Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Marcos Augusto Gonçalves

‘Maria Clara trancafiou-se com Laura no banheiro e desferiu 30 sopapos na bandida, numa espécie de encenação sadomasô perfumada da justiça com as próprias mãos. Catarse geral.

Façamos um paralelismo esquemático entre crime e castigo na novela e na vida real. O fio condutor da novela é o embate entre o mal e o bem. Quando o mal se apodera da situação, todos sabem que, mais dia, menos dia, ele será punido. O mal em ‘Celebridade’ é Laura. A fofa, encarnada por uma inspirada Cláudia Abreu, é a síntese do que há de ruim. Estava marcada para ser punida -e milhões aguardavam por isso, destilando diariamente rios de ódio contra a malvada.

Na vida real brasileira, porém, a inevitabilidade da punição pode ser um princípio, uma idéia, um desejo, mas não uma garantia, posto que o mal cada vez mais passeia por aí impunemente.

Em qualquer caso, no folhetim ou no drama real, a punição é o resultado de um processo, cheio de mediações. É preciso tempo para que ele se cumpra. Na realidade, o castigo é precedido de investigação, prisão, julgamento. Na novela, de um enredo rocambólico, que costuma reservar para o final a grande vingança.

Acontece que o país está muito impaciente para esperar processos. Há uma sede de vingança no ar. As pessoas querem ir direto ao assunto. A sociedade, cansada de violência e corrupção, está pronta para linchar. Quer malhar o Judas. Assumir a porção cinta-larga.

E foi esse desejo coletivo que ‘Celebridade’ contemplou. Poupou o público de uma espera dilacerante. Antecipou a punição. O bem, representado por Maria Clara, estava bonzinho demais. Assim não dá. Não somos otários. Então, vamos lá: porrada na sem-vergonha sem processo ou mediação. De alma lavada, restou no dia seguinte uma ponta de culpa. Maria Clara duvidou se havia feito o certo. Deixou a coitada com cara de vampiro, sem dente, numa maquiagem cômica, que ajudou a aliviar a cena (toda ela caricata e ruim) de um realismo que poderia ter sido ainda pior.

A culpa não durou muito. A amiguinha aprovou -e com ela o público. Maria Clara é do bem, mas não é trouxa. Fez o que se pedia. Justiça já. Direta. Com as próprias mãos.’



Bia Abramo

‘O erotismo do corpo feminino brutalizado’, copyright Folha de S. Paulo, 2/05/04

‘Uma garota espevitada leva palmadas de um homem mais velho. Uma mulher de bruços recebe passivamente raquetadas nas nádegas. Duas lindas mulheres se atracam. Duas garotas jovens se embolam no chão.

Parecem descrições de cenas de filmes pornôs com toques de sadomasoquismo, mas na verdade pertencem às duas últimas novelas das oito da Globo. Após os homens de torso nu na trama das sete, a nova aposta no terreno de liberalização de costumes são as cenas de violência erotizada contra a mulher no horário nobre.

O ‘produto’ foi largamente testado em ‘Mulheres Apaixonadas’ -três das situações no parágrafo anterior aconteceram na novela de Manoel Carlos- e teve sua eficiência em termos de audiência novamente confirmada na última segunda, quando Maria Clara espancou Laura.

É um truque que se pode classificar, sem medo de soar moralista, de sujo: a violência atrai gregos e troianos, mas a violência contra a mulher tem um quê de erótico capaz de fazer o público mais refratário à novela, o dos homens adultos, grudarem em frente à TV.

Nas sociedades machistas -e o Brasil é inequivocamente uma delas, das mais hipócritas-, o erotismo heterossexual masculino adulto compreende doses razoáveis de violência e de desejo de dominação. Uma mulher submetida a uma força maior, sofrendo algum tipo de dor, dobrando-se a uma vontade -ui!

Não à toa, a tal preferência anatômica nacional é a indicação exterior, muito pouco disfarçada, de uma obsessão por um tipo de relação sexual em que algum nível de resistência a ser vencida quase sempre está em jogo. Dessa obsessão cuidam a maioria dos filmes pornográficos dirigidos a homens heterossexuais, ainda banidos da sala de estar, mas, pelo jeito, a novela está se encarregando de lidar com o lado mais leve dessa associação entre corpo feminino brutalizado e erotismo masculino.

O fato de essas cenas terem quase sempre um sabor ‘justiceiro’ não livram a barra. Pelo contrário, fazem todos na sala -a mamãe, o papai, os meninos e as meninas- acreditarem que algumas mulheres em algum momento merecem de fato apanhar.

É um mote sexista conhecidíssimo aquele que diz que o homem pode não saber por que está batendo, mas a mulher certamente saberá por que está apanhando. As cenas de violência contra a mulher, mesmo quando infligida por outra mulher, como o foi em ‘Celebridade’, espertamente são coreografadas como surras -alguém sempre está punindo alguém por um delito real ou imaginário-, e não como brigas entre iguais, como no caso das disputas entre homens.

Para além daquilo que essa nova ‘moda’ representa em termos de banalização da violência, o tempero de erotismo que envolve esse tipo de cena confere significados que não podem -ou não deveriam- ser tratados com leviandade pelas emissoras nem aceitos com passividade por telespectadores. Ou seja, quais são as imagens de gênero que se firmam entre as meninas e os meninos quando a TV que está na sala de casa, com mamãe e papai assistindo e cada um vibrando a seu modo, mostra mulheres apanhando a torto e a direito e, o que é pior, com ‘razão’?’



Daniel Castro

‘‘Celebridade’ copia 2 cenas de ‘Dancin’Days’’, copyright Folha de S. Paulo, 28/04/04

‘Seqüência que deu a maior audiência da novela das oito, ‘Celebridade’, a briga entre Maria Clara (Malu Mader) e Laura (Claudia Abreu), anteontem, foi copiada de duas cenas de ‘Dancin’Days’, exibida pela Globo de julho de 1978 a janeiro de 1979. Ambas as novelas são de Gilberto Braga.

O capítulo deu 58 pontos no Ibope _81% dos televisores da Grande SP estavam sintonizados na novela. É a mesma audiência do capítulo de ‘Mulheres Apaixonadas’ em que Fernanda (Vanessa Gerbelli) foi baleada.

A cena em que Laura dança após receber um troféu tem muita semelhança com o capítulo 79 de ‘Dancin’Days’, em que a ex-presidiária Julia Mattos (Sonia Braga) marcava sua volta triunfal com uma ‘performance’ na pista. Até as músicas são da mesma época _dos anos 70.

Na seqüência em que Laura apanha de Maria Clara, a inspiração vem do último capítulo de ‘Dancin’Days’, do acerto de contas entre as irmãs Julia (Sonia Braga) e Yolanda (Joana Fomm), que se atracaram em um salão.

Em ‘Celebridade’, no entanto, a Globo valorizou a violência, com uma maquiagem um tanto tosca. Laura levou 30 tapas, mas foi o suficiente para ter cortes profundos e perder um dente.

‘Há uma auto-referência entre as cenas’, diz Mauro Alencar, doutorando em teledramaturgia pela USP. Gilberto Braga não foi localizado até o fechamento.

OUTRO CANAL

Titanic 1 Apesar do naufrágio de ‘Metamorphoses’, a Record não vai desistir agora de seu projeto de teledramaturgia. Nesta semana, deve fazer uma proposta formal para Roberto Talma, da Globo. Já se prepara para produzir duas próximas tramas. Uma será com produtora independente e a outra, da própria emissora.

Titanic 2 A Record ainda tentará dar um último suspiro para ‘Metamorphoses’. Está negociando com um autor para reescrever a sinopse da novela, baseado em pesquisas com telespectadores, matando e criando personagens.

Resgate Em convenção no último final de semana, afiliadas da Record pediram a volta do ‘Jornal da Record’, de Boris Casoy, ao horário original (19h40). Agora às 21h, numa tentativa de turbinar ‘Metamophoses’ no Ibope, a audiência do telejornal despencou. Deu 2 pontos anteontem. Teme-se a queda no faturamento.

Retomada A TVA voltou a registrar crescimento em sua base de assinantes no primeiro trimestre deste ano. Segundo a operadora, que tem 290 mil assinantes no país, o aumento foi de 2%. O lucro operacional no período foi de R$ 17,5 milhões.

New wave O canal A&E Mundo exibe ao vivo no dia 7 show da banda Blondie, nos EUA. Telespectadores poderão pedir músicas.’



O Estado de S. Paulo

‘‘Celebridade’ bate seu recorde’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/04/04

‘A surra de Maria Clara (Malu Mader) em Laura (Cláudia Abreu) rendeu ao capítulo de Celebridade, anteontem, o recorde de audiência da novela, com 58 pontos de média em São Paulo (2,87 milhões de lares), segundo o Ibope.’