Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marilena Chaui

‘Em política, há duas grandes disputas: a definidora da própria política, isto é, a disputa pelo poder; e a disputa simbólica, isto é, pela ocupação de um lugar onde se reconheça uma imagem definida por valores postos pela sociedade.

Do ponto de vista simbólico, o PT, ao definir-se não como um partido para os trabalhadores, e sim dos trabalhadores, ocupou o lugar definido pela criação e conservação de direitos civis e sociais dos economicamente explorados, socialmente excluídos e politicamente subalternos. Na disputa simbólica, o campo dos direitos ou da cidadania plena definiu a imagem do PT, diferenciando-o, por exemplo, do PSDB, que ocupou o lugar simbólico denominado ‘modernidade séria e responsável’.

A crítica é hipócrita porque pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002.

Historicamente, porém, a disputa simbólica sofreu um deslocamento. De fato, a oposição ao governo Collor introduziu o tema da ética na política, e as circunstâncias fizeram com que esse lugar simbólico também fosse ocupado pelo PT. Todavia, diferentemente do lugar simbólico dos direitos, o da ética na política não é ocupado sem contestação, porque outros partidos o disputam continuamente. Por isso, tais partidos e os meios de comunicação procuram manter os olhos da população voltados para esse lugar, buscando fatos reais ou imaginários que destituam o PT.

Se, de janeiro de 2003 a fevereiro de 2004, acompanharmos as ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos jornais, rádios e televisões, notaremos que operam de modo a retirar do PT os dois lugares simbólicos que ocupa.

No caso dos direitos, isso ficou claro, por exemplo, com as tentativas de desqualificar a política internacional e as várias políticas sociais iniciadas, de identificar a política econômica atual com a do governo anterior, de interpretar as reformas da Previdência e tributária como destruição de direitos (quando elas buscaram quebrar privilégios travestidos de direitos). Em certos momentos, aliás, somos colocados diante de algo paradoxal, pois procura-se destituir o PT desse lugar simbólico, afirmando-se que o atual presidente da República não tem o direito ao cargo porque seria intelectualmente inculto, ou seja, ergue-se contra Lula aquilo mesmo que fez o PT nascer e ocupar o lugar simbólico dos direitos, isto é, a luta contra os preconceitos de classe que, pela discriminação e a exclusão, negam cidadania aos trabalhadores!

Mas é no ataque ao lugar simbólico da ética na política que a disputa é mais acirrada e ganha ares consistentes. Os alvos do ataque têm mudado no correr dos tempos. Atualmente, o alvo é o caso do ex-assessor de José Dirceu. Por um lado, a crítica é válida e consistente, pois tudo indica que houve corrupção.

Por outro lado, a crítica é hipócrita porque: a) pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política), qual seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis; afinal, é um segredo de polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil; c) não menciona a proposta de reforma política, publicada em livro pelo Instituto da Cidadania, que, no dia 1º de julho de 2003, a entregou ao Executivo e ao Legislativo, tendo sido discutida e aprovada por uma comissão especial (pluripartidária, com 45 membros) criada pelo presidente da Câmara, João Paulo; a reforma (que prevê o financiamento público das campanhas) não será um decreto presidencial, e sim uma ação do Congresso Nacional.

O que se esperaria dos defensores da ética na política? Que tomassem o episódio como ocasião para expor claramente à sociedade o desastre do sistema eleitoral, avaliassem a proposta do Instituto da Cidadania e o documento do relator da comissão parlamentar especial, fizessem propostas de mudanças e persuadissem a sociedade brasileira a exigir a reforma.

Não é, porém, o que temos visto, porque a questão não é a ética na política nem a reforma política, e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa.’



José Arthur Giannotti

‘Fatos e disputa política’, copyright Folha de S. Paulo, 19/02/04

‘A respeito do caso de corrupção envolvendo assessor do Planalto, nunca poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna Marilena Chaui pudesse escrever o seguinte, na Folha de ontem: ‘a crítica é hipócrita porque: a) pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política), qual seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis’. Pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do casal Garotinho, mas do PT. Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o que me leva a procurar esclarecer meu ponto de vista.

No final das contas, se até mesmo Marilena não me entendeu, não poderia proceder de outra maneira. Que isso tenha ocorrido, porém, não é de estranhar, pois Marilena tem mantido, nos últimos tempos, uma relação esdrúxula com os fatos. Aqui cabe outro exemplo. Na entrevista à revista francesa ‘Esprit’, de janeiro de 2004, intitulada ‘La méthode Lula’, a respeito dos assessores do presidente, ela afirma: ‘A equipe econômica é composta de três tipos de conselheiros. De início, há os economistas, professores, consultores etc. Mas esses ‘experts’, diferentemente daqueles do governo Cardoso, não estão ligados aos bancos, às grandes instituições financeiras nem, de maneira geral, às grandes instituições econômicas instaladas’. Seria fácil escolher outros exemplos, mas não é o que interessa aqui.

O PT tirará desse episódio a lição devida e se mostrará menos juiz e mais empreendedor?

Nunca endossei a tese da imoralidade constitutiva da política e, todas as vezes que me ocupei dessa questão, sublinhei a diferença entre ‘imoral’ e ‘amoral’. É da essência da atividade política alargar o âmbito das práticas ou das instituições, pois somente assim as regras instaladas servem para guiar condutas em processo. Regras envelhecidas não servem para enfrentar o novo. Daí o próprio exercício da política, no qual o risco é inerente, abrir um espaço onde a ação não pode ser dita, em princípio, moral ou imoral. Em que medida o financiamento das campanhas está sujeito a essa indefinição? Como diminuir a força do poder econômico nas campanhas? Mesmo financiada pelos cofres públicos, sempre haveria um líder comunitário achando-se no direito de pedir liberação de verba sem levar em conta a eqüidade em sua distribuição. Toda ação implica interpretar a regra, o que se faz de um ponto de vista particular, produzindo resultados imprevistos, quando não indesejados.

Voltemos ao que nos interessa. O sr. Waldomiro Diniz foi pilhado negociando em nome do PT, o que afeta o partido como um todo. Aliás, há outros episódios ligando a captação de recursos para o PT com o jogo do bicho, cabendo perguntar até que ponto estão associados às propostas petistas de legalizá-lo. Suponhamos que um candidato ‘X’ seja favorável a essa legalização e, por isso, tenha apoio financeiro de um bicheiro. Obviamente toda essa ajuda deve ser declarada. Mas o bicheiro não pode declará-la integralmente, pois então não seria bicheiro. Donde a regra: quem aceita dinheiro do jogo do bicho coloca-se à margem da moralidade pública constituída. Suponhamos que esse jogo seja, depois, legalizado. A doação anterior tornou-se moral, e o candidato, uma vez eleito, paladino da renovação das instituições.

À parte a ironia, se a imprecisão da ação política escapa à bivalência do bem e do mal -a uma rígida aplicação da regra moral sem a avaliação das contingências de sua aplicação- como julgar essa ação? A meu ver, saindo da oposição entre vigiar e punir, de maneira a criar instituições capazes de prevenir, na medida do possível, que a ação política seja julgada a partir do extremo do absolutamente moral e santo (como, aliás, tem feito o PT) ou que seja assumida na sua imoralidade, já que os fins justificariam os meios. Isso depende, obviamente, de um longo processo de amadurecimento das próprias instituições políticas.

Houve uma infração a ser punida. Até onde deve ir a punição? Quem se conduz de modo imoral ao coletar dinheiro de campanha, provavelmente, continuará procedendo, posteriormente, da mesma maneira. Suponhamos que se mostre que o ministro José Dirceu esteja envolvido e, por conseguinte, o presidente Lula, responsável pela escolha e atuação de seu ministério. Todos eles devem ser punidos? À medida que o delito recua do ator para outros responsáveis por ele, vai perdendo sua carga moral para se transformar numa questão política. Daí a punição depender do jogo dos próprios interesses políticos e da avaliação de sua oportunidade. A imoralidade subjetiva de Waldomiro Diniz é uma coisa, outra coisa é a imoralidade pública do resto do governo, mesmo que ele esteja envolvido nela. Isso porque o próprio processo político decidirá se o ato individual é ou não coletivamente imoral.

Convenhamos, a corrupção existe no PT como em outros partidos, em maior ou menor grau. Importa saber, além do discurso ideológico e do palavrório simbólico, quais instituições internas trabalham para restringir a corrupção do partido, do governo e do jogo político como um todo. Mas ainda é preciso levar em consideração um paradoxo. Se todo o governo fosse punido, haveria uma crise institucional, com enfraquecimento e talvez desaparecimento das instituições de vigilância pública, o que levaria a corrupção pública às alturas. O PT tirará desse episódio a lição devida e se mostrará menos juiz e mais empreendedor?’



GOVERNO REQUIÃO
Bia Moraes

‘Governo e imprensa se enfrentam no PR’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/02/04

‘De um lado, o principal jornal impresso do Paraná sendo chamado de mentiroso. De outro, jornalistas acusando o governo de Roberto Requião de ditatorial. No cerne do episódio, uma reportagem publicada esta semana pelo jornal Gazeta do Povo e a resposta do governo do Paraná, em forma de anúncio pago, publicado em outros jornais, taxando a matéria de mentirosa. A guerra de informações gerou notas de repúdio e grande repercussão entre jornalistas paranaenses. Ainda nesta sexta-feira (20/02), jornalistas lotados na Comunicação Social do Palácio Iguaçu, sede do governo, estão enviando uma espécie de tréplica à nota de repúdio divulgada pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná – por sua vez baseada em carta assinada pelos profissionais da redação da Gazeta do Povo, em resposta às acusações do governo.

A pauta que iniciou a polêmica foi a divulgação do novo Plano de Cargos e Salários dos professores da rede estadual de ensino – assunto, por si, explosivo, uma vez que a categoria está sem aumento salarial há mais de oito anos. Desde que o governador Roberto Requião (PMDB) assumiu o cargo, havia a expectativa de uma solução para o impasse dos professores. Na quarta-feira (18/02) a Gazeta publicou matéria sobre o assunto, pois naquela mesma data o projeto, elaborado pelo governo, do novo Plano de Cargos e Salários dos professores, foi enviado à Assembléia Legislativa – onde foi aprovado. Alterações à proposta original do governo serão feitas após o feriado de Carnaval. Na reportagem da Gazeta, foram ouvidos professores que se mostravam contrários a alguns pontos do projeto e apontadas supostas falhas do Plano.

Na quinta-feira (19/02), o governo do Estado publicou anúncio pago em três jornais do Paraná: Folha de Londrina, O Estado do Paraná e Hora H. Também o site da Agência Estadual de Notícias, da Secretaria de Comunicação Social do governo, veiculou matéria sobre o tema. A matéria da agência reproduziu declarações do presidente da Associação dos Diretores dos Estabelecimentos de Ensino Público Estaduais de Curitiba (Adepec). Ele dizia que as informações veiculadas na matéria da Gazeta do Povo são ‘inverídicas e não representam a opinião da entidade’. De acordo com a matéria da agência, o presidente e outros membros da Adepec estiveram reunidos na quarta-feira com o secretário de Estado da Educação, Maurício Requião, para reiterar a posição da entidade a favor do plano. ‘Sabemos que o jornal tem sua orientação. Infelizmente a imprensa às vezes decepciona’, teria dito o presidente da associação.

Após reproduzir falas do secretário de Educação e de outras fontes, a matéria da agência reproduz também os termos do anúncio publicado em jornais no mesmo dia:

‘Nota oficial – A Secretaria da Educação, em nota oficial, rebateu os sete equívocos cometidos pelo jornal Gazeta do Povo, em sua edição desta quarta-feira (18). Segue a nota:

Durante o processo de negociação entre o Governo do Estado e o Sindicato dos Professores do Paraná para elaboração do novo Plano de Carreira dos Professores, inúmeras vezes o jornal Gazeta do Povo divulgou em suas páginas equívocos e distorções que tumultuaram e prejudicaram o trabalho que, felizmente, chegou a bom termo.

Governo e Sindicato construíram acordo sobre Projeto de Plano de Carreira que está hoje sendo apreciado pela Assembléia Legislativa do Estado e que contém indiscutíveis avanços para a educação pública do Paraná e para a profissão do Professor.

Em 18 de fevereiro após o envio da mensagem governamental à Assembléia Legislativa voltou o Jornal A Gazeta do Povo a veicular inverdades, atribuindo-as a anônimos supostos professores.

Diz a Gazeta do Povo: A Secretaria vai refazer parte do Plano Secretaria da Educação: A SEED não cogita refazer parte do Plano. Jamais foi consultada sobre o assunto pelo jornal. Diz a Gazeta do Povo: A Secretaria reconheceu que parte do Plano está confusa.

Secretaria da Educação: A SEED considera o projeto extremamente claro. Jamais foi consultada sobre este assunto pelo jornal. Diz a Gazeta do Povo: Auxílio-transporte somente a quem permanecer em sala de aula.

Secretaria da Educação: Todos os professores em exercício farão jus ao auxílio transporte (art.26 do Projeto de Lei). Diz a Gazeta do Povo: Auxílio-transporte não será concedido a quem tiver aula extraordinária.

Secretaria da Educação: O auxílio será proporcional ao número de horas da jornada de trabalho (art.26 do Projeto de Lei). Diz a Gazeta do Povo: O recesso de trinta dias poderá ser extinto pois dependerá da política do governo.

Secretaria da Educação: O recesso de trinta dias consta do Projeto de Lei (art.32 e parágrafo) e estará assegurado, portanto, por lei complementar. Diz a Gazeta do Povo: Com abono, aumento fica em 8%. Secretaria da Educação: Com o abono, o aumento médio foi de 33%. A maioria teve aumento superior a 33%. Sem o abono, ou seja, em relação à tabela de 1996, o aumento variou entre 58% e 102%. Diz a Gazeta do Povo: Retrocesso no Ensino Especial. Secretaria da Educação: Até outubro de 2003 um professor de ensino especial ganhava, com a gratificação de 50%, que não era levada para a aposentadoria, R$379,76. Em outubro de 2003 o Governo Estadual elevou este salário a R$664,18 (incluída a gratificação). Com o novo Plano os professores do ensino especial, pela primeira vez, serão incorporados à carreira através de concurso público, conquistando os mesmos direitos dos professores do ensino regular, e passarão a receber um salário inicial de R$793,98 (incluindo o auxílio-transporte), todo ele contado para fins de aposentadoria’.

A reação dos jornalistas da Gazeta foi imediata. Foi enviada ao Sindijor-PR uma carta assinada pela redação, defendendo a reportagem como isenta, e acusando membros do governo Requião de discriminação e sonegação de informações. De acordo com fontes da Gazeta do Povo, secretários de Estado e membros do segundo escalão do governo não atendem aos pedidos de reportagem do jornal. A carta ao Sindijor-PR diz que os jornalistas da Gazeta estão sofrendo constrangimentos e não são respeitados em seu trabalho. Já houve episódios, em solenidades públicas ou entrevistas coletivas, em que o governador Requião tratou repórteres da Gazeta com ironia ou rispidez.

No mesmo dia (quinta-feira, 19/02) o Sindijor-PR divulgou nota de repúdio ao anúncio publicado pelo governo do Estado:

‘O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná repudia a forma como o governo do Estado vem tratando os jornalistas profissionais da Gazeta do Povo. A última investida – um anúncio provavelmente pago com verbas públicas, estampado em alguns jornais, sob o título ‘As sete mentiras da Gazeta do Povo sobre o Plano de Carreira dos Professores do Paraná’ – mostrou até onde pode ir a arrogância dos donos do poder no Estado. Taxativamente, o anúncio diz que são ‘mentiras’ informações publicadas na Gazeta. Os jornalistas não podem ser penalizados no exercício de suas funções, em razão de desentendimentos entre políticos e proprietários de empresas.

Numa postura antidemocrática e tendo visivelmente o confronto como meta, o governo não faz nenhum ‘esclarecimento’ sobre eventuais equívocos que o jornal possa ter cometido na cobertura, apenas trata de desrespeitar profissionais que, à margem de todo confronto entre os donos do veículo e as forças políticas ora no poder, tentam realizar o seu trabalho de forma profissional, íntegra e digna. Igualmente, repudiamos o boicote promovido pela Secretaria de Comunicação Social do governo aos jornalistas da Gazeta do Povo. Profissionais da imprensa são impedidos de trabalhar porque, de forma discriminatória, lhes são sonegadas informações. O último caso foi a recusa de assessores em repassar informações sobre o Parque da Ciência. É simplesmente um acinte que uma instituição estatal, paga com recursos de todos os contribuintes, negue-se a prestar contas à sociedade, fechando-se ao trabalho da imprensa sob qualquer argumento.

Não bastasse o cerceamento de informações aos jornalistas da Gazeta do Povo, várias figuras do atual governo tratam os profissionais da imprensa de maneira truculenta e mal-educada. O tratamento respeitoso dos governantes com a imprensa é prova de amadurecimento da democracia. As atitudes de Requião, no entanto, têm mostrado que esta não é a regra no Paraná. É por este e por outros episódios lamentáveis que o Brasil tem um dos piores índices de liberdade de imprensa do mundo. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná vai continuar lutando para que não haja mais cerceamento ao elementar direito de acesso à informação e à liberdade de expressão e que todos os jornalistas, no estrito cumprimento de suas funções, sejam respeitados.

Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná Curitiba, 19 de fevereiro de 2004’.

Nesta sexta, o assunto continuou em pauta: a Gazeta publicou matéria sob o título ‘Sindijor repudia ação do governo estadual’, onde reproduz na íntegra o texto da nota do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. Além disso, a matéria afirma que ‘a reação do governo estadual, chamando de ‘mentirosa’ a reportagem (…), foi ontem motivo de manifestação de professores, políticos e jornalistas que discordam do ponto de vista oficial’.

Na mesma edição, o colunista de Política da Gazeta do Povo, jornalista Fábio Campana, abre a coluna sob o título ‘O Fato e a Versão’ com o seguinte texto:

‘Ora, pois, em pronunciamento oficial esta Gazeta foi acusada de tratar o episódio do plano de cargos e salários dos professores sem considerar a ‘verdade’ dos fatos. Mas que fatos? Naturalmente os da versão oficial. Como se não houvesse ou não devessem existir outros pontos de vista na sociedade. Neste caso, entre todos os que a competente reportagem da Gazeta considerou está o dos professores.

A imprensa, a rigor, só erra quando sonega informações. Esta Gazeta publicou a opinião oficial, a dos opositores, a dos mestres e assim por diante. Cumpriu o seu papel. A idéia de que existe uma única verdade factual, anterior ao debate, à investigação e à controvérsia, e que essa verdade, sempre a do governo, é a única que merece ser publicada e considerada, é de fato uma idéia primária e primitiva, que só se pode impor a espíritos simplórios.

As versões e o fato. Na verdade, só a ignorância e o primarismo (às vezes até bem intencionados) podem confundir instâncias diversas, fases necessárias de um mesmo processo de conhecimento. Não faz muito tempo, a imprensa esteve sob a censura do regime fardado. Era obrigada a publicar apenas a versão das notas oficiais, em todos os casos em que isso convinha às autoridades.

Melhor do que ninguém, os políticos e comunicadores hoje no poder sabem a que excessos, distorções e horrores levou esse monopólio da verdade oficial, imposto aos jornais. Foi sob a casamata da censura que prosperaram os monstros que ainda hoje a sociedade procura exorcizar.

Sabe-se que o inferno está pavimentado de boas intenções. Mas sabe-se também que nunca teremos um regime democrático digno desse nome enquanto os governantes não se dispuserem a respeitar as outras instituições permanentes, com suas características e suas prerrogativas próprias. Entre elas, a imprensa livre. Ainda que, muitas vezes, como o próprio governo, ela esteja longe de ser perfeita’.

Já o jornalista Pedro Ribeiro, em seu site Documento Reservado, vai mais fundo no tema. Dá como manchete ‘Atentado à liberdade de imprensa’ e segue, em longo texto, assinado, onde afirma que ‘o governo do Estado extrapolou. Perdeu o bom senso, o diálogo, o debate, e chegou às raias da loucura. (…) Usa o dinheiro público para zombar da sociedade paranaense, em especial os jornalistas.

(…)Tudo por um capricho pessoal de queda de braço entre o empresário e jornalista, Francisco Cunha Pereira Filho e o governador Roberto Requião, neste caso, representado pelo poder. O que vemos nos jornais e o que assistimos no dia a dia dessa guerra são cenas patéticas, de horror e que nos envergonham como profissionais da imprensa e como cidadãos paranaenses.

Ontem, na redação da Gazeta do Povo, a reação não poderia ser diferente. Jornalistas, em pleno exercício da profissão, deixaram seus computadores de lado para se reunir em assembléia e discutir o assunto. Indignação, vontade de rasgar o diploma, de mudar de estado. É claro que as vozes que ecoaram na redação não significam uma tomada de decisão, mas é o começo de uma reação que deverá ter conseqüências práticas ou vamos todos nos calar e assistir a uma escalada totalitária do governo de plantão’.

Ribeiro segue lembrando que ‘o Palácio Iguaçu está sonegando informações, sistematicamente, a vários meios de comunicação de massa que o governador Roberto Requião (PMDB) e seus aliados consideram adversários. O veículo que tem sido a principal vítima do problema é o jornal Gazeta do Povo, um dos mais importantes do Estado. Seguindo orientação direta do governador, secretários de Estado estão se recusando a conceder entrevistas para os jornalistas da empresa. O argumento é que o jornal estaria distorcendo várias informações de interesse do Palácio’. O texto de Ribeiro segue por mais dois extensos parágrafos.

O site Documento Reservado vem publicando denúncias de irregularidades em questões de licitações de agências de publicidade e reclamações de jornalistas sobre a atuação do secretário de Comunicação Social do Estado, Airton Pissetti, e o assessor direto de comunicação do governador Requião, Benedito Pires.

Por fim, sentindo-se atingidos pelo manifesto da redação da Gazeta do Povo e pela nota do Sindijor-PR, os jornalistas da assessoria de Comunicação Social do governo estadual estão divulgando, nesta sexta, resposta à postura do Sindijor-PR:

‘Os jornalistas da Secretaria Estadual de Comunicação Social lamentam a forma como o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor) tratou os profissionais vinculados a este órgão em manifesto divulgado nesta quinta-feira (19/02).

Partindo do princípio que esta Secretaria é formada na sua maioria por profissionais de comunicação, salientamos que em nenhum momento, desde o início do mandato do governador Roberto Requião, houve boicote a qualquer profissional de imprensa como sugere de forma equivocada o Sindijor. Pelo contrário. O atendimento aos colegas de profissão é feito diariamente e em qualquer horário, já que é de conhecimento de todos, os telefones celulares e, em alguns casos, residenciais, dos jornalistas da Comunicação Social, assim como os telefones que mantemos em casos de plantão. A maneira precipitada com que o Sindicato acusa os profissionais desta Secretaria causa mais indignação à medida que os próprios jornalistas da Gazeta do Povo, em contato telefônico ocorrido no final da tarde desta quinta-feira, reconhecem a qualidade e a maneira cordial do atendimento a eles prestados pela Comunicação Social, contrariando o que foi dito pelo Sindijor. Causou-lhes, também, surpresa e espanto a forma como o Sindicato tratou os jornalistas da Secretaria, já que em nenhum momento, no manifesto enviado pelos jornalistas da Gazeta do Povo ao Sindijor, é citada a Secretaria de Comunicação Social.

A diretoria do Sindicato, ao criticar membros da Comunicação Social, parece ter esquecido que aqui também trabalham jornalistas. E pior, a maioria filiados a esta Instituição, que os ofendeu de maneira inconseqüente.

Dessa forma, sugerimos ao sindicato que nomine os supostos profissionais que ‘boicotam’ os jornalistas da Gazeta do Povo, e ainda se retrate, já que acusações equivocadas como essas atingem profissionais sérios e de carreiras ilibadas que, a partir de agora, começam a ver com outros olhos a diretoria do seu próprio Sindicato.

Jornalistas da Secretaria Estadual de Comunicação Social’.

Não foi a primeira vez que o governador Requião entrou em confronto com os veículos da RPC (Rede Paranaense de Comunicação), do empresário Francisco Cunha Pereira. Recentemente, em pronunciamentos na rede de TV Educativa, Requião acusou Cunha Pereira de estar defendendo os donos de bingos do Paraná, por causa de reportagem veiculada pela TV Paranaense onde foram entrevistados funcionários desempregados desses estabelecimentos. Os bingos do Paraná (com exceção de alguns que conseguiram liminar judicial) foram fechados por ação do governo, que os acusa de funcionarem como fachada para negócios ilícitos como lavagem de dinheiro.’



GOVERNO MARTA
Laura Mattos

‘Marta dá entrevista a rádio sem autorização para operar’, copyright Folha de S. Paulo, 18/02/04

‘Candidata à reeleição, Marta Suplicy esteve semana passada em Heliópolis, na periferia de São Paulo, para falar sobre os planos de urbanização do bairro.

Começou com um discurso numa quadra esportiva e encerrou com uma entrevista de 15 minutos à rádio comunitária Heliópolis. A estação, premiada no ano passado por seu trabalho social, não foi autorizada pelo Ministério das Comunicações a operar. Na avaliação de AMs e FMs comercias, é uma emissora pirata.

Então, a prefeita de São Paulo deu entrevista a uma rádio irregular? Sim, mas a história não é tão simples e pode ser um bom exemplo da confusão envolvendo emissoras comunitárias no Brasil.

A estação pertence à União de Núcleos, Associações e Sociedades de Heliópolis e São João Clímaco, dois dos mais pobres bairros da cidade. Começou em 1997 como ‘rádio corneta’ (megafones em postes) e em 1998 passou a transmitir por ondas de FM.

Nessa época, segundo Geronino Barbosa, diretor de comunicação da entidade, entrou com um pedido para operar, no Ministério das Comunicações. Até hoje, diz ele, não obteve a autorização.

No ar pelos 97,9 MHz, a FM recebeu no ano passado o prêmio de Ação Social pela Promoção da Cidadania, da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte).

Em sua programação, o foco está nas notícias da região: ‘Dona Maria, amanhã tem reunião sobre a distribuição de leite’, ‘Pessoal, sábado as escolas estarão abertas para a prática de esportes’.

Há também o programa ‘DST -°Aids nas Ondas do Rádio’, que esclarece dúvidas sobre a doença e organiza distribuição de preservativos e exames médicos. Toca rap, forró, sertaneja, brega. A cada música, três informações.

Marta, diz Barbosa, não foi a primeira autoridade a lhes dar entrevista. ‘O governador Geraldo Alckmin e o senador Eduardo Suplicy também já nos visitaram.’

Por que, então, a rádio Heliópolis não pode operar legalmente, considerando a lei que determina que toda cidade reserve o canal 200 (87,9 MHz) para comunitárias? Porque não há espaço no congestionado dial de FMs de São Paulo, diz a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Há cerca de 15 dias, um documento interno da agência afirmava que a indústria havia se comprometido a incluir mais dois canais no início do dial, o 198 (87,5 MHz) e o 199 (87,7 MHz). Seria uma maneira de dar espaço a comunitárias em grandes cidades.

A polêmica tem novo ‘round’ marcado para 13 de março, na Câmara Municipal. Será o seminário ‘Cadê Canal para a Capital?’.’