Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mário Augusto Jakobskind

‘Discutir a mídia é do interesse de todos os brasileiros e nos próximos dias 6, 7 e 8 de julho os jornalistas de todo o País vão eleger uma nova diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), entidade que reúne os sindicatos da categoria, do Oiapoque ao Chuí. O candidato a presidente pela Chapa 2, Outra Fenaj é Possível, em oposição à atual diretoria, Carlos Alberto de Almeida, o Beto, está percorrendo o Brasil e tem estendido o debate a todos os segmentos sociais. Na entrevista, além de fazer uma radiografia da mídia, Beto mostra que nem tudo está perdido, apesar de prevalecer neste momento o chamado jornalismo de mercado, que busca o lucro fácil em detrimento da ética. Isso, para não falar que esse gênero é também responsável por um dos maiores índices de desemprego que se tem notícia na história da imprensa brasileira. Só no ano passado, 17 mil profissionais do setor ficaram fora do mercado de trabalho. Beto mostra que pouco adianta o diagnóstico sem tentar agir para reverter este quadro adverso. Isso passa pelo fortalecimento da mídia pública, legislativa, interiorana, universitária e, claro, por uma mudança radical no atual sistema de comunicação no País. Beto indica que a expansão da mídia pública amplia o número de empregos , com contratações por concurso, além de possibilitar maior qualidade ao jornalismo. Hoje há jornalistas sem trabalho, gráficas paradas e um povo sem leitura. No Brasil se lê menos, proporcionalmente, do que na Bolívia. Beto defende políticas públicas para massificar a leitura de jornal e fortalecer a cidadania. Mineiro de Campo Belo, Beto morou no Rio de Janeiro, onde jogou futebol de praia, quase se tornando um Beto bom de bola, não fossem os meniscos. Depois, foi para a capital federal estudar Jornalismo. Por sua luta contra a ditadura acabou expulso da Universidade de Brasília, tendo que viver algum tempo escondido até ser anistiado e reintegrado em 1979. Beto reconhece que o livro Poder Jovem, de Arthur José Poerner, foi um dos que o marcou na rebeldia contra as injustiças e o coração de estudante, que ainda carrega consigo, ávido por justiças nestas e outras terras. Jornalista com vasta experiência profissional, Beto trabalha na TV Senado, onde entrou por concurso público. Dá cursos de radiojornalismo para o pessoal do MST e tem trabalhado para a integração comunicativa da América Latina, tendo tratado do tema com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que propõe a TV do Sul, para ‘enfrentar a ocupação audiovisual norte-americana sobre os povos do continente’. A entrevista contou com a presença, entre outros, de Beth Carvalho, que acompanha assiduamente os programas conduzidos por Beto na TV Senado, sempre com a ótica de que a cultura popular brasileira precisa de um tratamento mais democrático e inteligente por parte da mídia.

ENTREVISTADORES: Arthur Poerner, Beth Carvalho, Claudia Furiati, Fernando Siqueira, Maria Luiza Franco, Mário Augusto Jacobskind, Milton Temer, Zezé Sack e Ziraldo.FOTOGRAFOU: Frederico Rozário

Maria Luiza – Por que voce acha que o publico d’OPasquim21 se interessaria por uma entrevista com um candidato à Federação Nacional de Jornalistas?

Beto Almeida – O jornalismo de humor no Brasil sempre teve uma função relevante. Tem uma frase curiosa: ‘Se alguém soubesse como se fabricam as salsichas, não comeria salsichas’. Mas é importante que a sociedade saiba como se constrói a notícia, quais os processos de assédio, de pressão e os obstáculos que impedem uma comunicação plena no Brasil. O debate em torno da Fenaj não pode ser corporativo. A questão da Fenaj é política.

Ziraldo – E por que você é candidato à presidência da Fenaj?

Beto – Queremos uma mídia a favor do povo brasileiro, porque essa que está aí serve a interesses desagregadores da identidade brasileira. Há honrosas exceções – como OPasquim21 – que têm compromissos com a sinceridade, com valores essenciais da cidadania, que tratam a informação como um bem social, e ajudam a construir um projeto pro país./

Beth Carvalho – Qual é sua plataforma?

Beto – Lutar pela regulamentação do capítulo da Constituição que fala sobre a limitação do oligopólio. Vamos lutar pela aplicação do capítulo da Constituição que fala da complementaridade entre mídia comercial, estatal e pública. A mídia pública não está regulamentada no Brasil. Queremos a regionalização da produção jornalística e cultural, o que inclusive gera empregos. Queremos que a mídia brasileira deixe de ser ocupada em 85% pelo audiovisual estrangeiro. Queremos que todas as manifestações legitimas da cultura brasileira encontrem espaço. O Halloween tem um grande espaço na mídia brasileira enquanto o caboclinho de Pernambuco… Ao mesmo tempo, queremos acabar com a proibição de que o povo brasileiro não possa ler. Temos que encontrar mecanismos para massificar a leitura.

Beth – Os jornalistas não podem ficar alheios aos projetos de alfabetização do povo brasileiro, que estão formando seus futuros leitores.

Beto – Claro. Por que a Fenaj vai cuidar só de seu próprio umbigo? Existe um projeto na Unicamp de um computador popular que custa R$ 750. Por que essa produção não é massificada? Com este projeto o Brasil poderia alcançar em curto prazo 20 milhões de computadores populares. A Fenaj tem que discutir a soberania nacional na cultura, na formação e na tecnologia. Somos a favor do desenvolvimento de tecnologia própria para o padrão de TV digital, para não ficarmos dependentes da compra de tecnologia externa, inaugurando um novo ciclo de endividamento. O Brasil é dependente de papel impresso!

Arthur Poerner – Recentemente você e Beth Carvalho visitaram a Venezuela. Como você viu a questão da mídia por lá?

Beto – Foi uma experiência muito reveladora. A mídia na Venezuela tomou o partido do golpe contra o governo. Isso para nós não é novidade, pois o mesmo aconteceu aqui em 64.

Ziraldo – Estive lá também e percebi que a história que o mundo lê da Venezuela não é a que está realmente acontecendo no país.

Claudia Furiati – Também estava lá, em 98, na semana em que Hugo Chávez ganhou as eleições. Todos os jornais o bombardeavam constantemente e a imprensa fez de tudo pra derrubar sua candidatura. Ficou o povo contra a imprensa.

Beth – Mas o povo lá ri das televisões, não acredita em nada do que é dito pela TV. As cinco televisões metem o pau no Chávez mas o povo – e os militares – está com ele.

Beto – É muito sórdido o tratamento que dispensam ao Chávez. Chamam-no de negro, de índio, de macaco, de louco, de bêbado… Durante o dia inteiro há conspirações abertamente. No programa de horóscopos o cara diz: ‘Hoje, dia tal, signo tal. Um bom dia pra conspirar contra o Chávez’. Pode haver manifestações de dois ou três milhões de pessoas nas maiores praças de Caracas a favor do Chávez que não aparece nada na imprensa.

Milton Temer – Ao contrário do que dizem, a Venezuela é um dos lugares onde existe maior liberdade de imprensa do mundo.

Beto – Em qualquer lugar do mundo, apregoar o golpe de Estado de um governo eleito, que tem uma maioria de apoio da sociedade, é uma coisa absurda. Mesmo assim, na Venezuela não tem nenhum jornalista preso. Nem processado pelo Governo. E fazem ofensas pesadas.

Temer – Não tem partido político conservador e quem convoca as pessoas para as manifestações de direita é a televisão. Aliás, ela passa 24 horas por dia fazendo isso, além de desqualificar a figura do presidente da República. A imprensa inclusive financia os movimentos de direita.

Beto – Realmente, a mídia na Venezuela substitui os partidos de direita, de tal modo que as manifestaçoes da direita em Caracas, ao levarem a bandeira norte-americana, são destacadas pela imprensa promovendo valores importantes.

Claudia – Hugo Chávez nasceu de uma crise onde os partidos políticos venezuelanos foram destroçados.

Beto – Os partidos convencionais faliram, mas é impressionante a capacidade de leitura crítica da mídia pela população simples. Não tô falando de gente intelectualizada mas das pessoas simples. A cara do Chávez é um misto de índio com negro, ele é um mestiço que fala como o povo, embora seja altamente intectualizado, com mestrado em Sociologia. Conversei com ele por duas horas e o interesse dele pelo Brasil foi imenso, fazendo perguntas como quem sabe que o destino da América Latina está relacionado com a evolução do processo político no Brasil . Ele sabe que a responsabilidade por criar uma aliança progressista na América Latina é muito grande, pois há iniciativas agressivas dos EUA contra isso. Não é à toa que se chama o presidente Lula de ‘bêbado’ de uma hora pra outra. Tem uma visão colonizadora por trás disso.Mario Augusto

Jacobskind – O negócio do Larry Rohter não é tão assim… ‘ó, a liberdade de expressao está cerceada!’… O Rohter andou circulando muito na Venezuela, inclusive foi uma espécie de intermediário entre os golpistas de abril de 2002 e a mídia americana.

Claudia – Que paralelos você estabelece entre a imprensa venezuelana e a brasileira?

Beto – Se houver algum tipo de iniciativa no Governo Lula para adotar medidas mais populares, a mídia brasileira vai cair em cima do Governo, como na Venezuela. Em cima deste ou de qualquer governo que tentar adotar medidas populares e contra os privilégios. Teremos aí que ter instrumentos no campo democrático pra responder a isso. No caso da Venezuela, não havia, e ainda não há; 98% da informação na mídia lá é controlada pelo setor privado. Existe a ViviTV, que é cultural, educativa, e tenta integrar os povos da América Latina tematicamente, com noticiários sobre os processos de Educação, Saúde, Reforma Agrária, mas estão apenas começando a fazer uma reação. Chávez destinou 2 milhoes e meio de dólares para a radiodifusão comunitária. Dentro em breve serão 28 TVs comunitárias com horário em satélite. O satélite lá é ainda controlado pelo Estado, ao contrário daqui, onde a Embratel está nas maõs de mexicanos. Chávez percebeu que o problema não se resolve pelo simples jogo do mercado, pois o mercado será sempre excludente e discriminatório, então está estimulando a mídia pública e comunitária. Na campanha de alfabetização de lá as pessoas recebem bibliotecas nas suas casas. Isso poderia perfeitamente ser feito aqui.

Claudia – Mas a situação brasileira é híbrida. No Brasil há um bloco de jornais que podem eventualmente radicalizar e abrir um flanco contra o Governo, mas há uma outra linha que não sabe pensar um discurso de oposição, reproduzindo mecanicamente o discurso do Governo. É diferente da Venezuela.

Beto – É mais contraditória, por isso temos que tomar o cuidado para não engordar críticas do interesse dos conservadores. As críticas que devemos fazer ao Governo sao as encorajadoras. Quando falamos numa política pública para aumentar a leitura, quando falamos em expandir a mídia pública, estamos falando de um tipo de comunicação que dará mais pluralidade, humanização e regionalização ao panorama da mídia. Com toda a sua debilidade de equipamentos, a mídia pública ainda é cumpridora da Constituição. A TV Câmara tem documentários excelentes. A TV Cultura é premiadíssima no mundo inteiro. No entanto, está tendo que apagar as fitas do seu próprio acervo para gravar seus programas, pois não tem dinheiro para comprar fitas novas. Isso é resultado do desmonte do Estado, que tem efeito direto sobre a impossibilidade de as pessoas terem acesso direto à informação.

Temer – A imprensa brasileira só se refere ao governo Chávez como sendo populista-autoritário, e a todas as forças de resistência do mundo – sejam palestinos ou iraquianos – como terroristas. Isso é uma desinformação ou uma operação oficialista consciente?

Beto – Essa forma de distorcer a realidade é completamente consciente. É pensado. E vai criando um caldo de cultura onde os próprios jornalistas, além dos donos de jornais, adquirem essa visão.

Temer – Quando você diz que o próprio jornalista incorpora a ideologia dominante, não tem medo de perder votos para a sua campanha?

Beto – Olha, se for pra fazer uma campanha sem dizer a verdade… não precisamos de jornalistas que continuem sem questionar a si próprios. Acho inclusive que Comunicação Social é uma coisa muito séria para estar só na mão de jornalistas. A sociedade inteira tem que se sentir responsável por isso. Os jornalistas hoje vivem uma situacao de chantagem, de acosso e de empobrecimento muito grande neste país. Mais da metade dos jornalistas está sem empregos, em subempregos ou fora da profissão. As faculdades despejam a cada ano 8 mil novos jornalistas diplomados. Onde vão trabalhar esses jornalistas? Se somarmos todos os 338 jornais diários do Brasil não dá nem 7 milhões de exemplares. No Brasil se lê menos do que na Bolívia. Sem nenhum demérito para a Bolívia, é claro. Aqui se lê 27 exemplares por cada grupo de mil leitores, segundo a Unesco. Na Bolívia são 29.

Temer – O enfoque de sua campanha tem a ver com essa relação entre a profissão e a posição política dos jornalistas?

Beto – Sim. A Fenaj hoje é uma entidade pálida. As principais empresas de mídia hoje no Brasil estão falidas e não se lê um pronunciamento da Fenaj a respeito. Assim como não se lê um pronunciamento da Fenaj sobre a questão de se dar dinheiro público para empresas privadas de comunicação. É fundamental nesse momento repensarmos a função do jornalismo hoje no Brasil, que se transformou em publicidade de favores neoliberais, deixando de lado a função prioritária da informação. Queremos repensar o modelo de mídia. A sociedade brasileira construiu uma gigantesca dívida informativa e cultural para com seu próprio povo. É preciso pagar essa dívida. Com o jogo do mercado ela não se paga. São necessárias – urgente e gritantemente – políticas públicas na área da comunicação. Hoje uma criança fica cinco, seis horas diante de uma TV. Que tipo de raciocínio está sendo introduzido com esses ruídos amedrontadores que tem alguns desenhos animados? Há uma incapacidade de se preparar cidadãos para a solidariedade, para gestos democráticos, para atitudes construtivas diante da natureza. E os jornalistas não podem ficar distanciados e indiferentes a isso.

Poerner – O que está sendo feito nesse sentido pelo Conselho de Comunição criado pela Constituição?

Beto – O Conselho levou 14 anos para ser efetivado, aí sofreu um golpe, deixando de ser deliberativo para ser auxiliar do Congresso.

Poerner – Foi efetivado em 2002, né?

Beto – Mesmo assim não conseguiu propor à sociedade brasileira uma reflexão, uma sinalização ou diretrizes que pudessem sinalizar uma mudança. A grande mídia brasileira hoje nem sequer cumpre a Constituição. Diz lá que a informação tem que ser plural, democrática, cidadã, humanizadora e regionalizada. Nada disso foi regulamentado. Somos reféns dos meios de comunicação. A Campanha contra Baixaria na TV, da Câmara, por exemplo, foi pedagógica, provocou debates, lançou o slogan ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’, mas enquanto isso o Conselho discute eternamente, sem produzir nada.

Maria Luiza – A sua chapa se ocuparia dessas mobilizações?

Beto – A Fenaj deve ter uma atuação muito unida com a ABI e outras entidades da sociedade para pensar uma questão central: a sociedade brasileira não tem um projeto de Nação. Temos que estar junto com a Aepet, o Clube de Engenharia e outras entidades, pensando para onde vai esse país. Sem investimento e infra-estrutura as estradas brasileiras estão acabando. Sao 80 mil homicídios por ano nesse país! Diante desta crise, a Fenaj entao não pode pensar só as questões específicas do jornalismo.

Maria Luiza – O que a sua chapa pode dizer aos jornalistas sobre o desemprego?

Beto – Estamos convocando os jornalistas para refletir e se rebelar contra um estado de coisas. O jornalista está empobrecido econômica e intelectualmente. Não pode comprar todos os livros de que precisa. Tem uma carga de trabalho exaustiva, é um múltiplo jornalista, tem que exercer várias funções, as redações se enxugaram de tal forma que tem que cumprir uma jornada de 14 horas fazendo o trabalho de três outros jornalistas.

Zezé Sack – E os profissionais estão sendo substituídos por estagiários.

Beto – Há um rebaixamento grave da mão-de-obra. Quem está conseguindo emprego hoje é a minoria. Isso não é uma dignidade profissional. Diante de um descalabro desses, os jornalistas devem se rebelar, lembrando-se inclusive de suas funções perante a sociedade, onde todo o povo deve ser informado.

Zezé – O que a Fenaj pode fazer para reverter essa situação?

Beto – Primeiro, levar uma campanha junto aos setores organizados da sociedade para sensibilizá-los . A sociedade já está se sentindo agredida pelo barbarismo da mídia. Quais os equipamentos que temos para chegar a essa sociedade? Existe um rede de 60 TVs comunitárias no Brasil que já estão dizendo alguma coisa. Num país onde as tiragens de jornais estão baixas e caindo, 60 TVs comunitárias têm um alcance importantíssimo.As TVs comunitárias de Brasília têm uma audiência maior do que os jornais impressos de Brasília. Podemos ter convênios com essas TVs. Requião tem esse projeto de mídia muito claro. Ele sabe que não haverá um projeto nacional sem uma sintonia com uma ação de mídia.

Ziraldo – Como está esse projeto dele?

Beto – A TV Paraná Educativa já está sendo captada em todo o território brasileiro, latino-americano e ate no sul dos EUA. O que faz falta ainda – e devem ser seus próximos passos – é aumentar a geração própria de programas e depois articular com uma rede de TV latino-americana. Existem várias emissoras em Cuba, no México, na Venezuela, que podem trocar programação.

Ziraldo – Não existe imprensa sem dinheiro. Jornal tem que ser impresso, as notícias não podem ser gritadas na rua. Depois de impresso, tem que ser distribuído. Na França, se o governo anuncia num grande jornal também tem de publicar o mesmo anúncio nos jornais de oposição.

Jacobskind – Como fazer para que as autoridades entendam que pedir o democratismo das verbas públicas para as alternativas à mídia não é um favor?

Ziraldo – O Governo não financia até os partidos de oposição? Quem é que paga o salário do Bornhausen?

Beto – Quando há limitação de mercado – a maioria da população não consome nem jornal nem livro nem sapato – é preciso haver políticas públicas para se sair do lugar. Se os bancos públicos sempre sustentaram as empresas de mídia, por que não se pensar num projeto de democratização dos recursos destinados à mídia? Por que existe monopólio também na distribuição das verbas publicitárias oficiais? É o mesmo monopólio que existe na audiência e na concentração de meios. Determinados grupos são privilegiados em desfavor de outros. Então, nesse momento, 50% da indústria gráfica brasileira está ociosa, o povo não pode ler jornal, e os jornalistas estão desempregados. Uma proposta clara é a massificação da leitura de jornal, com a elevação da capacidade de leitura do brasileiro. Isso é cidadania! O BNDES tem uma linha de financiamento para o audiovisual. Por que não para a leitura de jornal? Por que as cotas de anúncios não podem ser redistribuídas de tal forma que assegurem a regionalização da publicação dos jornais, inclusive os cooperativos, os comunitários, os de pequenas empresas? Há uma linha única de crédito preferencial para as grandes empresas, que são as que mais consomem o crédito público e foram as que mais desempregaram durante este período. Há dez anos o Correio Braziliense tinha 400 jornalistas na redação. Hoje não tem 110.

Ziraldo – A principal empresa de mídia hoje no Brasil está com uma divida que equivale a um país.

Beto – Só que ela já recebeu recursos públicos durante 40 anos. Para onde foi esse dinheiro? Essas empresas endividadas, que apregoam o mercado como solução para todos os problemas da civilização, não acreditam na sua própria linha editorial? Por que não vão agora buscar sua salvação no mercado? O mercado para elas é tudo, mas na hora da crise, procuram o Estado! O TCU concluiu ser temerário dar novos empréstimos àquelas empresas que já o receberam. Para começar, os empréstimos foram concedidos para um fim indevido: aplicação em TV paga. Isso, num país pobre, é usar dinheiro público para uma TV de rico. No Brasil só tem 1.300.000 assinaturas de TV paga. Os recursos públicos estão bancando uma TV que ninguém vai ver. Se é uma TV de elite, ela tem que se sustentar na elite.

Fred Rozário – Eles pegam dinheiro dos três lados: dos cofres públicos, dos assinantes e dos anunciantes. Você paga pelos canais e ainda tem que assistir aos anúncios.

Beto – A TV a cabo brasileira, comparada com as outras no mundo, é a que mais tem anúncios. E é a que tem o custo de assinatura mais alto, proporcionalmente.

Beth – Explique seus planos para a TV do Sul.

Beto – Há quatro anos, Chávez estava em Brasília e fui, representando os jornalistas, apresentar a ele uma proposta de integração na área de comunicação e informação. Fala-se na integração econômica e social, mas para isso é preciso ter um suporte na área de comunicação. Propusemos formar uma agência latino-americana e ele aceitou na hora, mas avançou na proposta para colocar a TV do Sul.

Claudia – Gil e o Ministério da Cultura tem o projeto da TV Latina.

Beto – É um projeto numa outra linha. A TAL (TV da América Latina) proposta pelo Gil seria uma TV educativa conectando TVs universitárias e educativas da América Latina dentro de uma visão cultural. O que Chávez está propondo é uma TV de massa, em sinal aberto, por satélite, em conexão com todos os países do Hemisfério Sul. Até alertamos a ele: ‘Se é Hemisfério Sul, pegando China, Índia, África, América do Sul, é preciso ter um sistema de satélite e aí é importante um acordo com China e Índia, que têm satélite’. Nesse caso, a política externa brasileira ajudaria muito. Celso Amorim e Pinheiro Guimarães estão tratando essa questão estratégica com muita lucidez. Agora, a Embratel já não é mais nossa. Se formos ameaçados de alguma forma na Amazônia – possibilidade a qual os militares estão muito atentos – não teremos como fazer comunicações entre as unidades militares.

Ziraldo – Você acha que isso pode ser mesmo uma possibilidade? Não é teoria conspiratória?

Beto – Não sou eu, os militares brasileiros estão levando isso a sério, tanto que as escolas militares na Amazônia estão estudando textos de Che Guevara, Ho Chi Minh e general Giap. Em combate aberto, ou no ar, não se pode levar vantagem diante dos americanos, mas na selva, com os índios, com os caboclos, com os venenos que conhecemos… Militares brasileiros estão estudando técnicas de guerrilha!

Ziraldo – Eu queria voltar pro hábito de ler jornal. Além de o brasileiro não ler jornal, há muita força para que a mídia impressa seja extinta. A imagem pela TV entra pelos poros e não exige reflexão. Mas também, nenhum jornal brasileiro se interessa pelo seu mercado. Se interessasse, se preocuparia com a leitura. Formar leitor é formar mercado para o jornal. Os jornais da Guatemala têm suplementos belíssimos que criam o futuro leitor. Os suplementos infantis brasileiros são ridículos.

Beto – Na década de 30 foi sugerido aos Mesquita que os jornais dos quais eram donos fizessem uma campanha pela alfabetização. A resposta foi: ‘Mas aí, então quem é que vai plantar?’ É uma mentalidade tão aristocrática… E agora, não só os jornais não ganham novos leitores como estão perdendo os antigos. A Igreja Universal é que acaba sendo promotora da leitura, nem que seja da Bíblia. Tem gente que, no desespero que é a vida hoje, só tem estímulo pra ler a Bíblia. Maria Luiza – Como a Fenaj pretende se articular com a sociedade civil?

Beto – Vamos defender claramente a expansão da mídia pública, pois existe este clamor. Na Comissão de Direitos Humanos da Câmara que acompanha a mídia, todas as queixas quanto a barbárie, manipulação, desinformação e baixaria são contra as grandes redes de rádio e TV. Alguns jornais se dão ao luxo de fazer a propaganda da prostituição em suas páginas. Não há nenhuma emissora pública, comunitária, legislativa ou universitária que tenha sofrido uma queixa. Só que essas emissoras não conseguem ter acesso ao grande público. Isso é deliberado! Quando o governo de Olívio Dutra comprou 128 antenas reprodutoras, levando a TVE – que só pegava em Porto Alegre – para o estado inteiro, a grande imprensa privada do RGS gritou: ‘Mas como?! Está usando o dinheiro público só para essas emissoras!’ Ora, por acaso essa mídia privada não se transformou em grandes conglomerados somente porque pode se servir de recursos públicos? Pela sua eficiência de mercado é que não foi. Por que a mídia pública não pode receber isso se é quem faz o tipo de programação sintonizada com a posição federal?

Poerner – A Constituição é muito boa no que se refere à Constituição. Proíbe inclusive o monopólio. Mas ainda não regulamentou o que seja monopólio na comunicação. Na Alemanha, por exemplo, uma mesma empresa não pode ter um jornal, uma rádio e uma TV num raio de tantos quilômetros.

Ziraldo – Nem nos EUA. Mas no Brasil, uma família pode determinar que no Ceará tempo bom seja tempo de sol, quando os cearenses tão precisando de chuva. Nos EUA não tem rede nacional de televisão. As emissoras de cada cidade compram da geradora os programas que lhe interessam. Aqui no Brasil, tinha que ter a Tv Globo do Rio. Se a TV de Caratinga quiser passar programa da Globo, ela compra os programas. Mas, agora, a TV Globo determina até como é que índio de Manaus vai se relacionar afetivamente! Vocês acham que tem mãe em Manaus preocupada se o filho vai ficar ou não viado?!

Zezé – Teve um tiroteio em Nova Iguaçu e todo mundo em Manaus fica sabendo, mas não sabe o que acontece no bairro ali do lado.

Ziraldo – É impressionante como a Globo impõe seus padrões para os rincões do Brasil. Todo lugar que eu vou agora me chamam de celebridade! Não suporto mais! Nunca me chamaram de celebridade antes. Tem que ser o processo americano: você compra programas e não a emissora inteira! Você vai comprando programas daqui, dali, faz alguns programas próprios, e monta a sua programação. Cada região define, então, o seu interesse.

Beto – Cumprir a Constituição Brasileira já seria uma revolução na mídia.

Poerner – Como os patrões – e temos aqui o Ziraldo – estão reagindo à sua candidatura?

Beto – Os patrões que querem exclusivamente os acessos aos recursos públicos podem não gostar de nossa chapa. Nós queremos estabelecer critérios para que o dinheiro público não seja colocado em risco. Um Proer da mídia só teria sentido se essas empresas largamente endividadas permitissem a transferência de parte do controle acionário para o BNDES. Não é justo colocar recursos públicos sem que haja certeza do retorno.

Jacobskind – E os jornalistas, como reagem?

Beto – Estão se sentindo questionados. Não basta lutar pela dignidade profissional como se fosse uma bandeira abstrata. Dignidade profissional é ter emprego e um bom salário para poder produzir uma informação que seja relevante do ponto de vista da sociedade e da cidadania. Senão, é a dignidade de um pequeno grupo. É preciso denunciar a irresponsabilidade das autoridades da área da Comunicação por essas novas faculdades privadas de Jornalismo que surgem sem critérios, vulgarizando a formação, sem conteúdo, sem qualidade, e que estão sendo fundadas com recursos públicos, que faltam para as universidades públicas. É preciso também aplicar recursos na multiplicação das fontes de trabalho. Poderíamos ter muito mais rádios, muito mais jornais, muito mais TVs e tiragens muito maiores.

Claudia – Há mais perspectivas de se multiplicar as fontes de trabalho do que se mexer nos monopólios?

Beto – Não, é preciso as duas coisas. Sem expandir a mídia pública não se oferece à sociedade uma alternativa de audiovisual. Para questionar o monopólio da audiência é preciso oferecer uma outra coisa e de bom nível. Teremos que fazer uma reeducação dos sentidos da sociedade brasileira, que está sendo acostumada a uma comunicação embrutecedora e a reagir diante de qualquer problema com violência. Temos uma comunicação sem diversificação temática que não suscita a cidadania, a inteligência, o diálogo, o debate, a tolerância de aceitar o diferente. Há o predomínio do pensamento único. Todos os jornais são praticamente iguais. Basta ler seus editoriais.

Jacobskind – São iguais e chatos.

Beto – Os programas de mundo cão que vemos aqui às seis horas da tarde chegam no Acre às três horas da tarde. As crianças do Acre estão vendo simulação de estupro na televisão. Expandindo a mídia pública cria-se o diferencial.Claudia – Obrigando inclusive o lado de cá a melhorar a sua informação.

Beto – Quando o Castelo Rá-Tim-Bum conseguiu chegar a 10 pontos de audiência as outras televisões passaram a fazer programas infantis de melhor nível. Imagine se liberarmos os sinais das TVs comunitárias, hoje confinadas na Lei da Cabodifusão, que é elitista e antidemocrática. Só quem paga TV a cabo pode assistir às TVs comunitárias?

Jacobskind – O que falta pra TV Senado e pra TV Câmara serem canais abertos?

Beto – Existe um projeto em andamento para que sejam em UHF. Estamos falando então de dezenas de milhões de brasileiros. As TVs legislativas são pagas com dinheiro do contribuinte e é um contra-senso que uma TV paga pelo povo não seja acessível ao próprio povo. Pagar a uma operadora de cabo para ver esses canais é bitributação. E são TVs que se transformam numa escola de democracia ao permitir a pluralidade política.

Fernando Siqueira – Eu fui entrevistado agora pela TV Senado sobre a sexta rodada de licitações do Governo, um assunto da maior gravidade, mas um tema que encontrou a maior dificuldade para ser coberto pela grande mídia. Um tema que é decisivo pro Brasil!

Claudia – ‘Imprensa alternativa’ é um conceito antigo mas é basicamente uma alternativa à grande imprensa que apresenta um aprisionamento temático. Pode-se até abordar o mesmo fato corrente mas com uma nova linguagem. Mas como refletir a realidade de outra maneira? Isso é um desafio.

Beto – Nas TVs comunitárias o problema é a penúria e a indigência. São proibidas por lei de fazerem rede, o que baratearia seus custos, são proibidas por lei de receber publicidade, e estão confinadas à Lei do Cabo, portanto estão fora do acesso às comunidades mais pobres. É uma contradição total, mas é exatamente para controlá-las. Queremos que se abra o sinal em VHF e UHF. E é preciso que recursos públicos sejam destinados para a TV pública. O que não pode é dinheiro do Estado ir para TVs a cabo – que se chamam inclusive payTV – para fazerem revistas recebendo propagandas luxuosas, de pequeníssima circulação, sequer disputando nichos de informação.Fernando – Em 95, tivemos uma campanha massiva na mídia pelas privatizações, inclusive da Petrobras. A Veja fez uma matéria de 10 páginas a favor disso. Uma pauleira total na Petrobras! Arnaldo César me entrevistou e não saiu uma linha do que falei. A Petrobras fez uma resposta à matéria e não foi publicada. Transformou a resposta em publicidade e a Veja também não aceitou. Como a Fenaj pode proteger o direito de resposta a quem está sendo assediado midiáticamente?

Maria Luiza – Gostei do ‘assédio mediático’!

Beto – Através de duas linhas. A primeira é o aperfeiçoamento legislativo. Para isso é preciso granjear o apoio da opinião pública, que padece de um mal sem saber a origem. Ela se sente agredida todo dia mas não sabe como fazer. Censurar? Desligar? Não, a TV deve ter um uso racional e inteligente, afinal, Comunicação não é um negócio como outro qualquer, estamos falando do destino das pessoas, de sua cultura, da formação de uma nação, não pode ser tratado como fábrica de sabonete ou sandálias havaianas. O direito de antena pode ser um instrumento: cada segmento organizado da sociedade recebe um tempo de antena gratuito por satélite para se expressar de tempos em tempos. Como é na Venezuela. Isto se baseia em que a concessão da Comunicação é um serviço público, não é privado nem é um negócio qualquer. A segunda linha seria a de iniciativas concretas na Comunicação, como o programa de televisão da Aepet, o Debate, Brasil, colocado em 60 emissoras no Brasil inteiro. Por que, numa cidade como SP, a Prefeitura não pode ter uma emissora de rádio? As Assembléias Legislativas não poderiam imprimir seus jornais em suas próprias gráficas, que são ociosas? Isso geraria emprego, além de diversificar a informação. Não estou dizendo que toda essa informação seria ótima, mas será pelo menos diversa, e o anseio da sociedade fará com que exista a disputa temática.

Jacobskind – No Rio de Janeiro, onde praticamente não existe um sindicato, a admissão de jornalistas às emissoras legislativas se dá ao bel prazer do mundo político viciado, sem concurso nem nada. Então isso já nasceu distorcido.

Beto – A Constituição tem que ser cumprida. Ela exige concurso público para essas funções. É verdade que a Constituição muitas vezes é rasgada, mas os cidadãos têm que se levantar, como estamos conclamando aos jornalistas que se rebelem contra o estado de coisas lamentável.

Claudia – Você acha que os expoentes da classe jornalística embarcariam nessa rebelião?

Beto – É provável que parte dele se oponha, ou tenha dificuldades em compreender, mas qual é o perfil do jornalista hoje? São mais ou menos 110 mil jornalistas. O salário médio é muito baixo, numa faixa entre 1 mil e 1.200 reais, sendo que no Nordeste e no Norte é muito mais baixo. O jornalista é um cara que vive correndo de um emprego pra outro. Não consegue se aperfeiçoar. Por isso uma das coisas que propomos é a criação de cursos de aperfeiçoamento.

Poerner – Na Alemanha todo jornalista, não importa o cargo, tem que tirar uma semana por ano para fazer um curso de aperfeiçoamento.

Zezé – Qual a sua posição sobre essa questão do diploma de jornalista para trabalhar na imprensa?

Beto – É necessário o diploma porque não somos a Suécia – há uma pressão do neoliberalismo para abaixar ainda mais nossos salários – mas ter jornalistas diplomados não é sinônimo de qualidade na informação. De modo algum! As pessoas são levadas por uma escandalosa propaganda enganosa que diz ‘Venha ser jornalista’! Pagam R$ 900 por mês e caem na rua da amargura do desemprego crônico. Saem das faculdades sem qualificação e sem mercado de trabalho. É um problema que só se resolve com a expansão da mídia e com a elevação do hábito de leitura.

Beth Carvalho – Beto, o pessoal aqui conheceu as suas idéias, agora fale um pouco de você.

Beto – Nasci em Minas Gerais, em Campo Belo, entre Lavras e Formiga. Sai garoto de lá e fui morar no Rio. Minha mãe era doente e teve que procurar um grande centro pra fazer tratamento. Fiquei uma parte aqui e depois fui pra Brasília.

Ziraldo – Quantos irmãos?

Beto – Fui criado por uma outra família e só depois vim a saber que tinha nove irmãos. Minha mãe biológica era muito pobre, trabalhadora rural, Quando adulto, fui atrás pra saber minha história e me encontrei com ela. Não consegui pistas do meu pai, só soube que era um tocador de cavaquinho que tinha sido preso em 64.

Beth – Por isso é que o Beto toca violão e canta.

Beto – Meu pai de criação também era um seresteiro, tocava violão, acordeom, piano. Meu pai João e minha mãe Terezinha me criaram e soube que era adotado através de minha primeira namorada. No início, não acreditei, mas depois passei a entender que isso era parte da tragédia brasileira e da desagregação das famílias pobres.

Ziraldo – você já tinha consciência disso?

Beto – Tinha, eu morava no Rio, estudava no Andre Malraux, com Henriette Amado, então já tava muito envolvido com essas idéias de esquerda e com uma visão do mundo socialista, embora pensasse mais em futebol e música do que em política. Treinei na escolinha do Flamengo. Joguei no campeonato de futebol de praia pelo Real Constant….

Ziraldo – O que você lia?

Beto – Jack London marcou muito a minha vida. Dos brasileiros: Grande Sertão:Veredas, Drummond, Graciliano e Jorge Amado. Um livro que foi uma grande influência sobre mim foi o Poder Jovem, do Poerner. Estava no ginário, mas já ia às passeatas… Me tornei basicamente um cara de esquerda quando mataram Luther King, escrevi uma crônica a respeito e minha professora, Dona Stella, disse: ‘Se você não ficasse tanto lá no fundo da sala batucando e cantando samba, até que daria pra escrever’. Foi a maneira de ela me dar uma bronca e me estimular, e aquilo me levou a uma preocupação maior com a escrita e com o jornalismo. Comecei a ler Celso Furtado, Caio Prado Junior, os clássicos marxistas, até Henry Kissinger! Fiz minha escolha: o jornalismo para mim é uma missão de compromisso com causas nobres.Me empolguei pela rebeldia e fui metendo a cara. Estava quase me tornando jogador profissional quando meus amigos começaram a ser presos. Eu não era ligado a uma militância mais organizada mas… Me lembro que na anticandidatura do Ulysses Guimarães, com Barbosa Lima Sobrinho, fui atrás, saí nas fotos com eles… Comecei então a receber recados da repressão: ‘Não se meta nisso…’

Ziraldo – Por que você foi pra Brasília?

Beto – Antes fui pra Belo Horizonte morar sozinho. Quando minha familia foi pra Brasília fiz vestibular de Jornalismo lá e passei. Isso foi em 74.

Zezé – Você foi casado com uma cubana, né?

Beto – Vivi com uma cubana em Cuba e no Brasil. Ia com freqüência passar temporadas em Cuba.

Beth – E tua relação com o MST?

Beto – Comecei a dar cursos de rádio comunitário no MST, que tem uma noção das rádios comunitárias com uma função humanizadora, na produção, na consciência sanitária. Quantas vidas teriam sido poupadas se a TV brasileira tivesse se preocupado com isso?

Poerner – Se tivesse alguma finalidade social…

Beto – Temos ainda que descobrir uma TV a favor do país e de seu povo. Muitas vidas se perdem por falta de informações sanitárias, por desconhecimento das leis trabalhistas ou ambientais. Essa TV não se sente na obrigação de passar isto. Há um bloqueio de mídia contra o MST e as pessoas não sabem dos prêmios na Dinamarca, Suécia, Holanda e Espanha concedidos ao MST por inovaçoes em sementes desenvolvidas em suas escolas técnicas. Ganharam prêmios tambem de direitos humanos em vários lugares. Me orgulho muito de participar desse processo. Sou ainda colaborador da revista do MST. Sou também do Conselho Editorial do Brasil De Fato, presidente da TV Comunitária de Brasília e diretor do Comitê de Liberdade e Expressão do Sindicato dos Jornalistas de Brasília.

Ziraldo – Como é que se vota nessa eleição pra Fenaj?

Beto – O voto é direto. A Fenaj foi a primeira federação a instituir o voto direto.

Ziraldo – Tem que ir lá em Brasília votar?

Beto – Não, todos os jornalistas que estiverem sindicalizados podem ir ao seu sindicato votar. No passado, essa eleição tinha uma importância maior, pois havia maior debate entre os jornalistas. Agora, por exemplo, vem um ex-diretor do FBI dizendo que a mídia brasileira é comprada e não acontece nada. A Fenaj ficou em silêncio absoluto. Como é que pode? Ele disse: ‘Nós compramos todo mundo quando a gente quer’. Nenhum jornal deu destaque a isso. Temos que reagir nem que seja por uma questao de brios.

Jacobskind – Há 15 anos que só tem eleição de chapa única na Fenaj.

Beto – A eleição vai acontecer nos dias 6, 7 e 8 de julho. O nome da nossa chapa é Uma Outra Fenaj é Possível.’