Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Nicholas D. Kristof

CASO DANIEL PEARL

"Morte é lição sobre os limites do jornalista", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 23/02/02

"Não conheci Danny Pearl, mas me sinto como se o tivesse conhecido.

Penso em uma conversa que tive com um correspondente estrangeiro em Cabul, em dezembro. Ele estava desesperado para chegar a Kandahar, a despeito dos barricadas colocadas nas estradas pelo Taleban e por bandidos, e falou em vestir uma burka para se disfarçar de mulher.

Ou no colega que, na guerra do Congo, correu para uma cidade prestes a ser atacada por rebeldes para poder estar lá e escrever sobre a queda das forças do governo.

Ou da vez quando me vi pedalando furiosamente uma bicicleta na direção das tropas em Pequim que estavam atirando nos manifestantes em favor da democracia. Tive de serpentear no meio da multidão que, mais sensatamente, movimentava-se para longe do tiroteiro e compreendi que trabalho maluco é o do correspondente – correr numa direção quando todo mundo com um mínimo de inteligência está correndo na direção oposta para salvar sua vida.

Cada vez que um colega como Danny Pearl é morto, essa morte faz correr um calafrio pela espinha de todos que alguma vez já foram correspondentes no estrangeiro. Ser um jornalista no exterior é avaliar constantemente o perigo – ?Até que ponto irei para obter a reportagem?? – e a morte de Danny faz lembrar a todos nós a impossibilidade de uma avaliação correta e os riscos de julgar erradamente.

Dez jornalistas estrangeiros foram mortos durante a atual turbulência no Afeganistão e no Paquistão, enquanto apenas um soldado americano morreu no combate lá. Fica difícil evitar a conclusão de que trabalhar como correspondente é muito mais perigoso – ou temerário – do que ser um soldado das forças especiais.

Usei a palavra ?temerário?, mas é claro que não estou falando sério.

Correspondentes de guerra são irritadiços demais para serem heróicos e determinados demais para serem outra coisa.

Em Cabul, em dezembro, senti um renovado respeito pelos correspondentes estrangeiros (e pelos fotógrafos, que, muitas vezes, enfrentam riscos ainda maiores). Sendo um colunista, venho e vou, mas alguns jornalistas passam meses lá, no vale das sombras.

Um de meus colegas quis fazer uma reportagem sobre o povo hazara que estaria passando fome e sujeito a doenças na região central do país.

Havia dois caminhos para chegar lá: uma estrada minada ou uma outra infestada de bandidos. Escolheu as minas, mas fez o caminho pelas montanhas com segurança, conseguiu a reportagem e deixou dinheiro para salvar uma criança doente. Na volta, na estrada onde ele já havia passado, um caminhão na frente dele detonou uma mina e foi completamente destruído.

Será que a morte de Danny Pearl vai mudar alguma coisa? Vai fazer com que os repórteres sejam mais cautelosos? Espero que sim, mas duvido.

A verdade é que a guerra é uma reportagem fascinante, o caminho para artigos de primeira página, prêmios Pulitzer, promoções. É aterrorizante, extenuante, traumática, fascinante.

À noite, sentados no restaurante de um hotel esquecido por Deus, com o alívio que surge entre os colegas que acabam de voltar das aventuras do dia, há uma incrível camaradagem e euforia. E quando uma reportagem é publicada e corre o mundo, mostrando alguma calamidade ou brutalidade e, dessa forma, faz com que as pessoas se sintam menos brutais ou menos infelizes, você sente orgulho de ter salvo vidas.

Em uma ocasião, quando cobria a guerra do Congo, o avião no qual eu viajava se acidentou, fui perseguido na selva durante dois dias por guerrilheiros rebeldes e contraí o tipo mais letal de malária. Mesmo assim, as recompensas por ter trazido à tona ocorrências difíceis e novas tornou esta viagem talvez a mais gratificante que já fiz.

Por isso, entendo porque Danny Pearl empreendeu esse trabalho. Mas, enquanto pranteio a morte dele, alimento a esperança – contra as expectativas – de que nós, jornalistas, sejamos mais cautelosos.

A morte de Danny Pearl deve ensinar-nos algo sobre nossa vulnerabilidade, sobre a primazia da vida sobre o trabalho, sobre a necessidade de respirar fundo antes de permitir que os instintos competitivos nos conduzam por uma estrada de terra em busca de uma reportagem incerta do outro lado de um posto de controle comandado por soldados bêbados.

Às vezes, a fanfarronice jornalística nos impele a assumir riscos que não deveríamos; às vezes, grupos de jornalistas se espremem dentro de um carro e, juntos, fazem coisas que nenhuma pessoa faria sozinha. Este é o momento de admitir esses impulsos e passar a refreá-los. Acima de tudo, reverencio todos esses correspondentes estrangeiros que lá estão. Se os acusasse de serem nobres, eles despejariam sua bebida sobre mim. Mas eu me orgulho de estar na mesma profissão deles."

 

"Jornalista americano foi degolado", copyright O Globo, 23/02/02

"O jornal ?The Washington Post? disse que o vídeo em posse das autoridades americanas que confirmou a morte de Daniel Pearl mostra o jornalista sendo degolado por seus captores, de quem só aparecem as mãos. Um funcionário dos órgãos de segurança paquistaneses afirmou que as últimas palavras dele antes de ter a garganta cortada foram ?sim, eu sou judeu, e meu pai também é judeu?. Embora americano, ele era filho de israelenses emigrados para os EUA nos anos 60.

O presidente do Paquistão, general Pervez Musharraf, prometeu ontem prender os assassinos do repórter e ordenou uma caçada nacional para encontrar os três ou quatro suspeitos ainda em liberdade. Quatro militantes de um grupo extremista islâmico já estão sob custódia das autoridades, incluindo o britânico Ahmed Omar Saeed Sheikh, acusado de planejar o seqüestro.

Seqüestro seria parte de complô mais abrangente

Segundo autoridades locais, Sheikh revelou que o seqüestro de Pearl era parte de um complô que incluiria um atentado contra o consulado dos EUA em Karachi.

O assassinato do jornalista desencadeou revolta e consternação em todo o mundo.

– Daniel Pearl não representava nem seu governo nem qualquer movimento político. É totalmente inaceitável que tenha se transformado em vítima de uma brutal campanha política – disse o presidente da Federação Internacional de Jornalistas, Christophe Warren.

Chefe da sucursal do Sul da Ásia do ?Wall Street Journal?, Pearl, 38 anos, foi seqüestrado em 23 de janeiro em Karachi ao investigar possíveis conexões da organização terrorista al-Qaeda com Richard Reid, preso com um explosivo no sapato num vôo Paris-Miami."

 

"Repórter sequestrado no Paquistão está morto, diz governo dos EUA", copyright Folha de S. Paulo, 22/02/02

"Daniel Pearl, 38, o repórter do diário ?The Wall Street Journal? que fora sequestrado por extremistas islâmicos paquistaneses, está morto, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA.

?Nossa Embaixada no Paquistão confirmou hoje [ontem? que recebera provas de que o repórter Daniel Pearl está morto?, declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, em nota oficial. Ele não deu detalhes sobre o tipo de prova que os diplomatas americanos teriam.

A direção do jornal foi a primeira a dar a notícia. ?Com base em relatos do Departamento de Estado e da polícia da Província paquistanesa de Sind, cremos agora que Danny Pearl tenha sido morto pelas pessoas que o sequestraram. Estamos com o coração partido por causa de sua morte?, afirmou Peter Kann, publisher do diário, também em nota oficial.

?Danny era um excepcional colega, um grande repórter e um amigo querido de muitas pessoas do jornal. Seu assassinato é ato bárbaro, que contraria tudo aquilo em que os sequestradores de Danny dizem acreditar. Eles dizem ser nacionalistas paquistaneses, mas suas ações devem certamente envergonhar todos os verdadeiros patriotas paquistaneses?, acrescentou.

Pearl foi capturado na cidade portuária de Karachi, em 23 de janeiro passado, depois de conseguir um acordo para entrevistar o líder de uma facção radical muçulmana, que teria ligações com a rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden, e com Richard C. Reid. Este foi preso em dezembro num vôo entre Paris e Miami por ter tentado destruir o avião com explosivos em seus sapatos.

Na nota oficial assinada por Kann e pelo diretor de Redação do diário, Paul Steiger, a direção do jornal disse que, ?nos próximos meses?, achará ?modos de homenagear Pearl?, mas lembrou que ontem era um dia de luto.

?Logicamente, essa perda é mais dolorosa para a família de Danny. Pedimos a nossos colegas da imprensa que respeitem a privacidade deles e que permitam que eles não sejam perturbados?, disse a nota do jornal.

A mulher de Pearl, Mariane, está no sétimo de gravidez, o que torna sua morte ainda mais dolorosa para seus familiares.

Pearl viveu nos EUA, na Europa e na Ásia durante os 12 anos em que trabalhou no diário financeiro. Morando em Bombaim, na Índia, desde o ano passado, Pearl era o chefe do escritório do jornal no sul da Ásia. Foi enviado ao Paquistão para trabalhar na cobertura da guerra ao terrorismo, que ocorre no Afeganistão.

Ele trabalhou em jornais do Estado de Massachusetts e da cidade de San Francisco (Califórnia) antes de ser contratado pelo diário ?The Wall Street Journal?, em 1990, pelo qual trabalhou em Atlanta, Washington, Londres, Paris -de onde escrevia sobre o Oriente Médio. Tudo isso antes de mudar-se para a Ásia.

Segundo autoridades paquistanesas, há suspeitas de que, baseado em informações falsas, Pearl tenha caído numa cilada.

Numa grande ofensiva, a polícia paquistanesa deteve vários suspeitos do sequestro, incluindo Ahmad Omar Saeed Sheikh, um militante islâmico que, durante uma audiência judicial, reconheceu ter orquestrado o sequestro de Pearl em protesto contra a aliança do Paquistão com os EUA, estabelecida após os atentados suicidas de 11 de setembro.

?Nosso país não deveria servir aos interesses dos EUA.? Ele disse que o fizera porque Pearl era judeu. Afirmou ainda que Pearl fora morto ao tentar fugir do cativeiro no final de janeiro."

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"Para Federação Israelita de SP, ato foi ?racista?", copyright Folha de S. Paulo, 23/02/02

"A Federação Israelita do Estado de São Paulo afirmou ontem, em comunicado à imprensa, que a comunidade judaica paulista considera o assassinato do repórter americano Daniel Pearl um ato brutal e racista.

?Esse ato hediondo deixa clara a motivação racista e discriminatória. Pearl foi morto por ser americano e judeu, como seus próprios assassinos afirmam na fita de vídeo?, disse o presidente da entidade, Natan Berger."