Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mario Cesar Carvalho


‘As duas agências de publicidade em que o engenheiro Marcos Valério Fernandes de Souza aparece como sócio, a DNA Propaganda e a SMPB Comunicações, são investigadas pela Polícia Civil de Minas sob a suspeita de compra de notas fiscais frias. Marcos Valério é apontado pelo deputado Roberto Jefferson como um dos financiadores do ‘mensalão’ que o PT pagaria a deputados.


Estão anexadas aos dois inquéritos 18 notas emitidas para a SMPB, com o valor total de R$ 99.774, e mais seis em nome da DNA (R$ 16.294,00). O delegado Carlos Alberto Malheiros Fialho, da Delegacia Especializada de Crimes contra a Fazenda de Belo Horizonte, disse à Folha estar certo de que o número de notas vendidas era muito maior. ‘Existem muito mais notas do que encontramos. O rapaz que vendia as notas diz que queimou os blocos quando descobrimos a fraude.’ Segundo a numeração, foram vendidas cerca de 3.500 notas. Os únicos compradores achados pela polícia são a DNA e a SMPB.


Diretores das duas agências disseram à polícia que era Marcos Valério quem cuidava da contabilidade e do departamento financeiro à época da compra das notas (2002 e 2003). No inquérito da DNA, que detém a conta do Banco do Brasil, um funcionário confirmou à polícia que usava as notas para justificar gastos com transporte, refeições e contratação de figurantes para a gravação de comerciais. Alcino Chaves Xavier Junior, produtor da DNA, disse que recorreu às notas frias porque os funcionários que contratara não tinham como comprovar os serviços prestados.


O uso de notas frias por agências de publicidade que trabalham para o governo é um método clássico para desviar dinheiro. Imagine que a agência X contratou 10 figurantes para um comercial. Na nota fiscal, os 10 podem virar 100 e a diferença em dinheiro vai para partidos ou políticos.


Vlhad


A empresa que vendia notas para a DNA e SMPB chama-se Vlhad Prestação de Serviços Ltda. e foi criada por um filho de sapateiro que vive num bairro de classe média baixa em Belo Horizonte. Wladimir de Miranda e Silva relatou à Folha que começou a vender notas porque estava desempregado e a mãe, doente. ‘Aí comecei a vender nota.’


Diz que a DNA e SMPB devem ter descoberto que vendia notas, mas que nunca viu Marcos Valério. Um procurador da Vlhad, Luiz Fernando de Paula Santos, diz que começou a vender notas à SMPB após ser procurado por Andréia Cristina da Silva, secretária da empresa. Paula Santos contou que ganhava de R$ 10 a R$ 20 para preencher as notas. Andréia negou a informação.


Wladimir cobrava da DNA e da SMPB de 3% a 4% do valor da nota. As agências pagavam o ISS e Imposto de Renda para ele. Numa nota de R$ 10 mil, ele ficava com R$ 300 ou R$ 400. Os valores que deveriam constar nas notas eram informados por Alcino e Andréia, e o pagamento era sempre em dinheiro, dentro das agências.


‘Meu cliente é um bagrezinho nessa história’, diz o advogado Ércio Quaresma Firpe, que defende Wladimir. Firpe afirma não ter dúvidas que ele emitiu um número maior de notas. ‘Tem venda de nota até para órgão público.’


Wladimir, que estudou até o segundo ano do ensino médio, diz que o negócio virou um desastre ao ser descoberto pela polícia. Como não arrumava emprego, fez um bico como office-boy e ganhava R$ 50 por semana. Durou até o final de 2004. Está sem emprego.


Os inquéritos contra a DNA e SMPB foram abertos no início de 2004 após uma denúncia anônima em 2003. Nenhum depoimento foi tomado desde maio de 2004. Marcos Valério é apontado como responsável pela contabilidade das agências por Cristiano de Mello Paz (presidente da SMPB) e Ramon Hollerbach Cardoso (sócio na DNA e SMPB), mas nunca foi chamado para depor.


Condenação


Em 9 de julho de 2003, o juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macêdo Costa, da 4ª Vara de Minas Gerais, condenou Marcos Valério e os diretores da DNA Francisco Marcos Castilho Santos e Rogério Livramento Mendes por sonegação de contribuições previdenciárias devidas pela agência entre janeiro de 1996 e setembro de 1999. Marcos Valério foi condenado a dois anos e 11 meses de reclusão.


Os réus recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, e a apelação aguarda julgamento desde junho de 2004, quando o Ministério Público Federal deu parecer pela manutenção da sentença condenatória: a DNA ‘deixou de recolher contribuições sociais devidas valendo-se de expedientes escusos diversos, sobretudo omitindo, de seus registros contábeis, fatos geradores daqueles tributos’.


A agência não lançava na folha os valores pagos a empregados a título de remuneração e também fazia pagamentos a empregados da empresa como se fossem trabalhadores autônomos. A escrituração de pagamentos de salários em ‘contabilidade paralela’ foi comprovada com a apreensão de um documento que descreve os ‘procedimentos adotados para efetuarmos pagamentos de salários aos funcionários que recebem seus vencimentos através do Caixa (2)’. Comunicação interna apreendida requisita o pagamento de R$ 1.500,00, ‘por fora’, a um empregado. Documentos mostram que o próprio Castilhos Santos recebia valores que não constavam da folha de pagamentos.


Colaborou FREDERICO VASCONCELOS, da Reportagem Local’



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‘Foi ato isolado, dizem empresas’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/05


‘A DNA Propaganda e a SMPB Comunicações informaram por meio de comunicado que a compra de notas frias foi um ato isolado de funcionários. Eis a nota da DNA: ‘A DNA efetuou durante o ano de 2003 pagamento por outros serviços prestados pelo funcionário Alcino Xavier, que apresentou nota da empresa Wlhad Prestação de Serviços Ltda. Dentro dos procedimentos usuais, o setor administrativo da DNA fez consulta ao CNPJ da referida Wlhad na Receita Federal, que se encontrava em atividade na época, ocorrendo o mesmo até hoje’.


A nota da SMPB: ‘A SMPB informa por meio de seus advogados que não cometeu qualquer crime fiscal em relação às investigações sobre a empresa Vlhad Prestação de Serviços Ltda. A SMPB paga seus impostos regulamente, de acordo com sua arrecadação, e não pode ser responsabilizada por um ato isolado cometido por um funcionário’.


O assessor de Marcos Valério disse que só as agências se pronunciariam sobre as notas frias. Antes dos comunicados, o advogado Paulo Sérgio de Abreu e Silva, que defende as duas agências nos inquéritos, disse à Folha que os diretores não endossavam esse tipo de prática. O advogado disse que o funcionário já havia sido demitido da DNA. ‘Tenho os termos da demissão no escritório. Posso te mostrar’, ofereceu.


Ao ser informado que a reportagem da Folha acabara de falar com o funcionário na DNA, o advogado disse que iria se informar sobre o que havia ocorrido e depois explicaria ao jornal. A reportagem ligou para o celular, o telefone no escritório e na residência dele, mas não o encontrou.


Alcino Chaves Xavier Junior, o produtor que confirmou na polícia que comprara as notas, expôs três versões ao jornal em conversa telefônica que não durou dois minutos. Primeiro, disse: ‘Comprei essas notas e [isso] não tem nada a ver com a DNA’. Ao ser informado que as notas estavam em nome da DNA, mudou a história. ‘Eu não comprava nota. Aquele negócio na polícia foi meio coação.’


O repórter pediu mais detalhes da coação, e ele mudou o rumo da conversa: ‘Esse negócio de nota foi um engano. Não estou negando o que eu disse na polícia’. O produtor disse que a Folha deveria procurá-lo mais tarde. A reportagem ligou cinco vezes para a DNA em busca de Xavier e disseram que ele não estava na agência.


Sobre a pena de reclusão de Marcos Valério, convertida em prestação de serviços, o advogado Ildeu da Cunha Pereira, que defende o publicitário, diz que a pena foi despropositada.


Rogério Livramento Mendes disse que é pessoa sem bens e sua função era ‘sanear as finanças da DNA, que se encontrava em dificuldades’. Francisco Marcos Castilho disse que ‘não tinha conhecimento de como se dava a contratação das pessoas’.’



Paulo Peixoto


‘Valério faz nova acusação a secretária’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/05


‘A ex-secretária de Marcos Valério Fernandes de Souza na SMPB Comunicação Fernanda Karina Ramos Somaggio perdeu os advogados que a defendiam no processo movido pelo ex-patrão e enfrenta nova acusação: ‘delito de furto qualificado, sob a modalidade do abuso da confiança’.


Essa acusação foi apresentada ontem em petição assinada por Paulo Sérgio Abreu e Silva, advogado de Valério, ao juiz da 6ª Vara Criminal em Belo Horizonte, onde Somaggio responde a processo acusada de extorsão, segundo denúncia do Ministério Público Estadual. Valério quer a nova denúncia inclusa neste processo.


A Folha ligou para os advogados de Somaggio na tarde de ontem para ouvi-los e foi informada de que Leonardo Macedo Poli e Luciana Costa Poli não a defendiam mais. A informação foi passada pela secretária Adriana, que não soube dizer se Somaggio tinha outro advogado constituído.


Adriana não informou os motivos do rompimento. Anteontem, a Folha falou com Poli, que se limitou a dizer que não comentaria o caso da secretária. Somaggio não foi encontrada ontem.


Em entrevista à revista ‘IstoÉ Dinheiro’, Somaggio disse ter visto ‘malas de dinheiro’ saindo da SMP&B, falou das relações de Valério com Delúbio Soares, tesoureiro do PT, Sílvio Pereira, secretário-geral do partido, e José Dirceu. O deputado Roberto Jefferson acusou Valério de ser o ‘operador’ de Delúbio no pagamento do suposto ‘mensalão’.


Somaggio prestou depoimento espontaneamente à Polícia Federal e negou boa parte das declarações que dera à revista.’



 


O Estado de S. Paulo


‘‘Financial Times’ vê perspectiva preocupante’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/06/05


‘MÁ HORA: Em editorial com o título Risco Brasil, o jornal londrino Financial Times abordou ontem a crise do governo e a saída de José Dirceu, advertindo que ‘qualquer que seja o veredicto final há motivos para se preocupar com as perspectivas de médio prazo do país’. A publicação, uma das mais influentes dos meios financeiros europeus, destacou o ‘comportamento errático’ da Bovespa, afirmando que ‘os investidores não parecem capazes de tomar uma decisão sobre a importância do recente escândalo de corrupção’. O caso do mensalão, diz o jornal, ocorreu em má hora, pois a economia começa a desacelerar. Nos dois principais jornais argentinos, El Clarín e La Nación, a saída de Dirceu mereceu destaque na primeira página. ‘A saída de Dirceu foi uma medida da magnitude da crise que atingiu o governo de Lula, que chegou ao governo como um firme defensor da ética na política’, diz o La Nación. Segundo o Clarín, ‘muitos na oposição temem seu retorno ao Congresso porque sabem que, onde trabalhou, o que não lhe falta é informação’.’



 


CARTAS DE LACERDA


Ubiratan Brasil


‘As cartas de Lacerda’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/06/05


‘Um dos bens mais estimados por Carlos Lacerda (1914-1977) era um baú onde costumava guardar cópias das cartas enviadas para diversos interlocutores, além das respostas. E não eram poucos documentos – em contato constante com personalidades do mundo político e artístico, tanto no Brasil como no exterior, o homem que comandou a ferrenha campanha contra Getúlio Vargas em 1954, culminando com o suicídio do então presidente, colecionava quilos de papéis, certamente já preocupado com sua biografia.


‘Essa intensa troca de cartas tem tal dimensão que dificilmente será suplantada por qualquer outro arquivo em quantidade e na qualidade’, acredita o historiador Túlio Vieira da Costa, que comandou uma equipe responsável pela seleção da correspondência que integra os dois volumes da obra Minhas Cartas e a dos Outros, lançados agora pela Editora da Universidade de Brasília (333 e 358 páginas, respectivamente, ao preço de R$ 54 cada). Os originais foram escolhidos entre os quase 60 mil itens que integram o Fundo de Arquivo Carlos Lacerda, acervo entregue pela família do político à UnB, em 1979. Em meio a um material tão vasto, Costa decidiu escolher cartas de épocas marcantes da vida de Lacerda. Além disso, resolveu ainda selecionar também as missivas recebidas de escritores e políticos, estabelecendo um proveitoso diálogo.


Lacerda construiu uma carreira de grande importância histórica. Segundo o historiador José Honório Rodrigues, trata-se da personagem civil que possivelmente mais influenciou com eficácia nos rumos da história brasileira entre 1945 e 1968. Participou, por exemplo, na deposição de cinco presidentes da República: Getúlio Vargas (duas vezes), Carlos Luz, Café Filho, Jânio Quadros e João Goulart. Cinco, se for levada em conta a queda da ditadura salazarista, em Portugal. ‘Por conta disso, decidimos deixar de lado as cartas trocadas com familiares, concentrando a atenção em nomes mais conhecidos’, explica Costa, que só publicou as cartas de terceiros depois de conseguida autorização de seus familiares ou detentores dos direitos legais.


É o que explica, por exemplo, a ausência da adaptação que Lacerda e Edgard Cavalheiro fizeram do Sítio do Pica-Pau Amarelo para um programa levado ao ar pela Rádio Gazeta de São Paulo, em 1943 – segundo Costa, os herdeiros de Monteiro Lobato se negaram a consentir a publicação. ‘Mesmo assim, selecionamos alguns documentos que fazem referência ao programa’, comenta. Por outro lado, Costa escolheu trechos que revelam um relacionamento intenso com os escritores, especialmente depois que fundou a editora Nova Fronteira que, recentemente, negociou a metade de seu controle acionário com a Ediouro.


Foi pelas cartas, por exemplo, que Lacerda descobriu ter em Carlos Drummond de Andrade um admirador e não um desafeto.’



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‘Um polemista muito bem relacionado’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/06/05


‘Polemista convicto, dono de uma oratória que se tornou clássica, Carlos Lacerda afirmou mais de uma vez que sempre tratou os políticos com certo desprezo, mas nunca deles se desvencilhou. Foi preciso ter os direitos políticos cassados pelos militares da Revolução de 1964 para cessar a atividade política. ‘Ele enfrentou problemas até quando estava diretamente envolvido’, conta Túlio Vieira da Costa, organizador dos volumes com a correspondência de Lacerda. ‘Como sua expulsão do Partido Comunista Brasileiro, em 1938, mesmo sem ter nunca sido oficialmente filiado.’


O motivo foi sua reportagem sobre a história do comunismo no Brasil, publicada no Observador Econômico e Financeiro. Com isso, Lacerda passou a ter seu ingresso rejeitado nas redações de outros jornais que antes o acolhiam com generosidade. ‘Tive de abrir caminho a machadinha, como um mateiro no meio da selva, cortando os cipós, me espetando nos espinhos, para me livrar da solidão da selva a que fomos condenados’, escreveu ele, em novembro de 1939, a Olympio Guilherme, jornalista que passou pelas mesmas agruras.


Desgostoso, Lacerda mudou-se para São Paulo, onde iniciou contato com intelectuais paulistas, como Mário de Andrade, além de manter correspondência com velhos amigos, como Rubem Braga (confira a desavença entre Andrade e Braga no trecho publicado abaixo).


Lacerda prezava muito a relação com escritores. Manteve longa correspondência com Erico Verissimo, especialmente analisando sua obra – o autor da trilogia O Tempo e o Vento não esconde sua satisfação com o ‘perfeito entendimento’ que o político revela sobre um de seus principais livros, Incidente em Antares. Veríssimo, aliás, mesmo datilografando a carta, gostava de colocar sua assinatura ao lado de uma autocaricatura.


Já as cartas trocadas com Carlos Drummond trouxeram o reconhecimento que Lacerda há muito buscava e que os círculos intelectuais lhe negavam. Expulso da política nos anos 1960, ele tentava abrigar-se nos meios literários, apoio que recebeu via uma carta do poeta mineiro, divulgada somente após a morte do político (veja abaixo).


O acervo traz também uma vasta troca de correspondência com políticos, especialmente durante o período em que Lacerda foi governador da antiga Guanabara, atual Estado do Rio de Janeiro. As primeiras cartas trocadas com o general Humberto Castello Branco, presidente da República entre 1964 e 1967, por exemplo, são quase todas só gentilezas – ‘companheiros de ideais’ de um lado, ‘seu amigo e admirador’ de outro – até o momento em que a prorrogação do mandato de Castello Branco é fixada em julho de 1964. Segundo Costa, a partir daí há um recuo aparente de Lacerda em 4 de dezembro, explicado pela pressão recebida de seu influente amigo Julio Mesquita Filho, então diretor do Estado.


E, em carta datada de 20 de março de 1965, Lacerda revela sua lucidez na interpretação dos fatos ao prever o fim das eleições diretas no Brasil, se fossem derrotados todos os candidatos da União Democrática Nacional. Candidato à Presidência, Lacerda já vislumbrava um futuro sombrio para a sociedade brasileira, que o afastaria definitivamente da política.



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‘Para Lacerda’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/06/05


‘(Eu) soube que numa carta ao Mário (de Andrade) você havia se queixado de estar muito chateado (de um modo geral), chateado do Rio, da vida, etc. Como não tenho intimidade com o Mário (que não gosta de mim, nem eu dele, embora sejamos cordiais nas mesas ocasionais de chope), não quis perguntar nada a ele e preferi escrever a você. (…) Rasguei sua longa e amiga carta porque estou criando um grande horror a cartas, uma espécie de ojeriza ao papel escrito onde ficam gravadas coisas com referências a terceiros, mesmo quando são coisas inocentes.


(De Rubem Braga, provavelmente de 1940)


Esta vai em papel de desenho e a lápis. Você não repara porque estou me utilizando de material de minha profissão. E agora ao principal: Não fui à sua conferência, primeiro porque não há motivo para eu me interessar vivamente por questões econômicas do Brasil; segundo porque estando com Lúcia e Ziloca na sala e não seria bem ficar vexado entre as duas.


(De Di Cavalcanti, 21 de outubro de 1947)


A indiferença, o comodismo, as ambições, a inveja e a simples malícia vêm-me causando danos terríveis, antes de ordem psíquica do que eleitoral. Mas, prossigo até onde as forças e as paciência me permitam.


(De Jânio Quadros, 24 de março de 1960)


Lemos seu artigo sobre Romeu e Julieta quando chegamos ao Spence’s Point. Imediatamente fomos ver o filme, que estava passando em Baltimore. Como você disse, um filme magnífico que deu uma nova dimensão a uma história simples de Shakespeare. Os italianos ainda estão no primeiro time em matéria de cinema.


(De John Dos Passos, 12 de março de 1969)


A afirmação de que ‘não gosto de você’ seria pelo menos exagerada, se não fosse, como é, totalmente errada. Ninguém é indiferente ao ‘chameur’ irresistível que você é; mesmo os que dizem detestá-lo, no fundo, gostam de você, gostam pelo avesso, mas gostam.


(De Carlos Drummond de Andrade, 25 de dezembro de 1975)


De Lacerda Quando eu combatia o imperialismo americano, você nem sabia o que era isso. Agora é que você descobriu, para o efeito de condenar os que trabalham, como eu esse imperialismo, precisamente no momento que o inimigo não é este ou outro imperialismo, mas sim a força nazista, interna e externa!


(Para Mário de Andrade, 11 de outubro de 1941)


Não sei como poderia atacar o fascismo hoje se não combatesse igualmente o Partido Comunista, que de todos os inimigos da liberdade e da dignidade do homem é aquele que mais poder iminente apresenta aqui.


(Para Heráclito Sobral Pinto, 28 de maio de 1947)


Creio na sinceridade e patriotismo da sua intenção, ainda que V. Excia., pelo visto, não creia no meu, pois tratou-me com se eu fosse um político visando fins particulares e não os mesmos que motivaram o movimento militar. Preciso lembrar a V. Excia. que enquanto o Exército não podia agir, suportei a responsabilidade e o peso da corrupção e do comunismo, e às vezes quase só.


(Para o marechal Costa e Silva, então ministro da Guerra, 4 de abril de 1964)


Se considero justo o temor que existe no seu governo de ver derrotada a revolução nas eleições parciais de 1965, não duvido quanto à nossa vitória na eleição presidencial de 1966. A não ser que, a pretexto de união nacional, o governo de V. Excia. viesse a se engajar contra mim, com um candidato divisionista, o que não creio, pois, sem beneficiar o país, seria uma injustiça, e o povo não gosta de injustos. (…) Considero necessário acrescentar este esclarecimento: em 1966 levarei a democracia a juntar-se com a revolução, promovendo pelo voto do povo a transformação do país. Completaremos assim a revolução iniciada e bastante comprometida pela intriga e a perplexidade; e a submissão aos que se apossaram dela para realizar objetivos pessoais.


(Ao presidente Castello Branco, 9 de fevereiro de 1965)


Sua carta me devolveu um tempo – depois ferido e pisado – em que as pessoas se encontravam no mesmo apreço por uma criação da inteligência, pelo que por alguma razão lhes parecia digno de respeito e de estímulo. (…)


(Para Carlos Drummond, 31 de dezembro de 1976)’



 


PENA DE ALUGUEL


Eduardo Simões


‘Linhas incertas’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/05


‘Em 1904, o jornalista João do Rio fez uma enquete com intelectuais brasileiros para a ‘Gazetas de Notícias’, cinco perguntas enviadas a cem pessoas. Apenas 36 toparam participar daquele painel da intelligentsia brasileira da virada do século 20, 11 entrevistados pessoalmente, 25 por carta, reunidos depois no livro ‘O Momento Literário’. O enfoque era a influência do jornalismo na literatura. O resultado: dez achavam que o ofício prejudicava a vocação literária; 11 disseram que era favorável, outros 11 ponderaram que tanto ajudava quanto atrapalhava; três não quiseram responder e um não entendeu a pergunta.


Cerca de cem anos depois, a jornalista Cristiane Costa se viu diante das mesmas questões que incomodavam João do Rio. Em 2000, Costa trabalhava como editora do ‘Idéias’, suplemento de literatura do ‘Jornal do Brasil’ quando, ao final do fechamento de mais uma edição, entabulou uma conversa com colegas veteranos que estavam na redação, sobre escritores que ali passaram. Surgia ‘Pena de Aluguel’ (que a Cia. das Letras lança no dia 27), livro em que Costa investiga a relação das letras com o jornalismo em cinco diferentes momentos históricos e amplia a enquete original, levando-a a 32 escritores jornalistas contemporâneos.


Dicotomias como ‘arte x mercado’, ‘linguagem condicionada x linguagem criativa’ e ‘tempo x dinheiro’ se repetem ao longo de cem anos de literatura e jornalismo brasileiros, de Olavo Bilac e Machado de Assis (nos primórdios) a Bernardo Carvalho (hoje), passando por Graciliano Ramos (na modernidade) e José Louzeiro (no ‘boom’ dos jornalistas escritores dos anos 60 aos 80).


Mas, afinal, o jornalismo é bom para a literatura brasileira?


‘Nunca achei que ia responder definitivamente à pergunta, porque cada um responde de modo diferente, dependendo do momento. Bilac, por exemplo, entra em contradição, com opiniões diferentes ao longo de dez anos. Já para Nelson Rodrigues sempre foi bom’, pondera Costa.


O livro deixa em aberto a questão, mas acresce as peculiaridades da relação jornalismo versus literatura de cada período. Bilac é exemplo de escritor com presença tanto na imprensa quanto na produção literária, quando a profissionalização para o texto jornalístico despontava pela primeira vez como antagônica ao ideal de arte pura. Adiante, a autora lembra como Machado de Assis, 20 anos depois de dar os primeiros passos na imprensa, como tipógrafo e revisor, lançou ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’.


‘Afinal, de que forma um jovem mulato, pobre, órfão e epiléptico poderia se firmar como o maior escritor brasileiro de uma sociedade escravagista? Entrando nos salões da literatura pela porta de serviço: o jornalismo’, argumenta Costa em seu livro, citando Machado como exemplo bem-sucedido de ascensão do jornalista ao céu dos literatos.


Nos dois períodos seguintes, Costa diz ter identificado os momentos de maior otimismo na relação entre imprensa e letras. Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade entendiam o realismo e a linguagem despojada do texto jornalístico como importante contribuição do campo para as letras brasileiras. Para Graciliano, um exemplo da nova literatura era a descrição quase jornalística de ‘Suor’, de Jorge Amado. ‘Esse amor à verdade, às vezes prejudicial a um romancista, pois pode fazer-nos crer que lhe falta imaginação, dá a certas páginas de ‘Suor’ um ar de reportagem’, diz o escritor, citado no livro.


Das décadas de 60, 70 e 80, Costa ressalta o jornalista como protagonista na literatura, ao lado do padre e do guerrilheiro. Os três tipos representavam a missão dos jornalistas, então censurados, que usavam a literatura para informar. ‘A partir dos anos 60, o jornalismo leva para a literatura uma conexão muito forte com a realidade brasileira’, aponta Costa.


No último período, que vai até 2004, a autora identificou uma inversão de valores: mais do que o sonho de todo jornalista de se tornar escritor chama a atenção o sucesso de livros não-ficcionais, de escritores jornalistas como Elio Gaspari e Fernando Morais.


Pena de Aluguel


Autora: Cristiane Costa


Editora: Companhia das Letras


Quanto: (R$ 49)’



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‘Jornalismo e letras, por Zuenir e Fernando Morais’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/05


‘A investigação de Cristiane Costa em ‘Pena de Aluguel’ encontra ecos num evento que ocorre hoje: o lançamento de ‘Minhas Histórias dos Outros’ (ed. Planeta; R$ 37,50), que reunirá seu autor, Zuenir Ventura, e Fernando Morais, ambos jornalistas escritores, num debate sobre jornalismo literário, hoje, a partir das 16h, na livraria Saraiva Mega Store (shopping Morumbi, tel. 0/xx/ 11/ 5181-7574). A polêmica envolvendo o último livro de Morais deve aquecer a tarde.


No livro de Zuenir, os ecos da conflituosa relação entre o escritor jornalista e o escritor literato estão nas entrelinhas: Ventura faz um acerto de contas com as lembranças de seus dias de jornalista, narrando episódios que viveu e falando de personagens que conheceu ao longo de quase 50 anos de jornalismo. ‘Minhas Histórias dos Outros’ lembra o Zuenir repórter na cobertura da Revolução dos Cravos, em Portugal, na apuração da morte de Vladimir Herzog, na investigação sobre a bomba do Riocentro e na polêmica decisão de não publicar a versão integral sobre o suicídio de Pedro Nava.


Após o debate, que terá mediação de Ricardo Setti, Zuenir Ventura irá autografar seu novo livro.’