Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marco Maciel

ASPAS

EXCLUSÃO E INCLUSÃO DIGITAL

"Avanço digital e hiato social", copyright
O Estado de S. Paulo, 16/06/01

"O Brasil é hoje, graças a investimentos cada vez maiores em educação, ciência e tecnologia, um país mais habilitado a enfrentar os desafios da economia globalizada. Entretanto, muitos problemas que nos confrontam no século atual podem limitar nossa capacidade de crescer economicamente e, sobretudo, de superar as nossas enormes desigualdades.

Um desses problemas, certamente, refere-se à questão do acesso às novas tecnologias da informação e do conhecimento. Elas estão alterando as noções de tempo e espaço, promovendo mudanças acentuadas na vida das pessoas e, por sua enorme perfusão, cambiando as relações econômicas, as formas de trabalho e o relacionamento entre os povos.

No território da política, essas tecnologias têm permitido uma notável interação das pessoas, ajudando a ?democratizar? as decisões públicas, e podem tornar possível, num futuro próximo, ao lado da democracia representativa, formas mais participativas de governo. Isso sem falar das amplas possibilidades no sentido de descentralização das atividades do Estado e da abertura de novos caminhos para o exercício da cidadania.

Paradoxalmente, contudo, como tem salientado o presidente Fernando Henrique, é visível, no mundo globalizado e das tecnologia digitais, a existência de déficit de governança no plano internacional. E isso implica, necessariamente, também um déficit de cidadania e participação popular nos processos decisórios. As pessoas sentem que sua vida está sendo crescentemente afetada por métodos sobre os quais têm pouca ou nenhuma capacidade de influência. Daí a importância de o Brasil preconizar em articulação com outros países em desenvolvimento, medidas para evitar que o hiato digital contribua para agravar o hiato social.

É evidente que o chamado hiato digital se alimenta de um preexistente hiato social. Carências acumuladas, em matéria de educação e de formação profissional, atuam como entrave ao usufruto dos benefícios prometidos pela revolução digital. Não basta, portanto, fazer a pobreza diminuir; é preciso também impedir que o fosso entre ricos e pobres continue a aumentar. O acesso a tecnologias modernas poderá converter-se em relevante instrumento de inclusão social e potencializar a igualdade de oportunidades.

Essa não é uma questão a ser tecnicamente resolvida, seja pelo aumento da oferta de telefonia móvel ou, ainda, pela simples disseminação de computadores entre as populações de baixa renda. Faz-se necessário assegurar preparo e amparo às camadas sociais mais carentes para assegurar-lhes os benefícios da revolução digital, mediante ação comum e bem definida do Estado, do setor privado e da sociedade civil. Tal parcela da população precisa de formação e treinamento específicos. O mero aumento de acesso e conectividade não surtirá o efeito desejado. Isso porque a oportunidade digital se esgotaria nas empresas fornecedoras de bens e serviços.

A grande revolu&ccedccedil;ão tecnológica no setor, por se tratar de meio ensejador de conhecimento e de sua difusão, pervade todo o mundo. Como afirmou recentemente o presidente do Senado argentino, Mário Losada, ?conhecimento é hoje mais do que nunca poder. Poder no sentido de capacidade, de possibilidade de fazer?. Ademais, constitui, acrescenta ele, ?um fenômeno absolutamente novo, que não conhece antecedentes nem se pode assemelhar a outras experiências ou desenvolvimentos tecnológicos na história da humanidade?.

Urge, assim, ver nessa tecnologia uma fronteira a demandar maiores atenções, inclusive na definição dos marcos regulatórios ao acesso à informação e questões correlatas, que devem ser tratadas no âmbito de instituições de vocação universal, como a ONU, e em outros foros multilaterais, até mesmo nas agências de fomento (Banco Mundial, BID, etc.) e no G-8, que no encontro de Gênova discutirá a questão digital, inclusive os riscos de exclusão social. O quadro que vier a resultar do exame poderá consagrar regras definidoras das relações de poder no mundo, afetando as possibilidades de crescimento das nações em desenvolvimento e sua inserção na comunidade internacional.

A viabilização de uma verdadeira sociedade de informação-conhecimento, que venha a propiciar a correção das desigualdades internas e externas, e a construir uma comunidade aberta e integradora, vai depender, certamente, da nossa capacidade de estabelecer consensos nacionais e internacionais para contemplar, de forma diferenciada, os países em crescimento. (Marco Maciel é vice-presidente da República )"

"Computadores começam a chegar à periferia",
copyright O Estado de S. Paulo, 16/06/01

"Em 1994, na época em que os brasileiros davam seus primeiros passos na Internet, o Peru inaugurava sua primeira cabine pública de acesso à rede mundial. Nesses últimos sete anos, os peruanos criaram 800 salas de uso gratuito do computador. O Brasil ensaia agora seus primeiros telecentros de informática, que começam a chegar onde mais se precisa deles: nas periferias das grandes cidades.

O computador ainda é uma novidade nas regiões carentes e vai continuar sendo por um bom tempo. Há duas semanas, porém, moradores de um conjunto residencial de Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, puderam ?teclar? pela primeira vez nessa máquina moderna. Foi aberta a primeira sala do e-cidadania, um projeto da Prefeitura que pretende criar mil telecentros pela periferia – 40 neste ano – cada um com 20 computadores.

Os moradores tiveram a chance de ensaiar bonitinho antes de a prefeita Marta Suplicy inaugurar de fato o telecentro, que fica num centro comercial desativado. Líderes comunitários comemoram a chegada dos computadores onde antes funcionavam um desmanche de carros e um ponto de consumo de drogas. A comunidade está ansiosa.

?Uma amiga minha já tem computador. Quando começa a falar o que ela faz, fico quieta, não sei o que dizer?, afirma Suelen Silvia Gonçalves, de 16 anos. ?Quem já tem um leva a vantagem de poder aprender em casa. Nós que não temos, precisamos sair para fazer tudo?, completa Gleice Kelly Rodrigues Ferreira, de 14 anos. As duas estudantes estão entre as centenas de pessoas que já se cadastraram no telecentro. Ambas acreditam estar ali, no computador público, a boa chance de emprego no futuro.

Apartheid – Os publicitários ignoram pessoas como Suelen e Gleice e vendem a imagem de que a Internet no Brasil é um sucesso.

Não deixa de ser verdade. Há quase 10 milhões de internautas no País, 5,7% da população. Está muito abaixo dos países do Hemisfério Norte, mas entre os melhores abaixo do Equador. No entanto, só tem computador e Internet quem possui linha telefônica. ?Essa é uma situação clara de ?apartheid? digital.

Só 9% dos brasileiros têm acesso aos computadores e isso é grave?, afirma o coordenador do Comitê para a Democratização da Informática (CDI), Rodrigo Baggio|.

Com mais de 75 mil alunos formados, 252 escolas em 17 Estados, o comitê trabalha com comunidades carentes. Os computadores doados são entregues às lideranças comunitárias, encarregadas de montar as salas. Em seis anos, nunca um computador foi roubado. O novo desafio é uma escola na unidade Febem do Tatuapé, na zona leste.

No Capão Redondo, zona sul, um projeto de telecentro do Instituto Florestan Fernandes prova que o computador tem muita utilidade. O Sampa.org montou dez salas com dez computadores e conexão rápida. As lideranças comunitárias organizam a fila de espera, sempre crescente. ?Tem gente aqui que não lê nem escreve, mas sabe clicar?, enfatiza o coordenador Reginaldo de Alencar.

Webdesigner – Os telecentros são de uso livre e controlado. Não se paga nada, mas tem hora para entrar e sair. A maioria já aprendeu a utilizar as salas de bate-papo virtuais. Muitos vão fazer currículo. Mas nem todos. O estudante Guilherme Luiz Stolfo, de 16 anos, por pouco não teve um computador em casa. O pai preferiu uma televisão e um aparelho de som. Nas salas do Sampa.org, em oito meses, aprendeu sozinho a fazer sites. ?Descobri um novo mundo. Quero ser webdesigner?, diz.

A monitora Cleide Gonçalves Ferreira, de 25 anos, é responsável por uma unidade do Sampa.org em Campo Limpo. Diretora da Associação de Moradores do Jardim Rosana, ela virou repórter do jornal Capão On-line. ?A região só aparecia na mídia como o lado ruim de São Paulo. Por isso criamos uma agência de notícias virtual.? Pelo site www.sampa.org, os próprios moradores, que agora têm acesso à Internet, aprendem a se conhecer melhor.

Desde o ano passado, o governo estadual vem montando os Infocentros – salas com dez computadores. O primeiro foi montado no Jardim São Luís, zona sul.

Até 2002, deverão ser 240 unidades. Estima-se que menos de 2% da população desses locais esteja conectada. Em sete unidades do Sesc na capital e duas no interior, foram criadas salas do projeto Internet Livre. São 20 computadores ligados em alta velocidade."

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"Exclusão digital ainda é grande no País",
copyright O Estado de S. Paulo, 16/06/01

"Quem vê os inúmeros projetos de inclusão digital em prática no País acredita que o brasileiro está conectado por natureza. Ainda mais levando-se em conta que no Brasil se vota em urnas eletrônicas, há o melhor sistema de banco eletrônico do mundo e o imposto de renda é declarado pela Internet. Pura ilusão. Nada menos que 160 milhões de brasileiros não têm acesso à rede mundial de computadores.

O governo tem R$ 3,4 bilhões para gastar em três anos no chamado programa SocInfo, ou Sociedade da Informação. Neste ano, cerca de R$ 1 bilhão virá do Fust, um fundo com receita das empresas de telecomunicações. ?O dinheiro das privatizações?, gosta de ressaltar o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga. Pelo menos a metade será usada na compra de computadores para 15 mil escolas públicas do ensino médio.

Mas a menina dos olhos do governo tem outro nome: computador popular. Em setembro, Pimenta da Veiga procurou Ivan Moura Campos, coordenador do Comitê Gestor da Internet, para encomendar uma máquina barata. Campos prôpos e a Universidade Federal de Minas Gerais aceitou o desafio. Chegou-se a um modelo que pode custar R$ 600. ?Não há nada parecido no mundo?, diz o coordenador.

O modelo é uma versão compacta de um computador que não permite armazenar dados, mas possui Internet. O objetivo é fazer com que o BNDES apóie empresas privadas na produção, que definirão o preço final, e a Caixa financie a compra do aparelho. O sucesso do equipamento vai depender ainda de provedores de acesso, hoje concentrados em grandes cidades. Há cerca de 150 provedores para mais de 5.500 municípios.

?Esses aparelhos funcionam como um terminal de banco?, afirma o gerente da Microsoft Carlos Ximenes. A empresa, interessada na venda de programas e não no uso do software gratuito previsto no computador popular, faz seu mea-culpa, apoiando projetos como o CDI, Sampa.org e de criação de projetos em escolas, em parceria com o Instituto Ayrton Senna. Em São Paulo, a Internet chega a 2.765 escolas estaduais. Faltam outras 1.238. O problema maior é ensinar os professores e diretores a usarem esse novo instrumento de trabalho."

"Moradores da Rocinha já estão no mundo virtual",
copyright O Estado de S. Paulo, 16/06/01

"Para quem acredita que, no Brasil, o acesso à rede mundial de computadores é restrito à elite, a Rocinha, bairro-favela da zona sul do Rio, é um exemplo de que as comunidades carentes também querem – e podem – participar ativamente da era da informatização. Segundo cálculos da associação de moradores local, mil dos 200 mil habitantes possuem computador em casa e centenas freqüentam os cinco cursos de informática oferecidos no morro.

A favela também tem site (www.rocinha.com.br) e participa do portal www.vivafavela.com.br. Em breve, ganhará um cybercafé, onde, além comer e beber, os freqüentadores poderão navegar pela web. ?A Rocinha está mostrando sua cara para o mundo?, comemora o líder comunitário Paulo César Martins Vieira. Ele acredita que a Internet vai ajudar a acabar com o preconceito do ?asfalto? em relação à favela. ?Não podemos ficar à margem da era dos computadores. Os outros morros devem seguir nosso exemplo.?

No dia 3, o movimento Viva Rio – em parceria com empresas privadas e o Banco Mundial – vai inaugurar uma sala com 20 computadores com acesso à rede, a Estação Futuro. ?Vamos ainda financiar a compra de micros para os moradores, a um custo baixo?, conta o coordenador da entidade, Rubem César Fernandes. O Viva Rio já instalou na Rocinha um dos 55 clubes de informática que funcionam em favelas cariocas.

Em duas semanas, quando as aulas começarão, 17 micros estarão à disposição dos alunos dos cursos de Windows, Word e Excel, que pagarão mensalidade de apenas R$ 20. O clube da Rocinha funcionará numa creche onde crianças de 3 anos entram em contato com a informática. A demanda é grande, pois já há fila de espera. ?O morador da Rocinha quer conhecer a Internet e se ver nela?, afirma o líder comunitário Vieira.

Para o mundo – Essa idéia ajuda a entender a concepção da página da Rocinha na Internet, que apresenta o morro ao mundo em quatro línguas. Algo parecido ocorre no portal vivafavela. Os moradores são correspondentes de uma revista virtual. ?Mostramos o que dá certo nas favelas e deixar de lado os aspectos negativos, que já são explorados normalmente?, conta o diretor de conteúdo do portal Vivafavela, Oscar Valporto."

    
    
                     

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