Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Renata Lo Prete

ASPAS

ELEIÇÕES 2000

"Balanço eleitoral", copyright Folha de S. Paulo, 29/10/00

"Foram quase cem mensagens à ombudsman sobre o mesmo assunto nas últimas duas semanas. Condensadas, resultam em algo que poderia ter como título ‘Dez razões para acusar a Folha de malufismo’.

1. O editorial anunciando que o jornal ‘não endossa nenhuma das duas candidaturas que disputam o segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo’, apesar de reconhecer ‘diferenças importantes e qualitativas entre elas’.

2. O uso sistemático de reportagens da Folha na propaganda de televisão de Paulo Maluf.

3. Entre essas reportagens, a que previu a ‘repetição de secretários’ de Luiza Erundina caso Marta Suplicy vença hoje.

4. A foto da candidata do PT com aparência descontrolada (rindo, informava a legenda; gritando, tinha-se a impressão) sob manchete que registrava o recuo de suas intenções de voto.

5. A foto de uma ‘drag queen’ segurando cartaz do candidato do PPB na capa da Revista da Folha.

6. A afirmação de que Marta desistiu de participar do debate organizado pelo jornal e pela TV Cultura.

7. A manchete de domingo passado, ‘Vantagem de Marta volta a cair’, feita a partir de pesquisa em que os dois candidatos oscilaram (ela para baixo, ele para cima) dentro da margem de erro (se foi assim, questionam os leitores, como falar em queda?).

8. As duas ocasiões em que Maluf disse ter recebido antecipadamente do jornal resultados do Datafolha.

9. A análise de Gilberto Dimenstein considerando ‘Martuf’ o candidato ideal, ‘alguém que tivesse os propósitos sociais de Marta, com sua visão de parceria com a sociedade civil, e a experiência administrativa de Paulo Maluf’.

10. A ausência de destaque para a revelação de que Maluf martelou durante dias, em sua campanha de TV, uma farsa originalmente levada ao ar no programa do Ratinho: a história do sequestro seguido de assassinato que na verdade foi suicídio.

Analisados separadamente, alguns itens da lista não resistem como indício de favorecimento a Maluf ou perseguição à Marta.

A manchete de domingo estava correta. Tanto a tendência da oscilação dos dois candidatos (a mesma do levantamento anterior) quanto o pequeno intervalo de tempo em que um ganhou e outro perdeu pontos autorizavam falar em redução da vantagem.

Há quem condene a opção de destacar o recuo quando a liderança é tão folgada (19 pontos naquele momento). O raciocínio, no entanto, é mais militante do que jornalístico. A queda de alguém que desde sempre esteve na dianteira sem dúvida se enquadra na definição de notícia.

Vale lembrar que o jornal deu idêntica visibilidade à interrupção desse movimento, detectada pela pesquisa seguinte.

A foto de Marta (reproduzida acima) é um flagrante associado à informação do momento, recurso clássico do noticiário político. Pode ser antipática, mas não caracteriza perseguição.

A da ‘drag queen’ ilustrou reportagem sobre pessoas que decidiram trocar Maluf por Marta, ou vice-versa, depois do primeiro turno. É curiosa, mas duvido que tenha servido para atrair apoio ao candidato do PPB, como temiam alguns leitores.

Quanto ao ‘Martuf’, trata-se de opinião do colunista. O jornal tem vários que pensam e escrevem coisa diferente.

Outros itens da lista estão em zona cinzenta.

Todo candidato usa jornais na propaganda da TV conforme sua conveniência. É digna de nota, entretanto, a preferência de Maluf pela Folha nesta eleição.

É papel da reportagem investigar a formação da equipe que deverá administrar a cidade. O ponto é saber se a apuração tem consistência. Tendo a achar que a matéria sobre o secretariado está furada, mas só o tempo dará resposta definitiva.

A questão do debate ficou suspensa em palavra contra palavra. Marta sustenta que jamais assumiu o compromisso de comparecer.

Seja qual for a credibilidade de Maluf, a alegação de que teria recebido informação privilegiada deixa em posição incômoda tanto o jornal quanto o Datafolha.

Sobre o editorial, sua tarefa era das mais ingratas: explicar e defender o compromisso do jornal com o apartidarismo em meio a uma convergência sem precedentes de apoios à candidata do PT, na qual o leitorado da Folha deverá votar em peso neste segundo turno.

Era quase impossível que esse texto, publicado dias depois de o ‘Estado’ recomendar o voto em Marta, não soasse defensivo.

Encerrando a lista, não vejo o que discutir no caso do falso sequestro, ‘escada’ para os bordões contra a suposta tolerância de Marta com bandidos.

A história ficou escondida em um pé de página. Intencional ou não, a falha teve um único beneficiado.

Mais do que essa ou aquela acusação, é o ‘conjunto da obra’ que justifica a percepção pró-Maluf manifestada à ombudsman.

Dois fatores explicam esse quadro. Um está do lado do leitor. Dadas as características da atual disputa em São Paulo, não era equilíbrio o que muitos esperavam, e sim engajamento na campanha de Marta.

Isso não ocorreu e nem deveria ter ocorrido. O apartidarismo é princípio arraigado na história da Folha, ainda mais importante de ser preservado no momento em que se multiplicam na mídia as adesões à provável vencedora.

Mas, como foi dito no próprio editorial, não é correto confundir apartidarismo com omissão. É aí que reside o segundo problema, este do lado do jornal.

Pois é exatamente omissão que o leitor enxerga em reportagens que tratam desiguais de maneira igual, abdicando do dever de qualificar as questões em jogo na campanha."

"Martuf", copyright Folha de S. Paulo, 29/10/00

"Enquanto os candidatos Marta Suplicy e Paulo Maluf prometiam fervorosamente que, apesar das óbvias limitações de um prefeito, gerariam empregos, a cidade via evaporar um projeto de R$ 3 bilhões.

Esses recursos, bancados por um fundo baseado em Nova York, seriam destinados à construção de um prédio comercial e residencial de 510 metros e 108 andares, numa zona deteriorada de São Paulo. A idéia era fazer daquele espaço um novo pólo de desenvolvimento, abrigando o edifício mais alto do mundo.

Qualquer um dos eleitos hoje deve uma explicação à opinião pública: ambos suspeitos, justa ou injustamente, de estarem mais preocupados com suas campanhas do que com os prometidos empregos.

Em nota oficial, lançada na quarta-feira passada, o responsável pelo projeto, o empresário Mário Garnero, afirmou que os dólares sumiram depois dos sinais de desinteresse e mesmo oposição de Paulo Maluf e Marta Suplicy.

Segundo a nota, os investidores, desconfiados de que perderiam ainda mais dinheiro, decidiram levar o empreendimento para Dallas, nos Estados Unidos.

Numa cidade carente de empregos e de recursos tão escassos para melhorar as regiões decadentes, quase moribundas, a suspensão de um plano desse porte é um escândalo.

A curta história desse empreendimento é a síntese do caos político.

Mário Garnero disse-me, pessoalmente, que, quando lançaram o projeto, surgiu uma barreira de pedidos de pagamentos clandestinos para a aprovação na Câmara do projeto. Em seguida, veio a onda de investigações com as descobertas da máfia da propina e, enfim, a ingovernabilidade do prefeito Celso Pitta, ameaçado de impeachment.

Não é exatamente um ambiente acolhedor para quem deseja investir. Ainda mais quando a cifra é de US$ 1,6 bilhão.

Só pela lógica do ‘caos político’, síndrome de terra de ninguém, se entende como uma cidade perde tão facilmente um negócio bilionário.

Nada menos que a administração do caos aguarda quem vencer hoje nas urnas.

Em boa parte graças à bateria de ataques pessoais de Paulo Maluf, a campanha desandou, na reta final, quase exclusivamente para a troca de ofensas.

Discussão de planos desapareceram diante de acusações sobre quem mentia mais sobre sua vida pública ou privada. Cada um tentava gritar mais alto, acusando o adversário de desonesto.

Em maior ou menos grau, os dois candidatos venderam ilusões sobre novos empregos, melhorar sensivelmente os níveis e educação, saúde, lazer e segurança.

Desde o início, eles sabiam que não tinham dinheiro nem poder para transformar em realidade tais tarefas.

Chegamos a tal ponto de emoção que, neste momento, apontar fragilidades, destinada a alargar a capacidade crítica do eleitor, significa tomar partido. Senti, na própria pele, esse clima.

Na coluna passada, intitulada ‘Cala Boca’, relatei o que considero fragilidades óbvias dos candidatos, além do fato de prometerem mais do que vão entregar.

Paulo Maluf tem larga experiência administrativa, o que, em tese, é bom. Claro que é bom: quem não prefere profissionais mais experientes?

É óbvio, porém, que experiência não significa competência. Tanto que, no seu experiente currículo, ele pode incluir ter ajudado a afundar financeiramente São Paulo e comprometido os cofres públicos para eleger Celso Pitta.

Óbvio também que a falta de experiência administrativa, pública ou privada, é um ponto frágil de Marta Suplicy.

Não significa, vamos mais uma vez ao óbvio, impedimento para uma boa gestão.

Temos, objetivamente, o seguinte: um candidato com um resultado administrativo a exibir, que faz com que seja apoiado ou detestado.

E uma candidata, marcada por sensibilidade social, respeitada por um comportamento ético, mas uma incógnita, alguém a ser testada.

Escrevi e repito que o ideal seria alguém com a vivência administrativa de um Maluf, mas os propósitos de Marta -ou seja, o Martuf.

Em minha longa carreira, nunca recebi tantas correspondências agressivas por causa de uma frase.

Criticaram-me porque comparei indivíduos que não mereceriam ser comparados, porque ousei colocar numa mesma palavra os dois candidatos, e por aí.

No fundo, reclamam que o jornalista não é chefe de torcida ou cabo eleitoral, preferem o jogo simples da santificação ou demonização.

Como estamos na guerra entre ‘o bem e o mal’, há pouco espaço para qualquer análise fria.

A julgar pelas pesquisas, a eleição já está decidida.

A partir de agora, diminui a emoção, cresce a razão. E o que o cidadão vai querer saber é, por exemplo, como uma cidade não vai perder mais investimentos que geram empregos."

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