisto por sua rigidez? ‘Uma coisa é o que ele pensa, mas ele sempre foi correto no trato com a imprensa, assim como Wojtyla’, disse o jornalista.’



Carlos Alberto di Franco

‘Bento XVI, o papa da continuidade’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/04/05

‘A formidável cobertura pela imprensa da eleição do papa Bento XVI revela alguns sinais importantes. O primeiro deles, sem dúvida, é a notável unidade dos cardeais. A surpreendente rapidez do processo eleitoral foi um testemunho inequívoco de que João Paulo II, ao longo dos seus quase 27 anos de pontificado, investiu generosamente na construção da unidade da Igreja. A eleição meteórica do então cardeal Ratzinger foi, no fundo, um forte chamado à unidade e à continuidade.

O papa Bento XVI foi descrito por seu antecessor como ‘íntimo colaborador’ e ‘estimado irmão’. Durante a celebração das bodas de prata episcopais do cardeal Ratzinger, em 20 de abril de 2002, João Paulo II elogiou o serviço prestado por seu fiel colaborador, com o seu ‘incansável compromisso em benefício da verdade, que conduz os filhos de Deus para a liberdade autêntica’. As palavras do falecido papa, afetuosas e agradecidas, definem bem o perfil do novo papa: um defensor da verdade que conduz à autêntica liberdade.

Bento XVI, à semelhança de João Paulo II, é um brilhante intelectual que aposta na força libertadora da verdade. Na segunda-feira passada, o então cardeal Joseph Ratzinger, ao celebrar a missa de abertura do conclave, foi claríssimo a respeito do que espera dos católicos: ‘Ter uma fé clara, segundo o credo da Igreja, é freqüentemente catalogado como fundamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é, o deixar-se levar ‘ao sabor de qualquer vento de doutrina’, aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que usa como critério último apenas o próprio ‘eu’ e as suas vontades. Nós, ao contrário, temos um outro critério: o filho de Deus, o verdadeiro homem. É ele a medida do verdadeiro humanismo. Não é ‘adulta’ uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é antes uma fé profundamente enraizada na amizade com Cristo. É esta amizade que se abre a tudo aquilo que é bom e que nos dá o critério para discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, entre engano e verdade.’

Alguns, equivocadamente, vislumbram fervores conservadores no pensamento e na ação do novo papa. Desejariam, como escrevi recentemente, um papa que deixasse de ser cristão para ser mais bem aceito? Pretenderiam que, perante o deslizamento do mundo para baixo, com a glorificação de aberrações ideológicas e morais, o papa exercesse a sua missão acompanhando a descida, cedendo a tudo e se limitando a belos discursos de paz e amor, e a um ecumenismo em que todos os equívocos se pudessem congraçar, porque ninguém acreditaria mais em coisa alguma, a não ser em ‘viver bem’?

Num mundo que diviniza a liberdade como único bem, Bento XVI, como teólogo e ex-prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, não se cansou de proclamar que a liberdade, desvinculada da verdade, se deturpa e acaba se transformando em semeadura de egoísmo pessoal e coletivo. Sem o referencial verdade, sem a referência a valores objetivos, a vida social desliza para o relativismo mais completo.

Como o fizeram seus antecessores e, sem dúvida, o farão seus sucessores, Bento XVI se entregará à missão de erguer muito alto o facho da verdade cristã, como luz clara, inequívoca, difícil, mas possível, que oferece o único referencial autêntico pelo qual, mesmo sem o saber, milhões de homens e mulheres anseiam.

Os críticos, poucos, embora inflados por certas orquestras midiáticas, estão na contramão do sentimento da sociedade. Certa vez, Hans Küng, ex-teólogo católico e expoente da minoria contestatária ao papado, foi curiosamente interpelado por um pastor protestante. ‘Tudo o que o senhor pede para o catolicismo – abolição do celibato, ordenação de mulheres, etc.’ -, sublinhou o pastor, ‘nós já temos. Como é possível, então, que os nossos templos estejam muito mais vazios que as igrejas católicas?’ Küng não conseguiu esboçar nenhuma resposta. A realidade dos fatos desnudou a inconsistência das suas teorias teológicas. A onda impressionante de devoção popular em que se transformaram o funeral de João Paulo II e a eleição de Bento XVI, um espetáculo multicolorido e com forte presença jovem que tomou conta do Vaticano, mostra de que lado o povo está.

Ao contrário do que alguns têm deixado cair, Bento XVI não é uma figura humana rígida e fria. O jornalista J. A. Dias Lopes, ex-correspondente da revista Veja e atual colunista do jornal O Estado de S. Paulo, em artigo carregado de sensibilidade, relembra um encontro casual com o então cardeal Ratzinger: ‘Mostrava-se simpático e agradável. Em nenhum momento me fez sentir diante do prelado que todos afirmavam ser um homem taciturno e implacável, inclusive eu, antes de conhecê-lo pessoalmente.’ E conclui Lopes: ‘Acredito que Ratzinger, agora Bento XVI, não mudará a Igreja. Preservará as linhas básicas do pontificado anterior, do qual foi coadjuvante. Sendo homem inteligente e culto, além de grande teólogo, deverá ser um bom papa.’

O pontificado de Bento XVI será, estou certo, um testemunho de fé, convicção e coragem. Ao contrário dos que dentro da Igreja Católica cederam aos apelos da secularização, o novo papa sempre acreditou que a firmeza na fé e a fidelidade doutrinal acabarão por galvanizar a nostalgia de Deus que domina o mundo contemporâneo. Acredita que o esgotamento do materialismo histórico e a frustração do consumismo hedonista prenunciam um novo perfil existencial. Na visão do novo papa, o terceiro milênio trará o resgate do verdadeiro humanismo. (Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. E-mail: difranco@ceu.org.br)’