Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Repercussão da baixaria

Carlos Vasconcellos

“Como fazer um canal de televisão de abrangência nacional,
de boa qualidade e, principalmente, com verba curta? O segredo pode estar
no próprio projeto e no seu modelo de gestão. É o
caso do canal educativo Futura, um projeto da Fundação Roberto
Marinho que está completando dois anos de existência com um
modelo de administração inédito no Brasil: a gestão
do canal é feita por um conselho de patrocinadores, que em parceria
com a fundação administra os recursos e ajuda a coordenar
a programação.

O otimismo com o canal Futura é tanto que, no vídeo da
festa de dois anos do projeto, o presidente das Organizações
Globo, Roberto Marinho, 96 anos, convidou de antemão os patrocinadores
a comemorarem o ‘terceiro, o quarto e o vigésimo aniversários’
do canal.

‘Nosso orçamento em dinheiro é de apenas R$ 15 milhões
anuais’, afirma o secretário-geral do Futura, Joaquim Falcão.
Só para comparar, a dotação orçamentária
da TVE é de R$ 30 milhões e a da TV Cultura, de R$ 57 milhões.
‘Nossa verba pode ser mais baixa, mas nós trabalhamos com um conceito
que eu chamo de ‘cash equivalent’ (equivalente em dinheiro)’, explica Falcão.

A idéia é conseguir dos patrocinadores algo mais que dinheiro.
‘Nossos parceiros não são apenas um talão de cheques’,
brinca. ‘Eles são alguém com um bom produto ou com alguma
competência específica para o nosso projeto’, explica.

Foi pensando nisso que o Futura conseguiu arregimentar parceiros de
peso, 15 no total, como Turner Broadcasting/CNN, Itaú, Bradesco,
Sadia, Sebrae, Fiesp, Instituto Ayrton Senna/ Compaq, Firjan, Fundação
Odebrecht, Fundação Vale do Rio Doce, Rede Globo, Rede Brasil
Sul, Confederação Nacional do Transporte, Grupo Votorantim
e Confederação Nacional da Indústria (CNI).

‘O conselho se reúne de duas a quatro vezes por ano para definir
os rumos do projeto. Eles nos dão verba, apoio e nós, em
contrapartida, damos o ‘know how’ que eles precisam para suas iniciativas
na área educacional, além de um canal de divulgação’,
explica Falcão. Como exemplo, ele cita o novo programa da emissora,
o Conexão, produzido pelo Sebrae. ‘É um programa dirigido
a microempresários. Discutimos o projeto em conjunto com o Sebrae,
eles bancaram a produção e nós veiculamos.’

Mas qual o segredo do canal para atrair tantos patrocinadores de peso?
Segundo Falcão, um dos pontos mais atraentes para as empresas que
se associam ao Futura é o objetivo do canal. ‘O ‘produto’ educação
tem um apelo muito forte’, diz. ‘Outro fator é a credibilidade do
projeto, que é reforçada pela credibilidade das próprias
empresas participantes. Costumo dizer que em educação não
há concorrência. Nosso conselho reúne Bradesco e Itaú,
Firjan e Fiesp, Votarantim e Odebrecht’, enumera.

‘Não queremos que os parceiros paguem pela produção,
nem estamos pedindo a caridade de ninguém’, continua Falcão.
Segundo ele, o projeto do Futura não se trata de benemerência,
uma vez que as empresas participantes do projeto têm um excelente
ganho de imagem.

‘A Net cabeia gratuitamente escolas interessadas em receber o Futura.
Isso é uma forma de criar uma identificação entre
a empresa e a comunidade’, diz o executivo.

O Futura também tem um ganho de capital com os cachês que
deixa de pagar em nome da sua causa educacional. Recentemente, a empresa
conseguiu gravar 15 jingles especialmente compostos por grandes nomes da
MPB. ‘Imagina se tivéssemos que pagar o preço de mercado
por isso’, diz Falcão.

Ano que vem, as trilhas sonoras para os programas educacionais serão
músicas de Tom Jobim. Também de graça. ‘Ganha o público,
com música de boa qualidade; ganha o canal, com uma excelente trilha
gratuita e ganham os herdeiros de Jobim, com um excelente canal de divulgação
da obra entre os jovens’, exemplifica.

Outra característica do Futura, pouco comum nas redes brasileiras
de tevê, é o grau de terceirização da produção.
Sessenta e cinco por cento dos programas são realizados por produtoras
independentes. O canal chegou até mesmo a criar um manual de padronização
para as produtoras. ‘O manual contém não apenas o padrão
técnico do canal, mas também os princípios éticos
e uma orientação de conteúdo’, explica Falcão.

Para o ano que vem, o Futura quer ampliar ainda mais sua área
de atuação. ‘Temos hoje pedidos de 30 a 40 emissoras locais
ou comunitárias que querem receber ou retransmitir a programação’,
afirma o executivo. ‘Estamos estudando estes pedidos. Provavelmente vamos
querer que esses canais dêem alguma contrapartida em ações
comunitárias nas cidades onde atuam’, disse Falcão.

Hoje, o canal atinge uma audiência potencial de 35 milhões
de espectadores, via TV a cabo, TV por satélite e transmissão
de banda C (captada por parabólicas comuns). Além disso,
o Futura chega a 5,6 mil instituições associadas, como escolas,
igrejas, presídios etc, que utilizam a programação
em seus projetos educativos.

‘Queremos ainda ampliar em 30% o número dessas instituições
afiliadas no ano que vem’, conta, informando que as instituições
associadas têm se tornado um importante meio de difusão da
programação do Futura. Segundo Falcão, uma pesquisa
interna do Futura indica que o canal é assistido por um em cada
quatro assinantes Net/Sky no Rio de Janeiro. O canal também briga,
neste momento, por mais patrocinadores para a programação.
‘Há alguns setores que nos interessam, como o farmacêutico
e o de telecomunicações, que ainda não têm nenhum
representante em nosso conselho’, diz.

Outras grandes redes de televisão também seriam bem-vindas
caso resolvessem aderir ao conselho do Futura. ‘A presença da Rede
Globo no projeto do canal não seria, de forma alguma, um empecilho’,
garante Falcão. ‘O parceiro internacional da Globo é o Rupert
Murdoch, e um dos patrocinadores do Futura é o concorrente dele,
o Ted Turner’, argumenta o executivo do Futura.”

“Futura conquista público e patrocínio”,
copyright Gazeta Mercantil, 27/9/99