Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Ricardo Noblat

ELEIÇÕES 2002

"Credibilidade não tem preço", copyright Correio Braziliense, 29/7/02

"Joaquim Roriz está prestes a concluir seu terceiro mandato como governador do Distrito Federal achando duas coisas em relação a este jornal: que conseguiu quebrá-lo e que em breve ele renunciará à sua linha editorial independente.

Em reunião recente com executivos de uma poderosa rede de televisão, o governador comentou mais ou menos assim: ?Já quebrei o Correio. Só não quebro vocês porque vocês são muito fortes?.

Os executivos consideraram as palavras do governador uma brincadeira. Por sinal, Roriz é um sujeito brincalhão. Chama um cidadão de ?crioulo petista? só por brincadeira. Por brincadeira, antecipa decisões judiciais.

Deve ter brincado quando sugeriu que o deputado Rodrigo Rollemberg gosta de maconha. E novamente quando apoiou os dois braços na cabeça de um garoto como se a cabeça dele fosse o braço de uma poltrona. Este jornal publicou a foto.

No meio da semana passada, quando se reuniu em sigilo com um grupo de empresários da cidade liderados por seu ex-secretário Lázaro Marques, o governador não pareceu estar brincando. E não estava.

Aquela foi uma reunião para angariar apoios e, se possível, recursos para enfrentar as despesas da campanha eleitoral. Nada mais legítimo. E o governador estava sério, muito sério quando retomou seu tema favorito: falar mal deste jornal.

Pediu aos empresários que não acreditassem em nada que o Correio publica a respeito dele. Disse que o jornal enfrenta sérias dificuldades financeiras, mas que seu diretor de Redação está de saída. E antecipou que a orientação editorial mudará.

Todas as empresas de comunicação do país, mas não somente elas, arrostam com sérios problemas financeiros decorrentes da crise econômica que se agrava. Basta consultar seus balanços. Eles só registram prejuízos.

A família Marinho, dona da Rede Globo, pôs à venda sua participação nas emissoras filiadas. E pediu socorro ao BNDES. A Editora Abril está ocupada em tentar alongar os prazos de pagamento de sua enorme dívida.

Este jornal não poderia ser uma exceção. O grupo Associados, ao qual pertence, não poderia ser uma exceção. Estamos empenhados em atravessar a crise. E a outras crises o grupo sobreviveu ao longo dos seus quase 80 anos de vida.

O Correio não está à venda. Por mais que isso desagrade ao governador e à turma dele, o Correio não está à venda. Mas se um dia for posto à venda e se um dia for comprado, não o será da maneira como o governador imagina e gostaria que fosse.

Jornal é um negócio complexo e simples. O que ele tem de simples é sua finalidade: publicar tudo que interesse ao público. O complexo é que para fazer isso ele terá muitas vezes de contrariar seus próprios interesses econômicos.

Este jornal tenta agradar ao público há pelo menos oito anos e meio. E pelo visto tem agradado. Saltou de uma média de 30 mil exemplares de venda diária em 1994 para pouco mais de 60 mil em junho passado. Já vendeu mais. A crise atrapalhou.

Aumentou sua participação no total das verbas de publicidade da região Centro-Oeste aplicadas no meio jornal. Passou de 54% em 1997 para 63,4% em 2001. Até maio último, ganhou 165 prêmios de jornalismo nacionais e internacionais.

Tudo isso foi possível porque o Correio decidiu fazer jornalismo com independência. Nada mais que isso. E era justamente isso o que o público do Distrito Federal desejava. Nada mais que isso.

Credibilidade é o maior patrimônio de um jornal. O Correio e todos os que o fazem se orgulham de ter construído até aqui um sólido patrimônio de credibilidade. Desfazer-se dele equivaleria a dar um tiro no coração.

Ninguém aqui dentro tem vocação para suicida.

Vai longe o tempo em que jornal podia fazer de conta que era independente e se vender por debaixo do pano. O governador Joaquim Roriz conheceu jornal naquela época. E não entendeu que certos jornais deixaram de se comportar assim.

Uma sociedade atenta e consciente do papel que cabe aos veículos de comunicação é capaz de obrigá-los a andar no trilho certo. Porque ela tem o poder de trocar de canal sem levantar da poltrona. E de trocar de jornal sem sair de casa.

Saio de férias por duas semanas.

Os que não gostam da linha editorial deste jornal, mas ainda assim o lêem, terão de continuar me engolindo."

"Um voto de confiança no debate", copyright Folha de S. Paulo, 4/8/02

"A rede Bandeirantes apresentará hoje à noite um debate com os quatro principais candidatos à Presidência da República. Digo ?apresentará? por acreditar que, entre a conclusão deste caderno, que acontece na quarta-feira, e a data em que ele circula, que é hoje, domingo, alguns compromissos no Brasil terão sido honrados. Acordos financeiros talvez tenham passado por novas reacomodações, o câmbio, as taxas, a dívida pública, os mercados, essas entidades metafísicas e temperamentais -de tudo isso já não se pode esperar nenhuma garantia. Mas a programação do telejornalismo, esta é vital que seja honrada. Ao menos isso, por favor. Escrevo, portanto, acreditando que o domingo de hoje existirá como todos os outros domingos, até à meia-noite, que o Brasil ainda será um país integrado pela TV, nem que seja só até logo mais, e que os quatro candidatos, conforme prometido, irão pôr suas idéias à prova, uns diante dos outros e todos diante do público. A vaga de incertezas colossal, vaga em que todos somos pouco mais do que náufragos, só aumenta a relevância desse encontro.

A hora é crítica. Transformada em campanha publicitária, a campanha eleitoral na TV é menos um recurso para que os candidatos se mostrem e mais um truque para que eles se escondam. Normalmente de si mesmos, de suas fraquezas, de suas vergonhas. Os debates, se bem conduzidos, podem atenuar esse efeito, pois têm a possibilidade de expor exatamente os traços que cada um dos políticos prefere ocultar. E isso é um serviço de utilidade pública, um serviço que o eleitor-telespectador valoriza e quer buscar. Só o jornalismo pode ser um antídoto contra as mágicas publicitárias e, para que esse antídoto seja eficaz, ele deve ter lugar na TV. Tanto é assim que os telejornais vêm convidando os candidatos para entrevistá-los no estúdio, ao vivo. Não fazem isso por algum tipo de veleidade, mas porque precisam disso para manter a confiança do público.

Sintoma dessa tendência, a sucessão de entrevistas acontecidas no ?Jornal Nacional?, há cerca de um mês, também procurou avançar por aí. Fátima Bernardes e William Bonner até que lançaram perguntas bem preparadas aos seus convidados. Não souberam, infelizmente, garantir que suas perguntas fossem respondidas com clareza. Não tiveram autoridade jornalística para isso. O resultado foi um tanto patético: mesmo diante de questionamentos objetivos e incisivos, os candidatos se sentiram à vontade para fingir que não era com eles. Respondiam ali umas amenidades e bola pra frente. Tudo bem, o ?Jornal Nacional? é neófito em matéria de cobrir criticamente uma eleição. A boa notícia é que ele vem tentando acertar, pois sabe que isso corresponde a uma exigência do público. É verdade que não se trata de uma exigência que seja formulada expressamente por qualquer um do público, mas certamente é uma exigência intuitiva: o cidadão sabe que precisa que o telejornalismo cumpra essa função, sabe que seu futuro depende disso, ou seja, depende de que alguns traços de verdade transpareçam no enfrentamento entre os que postulam comandar a República em seu nome.

É curioso observar como essa necessidade do cidadão (necessidade de esclarecimento) é herdeira direta do Iluminismo, quero dizer, das causas iluministas que inspiraram a criação da democracia, ainda no século 18. Caberia à imprensa, segundo os velhos ideais democráticos, o papel de sediar nada menos que o debate público, de expor as idéias em sua pluralidade, de fazer com que os argumentos encontrassem os seus contrários diante dos olhos dos comuns do povo. É curioso, mas, nesse momento, é o que de melhor podemos esperar do telejornalismo: o pouco que lhe resta, se é que resta, de iluminismo. Tomara que hoje à noite os responsáveis pelo debate se lembrem disso."