Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nei Lopes

‘Permitam meter meu bedelho no recente episódio da ‘guerra das cervejas’, ao qual veio se somar a historicamente elucidativa reportagem de João Máximo, publicada no Segundo Caderno do GLOBO (19 de março), sobre as relações entre publicidade e canção popular. E o faço para lembrar que essas relações vão além de hábitos de consumo, marketing e ética, chegando também ao cordial racismo brasileiro e a uma sistemática rejeição ao samba, componente fundamental da identidade nacional.

Saiba o leitor que escrevo com experiência existencial e profissional. Com o conhecimento de quem, antes de ingressar no mercado da música popular no sentido estrito, foi criador de textos e jingles publicitários, atuando até mesmo como intérprete.

Jingle –

No início dos anos 70, época de meu ingresso na publicidade, os influentes produtores Nelson Motta e André Midani, juntamente com os compositores Marcos e Paulo Sérgio Valle fundavam, no Rio, a bem-sucedida Aquarius Produções Artísticas, responsável pela criação do tema de natal da TV-Globo, Um Novo Tempo (segundo Motta, no livro Noites Tropicais), até hoje veiculado. Entre 1975 e 78 fazia também grande sucesso, no mercado publicitário, a produtora carioca Zurana, reunindo outros grandes nomes. E os inspirados criadores da Aquarius e da Zurana, nenhum deles de extração sambística, foram os principais formatadores cariocas do jingle , após a morte do insuperável Miguel Gustavo em janeiro de 1972.

A rejeição do samba pela publicidade tem suas explicações – e aqui valho-me de opiniões compartilhadas com o mestre e parceiro Reginaldo Bessa, um dos únicos publicitários negros e suburbanos no universo das agências e estúdios cariocas no meu tempo. Samba, nesse universo, sempre foi sinônimo de ‘crioulo’ e pobre. Então, tome pop-rock, balada, bossa… ‘E tudo isso perpassado por aquele jargão americanizado: lay-out , brain-storming , target , recall etc.’ – sublinha o Bessa.

‘Crioulos’, pobres e sambistas, foi nessa tripla condição que, na década de 80, de repente, eu e o parceiro Wilson Moreira nos vimos ‘estrelando’ uma série de filmetes comerciais, a partir de um jingle por nós criado para uma rede popular de supermercados. Naqueles dias, sem aquilatar o forte impacto representado por uma exposição midiática quase diária, fui ‘flagrado’ fazendo compras num concorrente. O consumidor ‘lesado’, jeitão de militar reformado, me abordou com virulência:

— Então, o senhor diz que é no outro que o barato faz ponto e vem comprar aqui? Só podia ser sambista mesmo…

Minha mensagem testemunhal tinha credibilidade. Mas foi melhor passar a ganhar o dinheirinho sem tanto compromisso.’



Fabio Fernandes

‘O fim da publicidade’, copyright O Globo, 25/03/04

‘Num país distante, um sujeito estava vendo tevê. Passou um comercial de cerveja. O sujeito sorriu. Na verdade, gargalhou. Ele gostava de comerciais como aquele, com bom humor. Aí ele olhou para o lado e viu que seu filho tinha gostado também: ‘Legal esse né, pai?’. Concordou. E passou a odiar aquele comercial.

Como é que podia um comercial engraçado, agradar também ao seu filho, um imberbe menor de idade? Se eu, que sou inteligente para discernir entre o certo e o errado, quase gostei desse comercial como não estará a legião de pobres incautos consumidores?

Decidiu escrever uma carta para o Congresso. Algum deputado leu e concordou: inteligente, já havia pensado nisso. Fez um projeto de lei que foi votado e… pronto, salvou a sociedade: nunca mais haveriam comerciais de cerveja a infestar as ingênuas e influenciáveis cabecinhas.

Tempos depois, outro consumidor atento reparou nos comerciais de cosméticos. Ora, raciocinou, a busca pela juventude eterna, a celebração da estética, tudo em detrimento do conteúdo verdadeiro de nossas almas. Isso corrobora o abismo entre os despossuídos, que estarão irremediavelmente associados ao conceito do ‘feio’ enquanto aos mais ricos caberá sempre a imagem de jovialidade, beleza e saúde. Solução: fim da propaganda de cosméticos em geral.

Todos aplaudiram no Congresso daquele país. Mas, eis que outro senador, igualmente inteligente (mais que a média da população daquele país, com tão poucos consumidores inteligentes), levantou outra questão. Se automóveis atropelam e matam, então melhor seria que não fossem anunciados para não despertarem nas próximas gerações a vontade de dirigi-los.

Foi por aclamação: aprovado. Assim como a emenda contra propagandas de hambúrgueres, e, já que esse era o assunto, de alimentos e restaurantes em geral, que era mesmo um despautério num país com tanta fome se admitir propaganda mostrando pessoas felizes comendo.

Aliás, por que as pessoas tinham que estar alegres na publicidade? Para despertar rancor nos entristecidos? E ficou proibido o sorriso na propaganda. No máximo seria permitida uma insinuação, de canto de boca. E depois da meia-noite, já que os tristes dormem cedo. Alguém lembrou dos insones solitários. E cortaram do texto aquela liberalidade.

Propaganda de moda? Segregacionista. De sabão em pó? Racista, sempre que valoriza o branco. De banco? Pelo amor de Deus, será que ninguém ainda parou para ver o que está embutido nas mensagens dos comerciais de banco, gente? A sensação de que só com o dinheiro se pode ser feliz, lógico! Cartão de crédito? Este mês, até sem dinheiro, você pode ser feliz, caramba.

Nos jornais, a imprensa apoiava cada uma das medidas. Alguns jornalistas adoravam a idéia de que seus salários são integralmente pagos pelo leitor que compra jornal na banca: publicidade só enfeia o conteúdo editorial.

A sociedade acuada pela sórdida propaganda apoiava as medidas. E reclamava de toda publicidade que brincasse com qualquer uma das suas convicções pessoais. Gordo não pode, magro, também. Padre, freira, careca, viúva, estudante, feio, bonito, mais ou menos feio, surfista, narigudo… nem pensar. Satirizou homem, é feminista. Mulher, lógico, é machista. A sociedade estava de mau-humor.

Até que um dia, alguém na casa do vizinho sorriu. Na verdade, gargalhou. E o sujeito que ouviu aquilo, não se sabe por que, teve uma intuição de que aquilo poderia ter alguma coisa a ver com a *&*%#!+*# (a palavra ‘propaganda’ tinha sido proibida). Será que inventaram um câmbio negro de *&*%#!+*# e o meu vizinho conseguiu com traficantes uma fita de vídeo cheinha de *&*%#!+*#s engraçadas?, pensou o um formador de opinião. Pelo sim, pelo não, chamou a polícia.’



Arnaldo Comin, Robert Galbraith e Regina Augusto

‘Malandragem dá um tempo’, copyright Meio e Mensagem, 22/03/04

‘Zeca Pagodinho torna-se pivô da disputa entre Nova Schin e Brahma e reacende a discussão sobre a ética na propaganda

‘Pago pra ver você rogar a minha volta

Minha revolta tá na sua ingratidão

Quem deu amor, que se entregou não merecia

Uma partida sem deixar explicação’

Trecho do samba Pago pra Ver, de Zeca Pagodinho

No embalo do jingle de Nizan Guanaes Amor de Verão, um samba em que canta ‘Fui provar outro sabor, eu sei/mas não largo meu amor, voltei’, o cantor Zeca Pagodinho protagonizou um dos momentos mais tensos na guerra entre as marcas de cerveja desde o lançamento da Nova Schin, da Schincariol, em setembro do ano passado. Com contrato assinado até setembro de 2004 com a cervejaria de Itu (SP), Pagodinho aceitou o convite de mudar de lado e estrelar comercial da Brahma, da Ambev, assinado pela Africa.

A jogada de marketing da Ambev abriu um precedente dentro da indústria da propaganda, ganhou força nas ruas (ver box) e deixou o mercado dividido. Nas agências sondadas por Meio & Mensagem, parte dos profissionais manifestou indignação com a campanha da Africa, considerando a cooptação de Pagodinho como um ‘golpe abaixo da cintura’. Para outro grupo, foi um ato de malandragem consciente do cantor, que assumirá sozinho o preço ético da sua decisão. Esses profissionais elogiam a qualidade criativa do comercial, a força do jingle, e consideram a campanha pertinente para a Brahma ao mostrar irreverência e bom humor, agregando fortes valores de brasilidade à marca.

Gritos do silêncio

Publicamente, no entanto, pouquíssimos publicitários marcaram posição. Profissionais de peso no setor, como Washington Olivetto (W/Brasil), Júlio Ribeiro (Talent), Fábio Fernandes (F/Nazca Saatchi & Saatchi) e Marcello Serpa (AlmapBBDO), não atenderam a reportagem. Armando Strozenberg, presidente da Contemporânea e da Associação Brasileira de Propaganda (ABP), declarou que a entidade não se manifestaria sobre o episódio. Destacou apenas que a ABP participaria de ‘uma grande discussão’ em torno do assunto, caso seja este o rumo tomado pela indústria da propaganda.

A Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), em reunião com 20 dirigentes na quarta-feira, dia 17, debateu a divulgação de um texto em repúdio ao comercial da Africa. Embora a votação tenha sido de 20 X 0 em favor de uma repreensão pública, a entidade optou por um texto mais brando, em defesa da ética, sem citar nomes (ver box). Diante do argumento de que a Abap não poderia, nesse episódio, interferir nos negócios de uma associada, um grupo de cerca de 15 grandes agências redigiu uma carta aberta ao mercado para criticar a postura ética da campanha. No momento de tornar pública a assinatura dos dirigentes no grupo, não houve consenso.

Paulo Giovanni, presidente da Giovanni,FCB, um dos poucos a manifestar-se oficialmente, foi sucinto e taxativo: ‘Acho que esse episódio fere a ética e denigre a imagem da publicidade brasileira, além de comprometer a imagem do anunciante’. Luís Grottera, presidente da TBWABR, segue no mesmo caminho. ‘Não existe mercado socialmente aceito e economicamente viável se não houver respeito aos contratos, às regras estabelecidas. A campanha da Brahma leva novamente à uma discussão: os fins justificam todos os meios? Na minha visão ética, não justificam’, enfatiza.

Ética e desconforto

No centro dos debates na semana passada, Guanaes, presidente da Africa, acredita que não cabe a discussão sobre ética em torno do assunto, pois havia um visível desconforto do cantor ao protagonizar campanhas da outra marca. ‘Ninguém é ingênuo de achar que todo artista ou celebridade consome os produtos que anuncia, mas no caso de Zeca é diferente, pois ele não é uma celebridade, e sim uma autoridade em cerveja. Não é um garoto-propaganda, mas um consumidor-símbolo do produto’, defende Guanaes. Para o autor da campanha, a credibilidade de Pagodinho não será afetada, ‘pois todo mundo sabe que ele é um consumidor de Brahma e não escondeu isso nem da própria Schincariol’. A Africa vai seguir com a estratégia dando mais poder de fogo ao jingle, que, na avaliação de Guanaes, virou um grande sucesso e provavelmente entrará até no repertório de Pagodinho.

Nádia Rebouças, sócia e diretora da Rebouças & Associados, discorda da premissa da qual Guanaes parte. ‘A massa gostou do que aconteceu, no sentido de que o Zeca agora ‘disse a verdade’, mas do ponto de vista de um país que precisa definir sua matriz ética, fico preocupada’, diz. ‘Somos um país que começa a dizer sim ou não para determinadas coisas, o que queremos e não queremos para nosso futuro. É, portanto, correto não cumprir contrato? Mesmo que aceitemos que seja uma idéia e uma estratégia maravilhosa, fica um gosto amargo que nem uma grande quantidade de Brahma nem de Nova Schin resolve’, resume.

O episódio serve ainda para levantar a discussão sobre um outro tópico: o perfil dos contratos e a relação das celebridades com os anunciantes. Para especialistas, no entanto, a lei brasileira é muito clara e a Schincariol foi realmente atingida em seus direitos primários, cabendo processo tanto contra a Ambev quanto contra o cantor (ver box).

Cortina de fumaça

Afetado diretamente pelo episódio, Eduardo Fischer, presidente da Fischer América, responsável pela comunicação da Schincariol, ergueu na semana passada a bandeira da defesa das instituições e da ética na atividade publicitária, destacando que, na verdade, o intuito da campanha da Brahma é o de desviar a atenção do público e da imprensa de um fato muito mais relevante: a associação da Ambev com a belga Interbrew, levantando suspeitas acerca do uso de informações privilegiadas de alguns dos acionistas em prejuízo dos minoritários. Além disso, na avaliação de Fischer, a campanha tira dos holofotes o fato de o lado brasileiro ter perdido o controle da companhia para os belgas. ‘No momento em que eles (Ambev) anunciam que a Brahma será uma marca global, fazem a primeira campanha da marca infringindo regras básicas do mercado e da legislação. É esse o Brasil que eles querem impor ao mundo?’, questiona Fischer.

O responsável pela campanha da Nova Schin ainda aproveita o episódio para cutucar a estratégia adversária. ‘Com esse filme (o da Africa), a Ambev reconheceu que nós, uma marca menor, estamos incomodando. Ora, qualquer um que entenda o mínimo de marketing sabe que jamais uma marca com participação superior deve se rebaixar e responder a uma adversária menor. Isso, para mim, é um atestado de incompetência’, alfineta.

Atingida pela apropriação de seu garoto-propaganda, a Nova Schin decidiu responder com um filme que mostra o sósia de Pagodinho em um bar, onde se destaca uma lousa com a seguinte inscrição: ‘Prato do dia: traíra’.

Celebridades e marcas

Em meio a toda essa polêmica, muito pouco se falou no mercado a respeito da efetividade da construção de marcas no episódio. Para a Ambev, Zeca Pagodinho é coerente com o posicionamento da Brahma e serve para reforçar os conceitos de brasilidade a ela atribuídos. Por outro lado, é difícil medir se uma marca centenária como essa ganha algo a curto prazo com um lance de oportunidade como a campanha estrelada pelo cantor. Se mal digerida pelo público, pode produzir até efeito reverso, abalando o prestígio de marca sólida e tradicional. ‘Esse tipo de campanha não gera crescimento sustentável de mercado, no máximo algum aumento momentâneo de vendas’, avalia novamente Grottera.

Ético ou não, Pagodinho entra em cena no momento em que a maioria das marcas do setor tem utilizado o expediente de celebridades em suas ações. Na nova campanha da Kaiser, a W/Brasil estampou Luma de Oliveira em um dos comerciais, poucas semanas antes de a modelo mergulhar em um turbilhão de holofotes em torno do fim de seu casamento e do suposto romance com um bombeiro. Figuras públicas, em especial as mais polêmicas, sempre oferecem riscos aos anunciantes.

Questionado se havia avaliado o risco de lançar a Nova Schin com base na imagem de Pagodinho – um ‘brahmista’ carioca histórico -, Fischer desconversa. ‘A campanha não era de celebridades, mas sim sobre o novo. O Zeca era apenas uma parte do processo’, afirma.’

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‘Marketing de emboscada: mudou ou não mudou?’, copyright Meio e Mensagem, 22/03/04

‘Hoje em lados opostos, Brahma e Eduardo Fischer já protagonizaram episódio que gerou burburinho semelhante do ponto de vista ético. Em 1994, quando a Fischer América assinava a campanha ‘Número 1’, da Brahma, a agência recrutou um grupo de torcedores para acompanhar, nos Estados Unidos, os jogos da seleção brasileira que se consagrou tetracampeã da Copa do Mundo de futebol.

Com placas em forma de dedo indicador – símbolo da campanha -, torcedores com camisetas da Brahma vibraram nas principais jogadas. Romário, a estrela do time, também empunhou seu indicador para comemorar um gol. Tudo certo, não fosse um detalhe: naquele ano, a Kaiser, que era a patrocinadora das transmissões da Rede Globo e detinha o direito de arena, teve que fazer malabarismos para minimizar um impacto da marca ‘intrusa’ nos estádios. Na época, o estratagema de Fischer ficou conhecido como ‘marketing de emboscada’.

Roberto Dualibi, sócio da DPZ, agência que detinha a conta da Kaiser na época, entrou com pedido na Abap para que a entidade fizesse algum tipo de advertência à Fischer, exatamente o mesmo procedimento que Eduardo Fischer acaba de adotar agora contra a Africa.’

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‘O que diz o Conar’, copyright Meio e Mensagem, 22/03/04

‘Confira abaixo o comunicado oficial do conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar):

Nos últimos dias o Conar tem sido insistentemente procurado pela imprensa em função de declarações feitas pelas partes no processo ético contencioso em andamento. Quebrando, através desta nota oficial, o silêncio que sempre se impõe, apenas no propósito de informar a opinião pública e, especialmente, seus associados, a instituição esclarece o seguinte:

1. A agência Fischer América e sua cliente cervejaria Schincariol requereram ao Conar a instauração de processo ético contencioso, contra anúncio criado pela agência Africa para sua cliente Ambev. Valendo-se de possibilidade prevista, como exceção, no Regimento Interno do Conselho de Ética, aquela representação continha pedido de sustação liminar da veiculação do comercial, antes mesmo que os denunciados apresentassem eventual defesa.

2. Tal pedido veio a ser indeferido por despacho do Conselheiro Relator do processo. O Conar lembra que, ao negar ou conceder uma liminar, o Relator não se pronuncia a respeito do mérito da causa, isto é, não condena nem absolve o anúncio. Esta decisão se dará por ocasião do julgamento pelo Conselho de Ética, durante o qual, além do Conselheiro Relator, terão oportunidade de se manifestar todos os demais julgadores, bem como as partes. Neste momento, está transcorrendo o prazo regimental para a defesa dos denunciados.

3. O Conar deplora a utilização de seu nome em anúncios e informes publicitários, como vem ocorrendo nos últimos dias, por iniciativa de parte a parte. Esta prática é reprovada pelo Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária (art. 43, parágrafo único).

Ao prestar estes esclarecimentos o Conar recoloca a questão nos devidos termos. A bem do serviço que se dispõe a prestar à comunidade, espera poder contar também com a cooperação dos interessados, que deverão aguardar, serenamente, a decisão de mérito pelo Conselho de Ética.’

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‘Advogado considera Ambev passível de processo’, copyright Meio e Mensagem, 22/03/04

‘Na estratégia de defesa em curso pela Schincariol, a companhia pretende atacar em três frentes. A primeira é manter o pedido de suspensão da campanha da Brahma junto ao Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), que negou liminar à cervejaria de Itu, mas ainda fará um julgamento definitivo sobre o caso. A segunda frente é a abertura de processo contra Zeca Pagodinho, sob o argumento de quebra de contrato. Por fim, a cervejaria vai ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para tentar barrar a associação com a belga Interbrew, com base no aumento de concentração de poder nas negociações de fornecedores, em detrimento das companhias rivais.

Na opinião de Luiz Virgílio Manente, do escritório Tozzini e Freire Advogados, a Schincariol tem ainda margem legal para abrir processo diretamente contra a Ambev no episódio Zeca Pagodinho. Experiente em casos relativos a propaganda enganosa, no Conar e na Justiça, Manente esclarece que, embora o contrato tenha sido assinado entre a Schincariol e Pagodinho, a Ambev tem responsabilidade por incitar a quebra do acordo. ‘Os artigos 186 e 927 do Código Civil, que tratam de perdas e danos e responsabilidades extra-contratuais, são perfeitamente aplicados nesse caso. A Ambev pode ser processada judicialmente sob o argumento de que incitou Zeca Pagodinho a quebrar um contrato pré-estabelecido, com prejuízos materiais e de imagem para a contratante, no caso a Schincariol’, afirma Manente.

De acordo com o advogado, são constitucionais as cláusulas que prevêem quarentena de artistas e celebridades em contratos de uso de imagem em propaganda. A maioria dos contratos do gênero, segundo Manente, são baseados no tempo (uso da imagem e resguardo após a realização de campanha) e objeto (a categoria de produtos ou serviço a ser anunciada). ‘As multas são aceitas, desde que não estejam fora da realidade do contrato. No caso da Schincariol, o pedido de ressarcimento pode chegar a alguns milhões de reais’, acredita Manente.’

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‘O que diz a Abap’, copyright Meio e Mensagem, 22/03/04

‘Confira abaixo o comunicado oficial da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap):

‘A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), entidade com 55 anos de existência, que congrega as maiores e mais importantes agências do Brasil, vem manifestar-se sobre o episódio envolvendo duas de suas associadas, seus respectivos clientes e o artista Zeca Pagodinho.

A Abap lamenta que uma peça publicitária tenha motivado uma ampla discussão sobre valores, ao mesmo tempo tão importantes e tão básicos, que não deveriam jamais ser postos em debate.

Valores estes que foram fundamentais para fazer da publicidade brasileira o que ela é: uma indústria importante, madura, séria, respeitadora das leis e das instituições e com qualidade profissional e ética reconhecidas em todo o mundo.’’



Regina Augusto

‘Convicções de verão’, copyright Meio e Mensagem, 22/03/04

‘‘A discussão não é apenas se o Zeca Pagodinho, por ter trocado de cerveja, a Africa, pela criação da estratégia, e a Ambev, por ter apoiado e patrocinado a idéia, agiram bem ou mal. A questão é que o comercial deixa clara a efemeridade das relações, desde o ‘Amor de verão’ puro e simples até a lealdade à marca e ao anunciante.’

Em 12 de fevereiro, Nizan Guanaes, presidente da agência Africa, concedeu entrevista a Meio & Mensagem que foi publicada em 1º de março (edição 1097). Na ocasião, questionado a respeito do momento atual do mercado de cerveja, ele respondeu: ‘A coisa mais importante nesse negócio é que guerra de cerveja é a maior bobagem que existe na face da terra. Eu e o Eduardo Fischer devemos saber disso melhor do que ninguém, porque Antarctica e Brahma ficaram brigando e quem ganhou a guerra foi a Skol. (…) Guerra leva as pessoas a terem atitudes de guerra: quedas de preços insensatas, atitudes dramáticas, rompantes. E isso, às vezes, custa caríssimo’.

Como todos acompanhamos, desde sexta-feira, dia 12, quando entrou no ar o filme ‘Amor de verão’, criado pela Africa para a Brahma e estrelado por Zeca Pagodinho, a primeira parte da declaração de Guanaes mostrou-se falsa. O artista estrelou comercial da Fischer América para o lançamento da Nova Schin e tem contrato com o Grupo Schincariol até setembro de 2004. Conforme entrevista ao jornal O Globo, o publicitário foi à casa de Zeca Pagodinho no dia 4 de fevereiro (exatamente uma semana antes da referida entrevista), quando iniciou o processo de cooptação de um dos maiores símbolos da malandragem carioca.

O assunto, é claro, foi o centro das discussões na semana passada, de botequins e e-mails na internet a debates em programas de TV e conversas na rua. Está certa a Brahma em usar um artista identificado com sua marca mesmo que o contrato com a concorrente ainda esteja em vigor? Qual o impacto desse troca-troca na cabeça do consumidor? Um prato cheio para expor pontos de vista diferentes sobre o tema, que surpreendentemente ganhou a primeira página dos jornais e acabou ofuscando o foco da discussão em torno da não muito bem explicada recente fusão da Ambev com a belga Interbrew. No próprio Meio & Mensagem, a opinião desta editorialista sobre a questão não é um consenso.

Um parecer divulgado pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar) na terça-feira, dia 16, indeferiu o pedido de liminar, feito pela Fischer América e pelo Grupo Schincariol, para retirada do filme da Brahma do ar. Segundo o conselho, tanto o texto da música cantada por Zeca Pagodinho quanto a composição geral do comercial não ferem o código de ética e estão dentro dos limites da propaganda comparativa.

Não há dúvidas de que o filme e sua trilha são impecáveis tecnicamente e bastante pertinentes ao contexto de mercado no qual a marca está inserida. Mas também é inegável que há alguns pontos éticos em jogo que, de fato, fogem da alçada do Conar. O mais objetivo deles é que o artista em questão ainda tinha um contrato vigente com a concorrente. O outro, que merece uma boa reflexão, é que este filme traz à tona uma discussão muito maior sobre valores.

Para algumas pessoas, o episódio Zeca Pagodinho resume-se apenas a um cara esperto que aproveitou bem uma oportunidade e que, eventualmente, pode vir a ter sua credibilidade afetada, já que ela é facilmente comprada por uma boa oferta. Para outros, porém, a questão é mais ampla. A rapidez com que ele trocou de cerveja pode ser uma indicação dos nossos tempos, em que compromisso se tornou uma palavra ultrapassada. O malandro cantor de pagode aproveitou o momento, deu uma provadinha e depois pulou fora. Esta idéia de aproveitar o momento encontra-se estreitamente ligada à outra, bem mais antiga no histórico econômico e político da sociedade: os fins justificam os meios.

Se a intenção da Africa era chamar a atenção para o seu cliente, era preciso, evidentemente, fazer algo inovador. E garoto-propaganda que troca de anunciante – do mesmo segmento de mercado – do dia para a noite é algo raríssimo. Se bem que a Ambev fez o mesmo, recentemente, com Milton Neves e Antonio Fagundes – também protagonistas de ações publicitárias do grupo Schincariol -, mas suas atitudes de vira-casaca não ganharam nenhuma repercussão na mídia.

A discussão não é apenas se o Zeca Pagodinho, por ter trocado de cerveja, a Africa, pela criação da estratégia, e a Ambev, por ter apoiado e patrocinado a idéia, agiram bem ou mal. A questão é que o comercial deixa clara a efemeridade das relações, desde o ‘Amor de verão’ puro e simples até a lealdade à marca e ao anunciante.

Resta saber se a segunda afirmação de Nizan Guanaes irá se confirmar. Qual será o custo dessa estratégia para a Brahma? Que tipo de valor e prestígio Zeca Pagodinho agrega para a centenária cerveja sendo também protagonista de uma guerra judicial já anunciada? O uso de celebridades na publicidade é uma fórmula fácil, pouco criativa e muitas vezes eficiente. Mas até que ponto uma marca corre o risco de se tornar refém de seus garotos-propaganda, como a Nova Schin ficou com um artista que publicamente não era consumidor de seu produto e agora assume isso na publicidade de sua marca do coração?’