Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Tânia Monteiro, Leonencio Nossa e Beatriz Abreu

‘O governo passou 48 horas tentando negociar uma saída honrosa com advogados do jornalista Larry Rohter e do New York Times para encerrar o episódio da cassação do visto do repórter. Três fatores foram decisivos para dobrar o presidente Lula: a péssima repercussão na opinião pública nacional e internacional; a certeza da derrota da medida no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a forte pressão de ministros, principalmente de Márcio Thomaz Bastos (Justiça), que avaliou que o problema se tornaria um divisor de águas negativo no governo Lula se não fosse revertido imediatamente.

‘Ou construímos uma saída ou estou fora’, disse Bastos a Lula. Sua determinação de só ficar no governo mediante um acordo é que venceu a resistência de Lula e de alguns auxiliares, depois de uma manhã tensa em Brasília e São Paulo, onde estava o ministro da Justiça.

No Alvorada, Lula, o secretário de Comunicação, Luiz Gushiken, o advogado-geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, e o publicitário Duda Mendonça reuniram-se toda a manhã. Bastos participou por telefone.

Pouco depois das 13 horas sua posição foi vitoriosa e às 15h15 os advogados de Rohter protocolavam no Ministério da Justiça o pedido de reconsideração do cancelamento do visto.

Difícil – Foi difícil convencer Lula a rever a decisão de expulsar Rohter. José Dirceu (Casa Civil), foi um dos principais incentivadores para que não arredasse pé de sua posição. Ao ler a edição em que o NYT falava da expulsão, Dirceu chegou a dizer ao presidente que ele não tinha como recuar porque o jornal não reconhecera o erro. ‘Está vendo?

Eles não se retrataram nada’, afirmou, mostrando o jornal.

Essas opiniões, vindas ainda de Gushiken, Luiz Dulci e Celso Amorim, começaram a perder força quando Lula se impressionou com a repercussão negativa do caso e a frágil estratégia jurídica montada pela Advocacia-Geral da União para sustentar a expulsão. No Alvorada, Lula ouviu avaliação do publicitário Duda Mendonça sobre o desastre que o caso estava provocando na imagem do governo.

Na mesma reunião, Lula queixou-se com o advogado-geral da União. Ele se aborreceu especialmente ao saber que o STJ não tinha sido sondado para saber como se portaria. No fim do dia, ao saber do desfecho do caso, o presidente do STJ, Edson Vidigal, preferiu ironizar. ‘Suspender o cancelamento é uma grande contribuição no enfrentamento da morosidade do Judiciário, porque é um processo a menos na pauta do STJ.’’



Gabriela Athias e Valdo Cruz

‘Para presidente, caso ‘NYT’ está encerrado’, copyright Folha de S. Paulo, 17/05/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu encerrar a polêmica envolvendo o ‘New York Times’. O governo não deve processar o jornal na Justiça brasileira ou na americana, como vinha sendo cogitado. ‘O caso está encerrado’, teria dito Lula a interlocutores no sábado à tarde. ‘O presidente quer encerrar esse assunto e tocar a vida’, disse ontem um assessor do Planalto.

No domingo, dia 9, o jornal publicou uma reportagem assinada pelo correspondente Larry Rohter, na qual sugere que Lula abusa de bebidas alcoólicas. O hábito, segundo a reportagem, estaria preocupando o país.

Depois de tentar obter, sem sucesso, uma retratação do jornal, Lula cancelou, no dia 11, o visto de Rohter no Brasil. A decisão foi noticiada por jornais e revistas de repercussão internacional e causou desgaste para o governo.

No dia 13, o Superior Tribunal de Justiça concedeu a Rohter um salvo-conduto, medida que na prática suspendeu o cancelamento do visto. No dia 14, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, negociou com os advogados de Rohter a redação de uma carta que foi entendida pelo governo brasileiro como uma retratação.

Lula concordou com o teor do documento e autorizou o ministro a revogar a cassação do visto.

No mesmo dia, porém, o jornal divulgou uma nota afirmando que o documento não era nem um pedido de desculpas nem retratação, e que a reportagem de Rohter estava correta.

A divulgação da nota levou o governo a avaliar a hipótese de processar por injúria, calúnia e difamação o jornal e não mais o jornalista, uma vez que Rohter, no entendimento do governo, já havia se retratado. A pergunta era se o governo processaria o ‘New York Times’ na Justiça brasileira ou nos EUA.

Segundo a Folha apurou, apesar de o assunto ainda estar sendo discutido pela assessoria jurídica do Planalto, o governo praticamente desistiu de mover ação contra o jornal norte-americano.

Um dos argumentos levantados pelos assessores que são contra a ação na Justiça é que o próprio jornal também teria recuado no teor de sua nota.

Na versão eletrônica do ‘New York Times’ de sábado, uma reportagem sobre a decisão do governo brasileiro de desistir da cassação do visto reproduzia a nota divulgada na sexta-feira, mas sem o trecho em que o jornal dizia que não havia nem pedido desculpas nem se retratado.

Hoje, o Ministério da Justiça vai publicar um ato revogando formalmente a cassação do visto do correspondente. O texto vai citar que a decisão foi um ato de ‘generosidade’ do presidente Lula.’



Gabriela Athias

‘Centrais chamam Rohter de ‘alienígena’’, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04

‘Em uma espécie de ‘kit’ distribuído ontem aos 102 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi incluída uma nota intitulada ‘Respeitem o Brasil!’, na qual o jornalista Larry Rohter, do ‘New York Times’ é chamado de ‘alienígena’. A nota é assinada por cinco centrais sindicais.

Rohter publicou neste domingo uma reportagem afirmando que o ato de ‘bebericar’ do presidente Lula era ‘preocupação nacional’. Sem conseguir uma retratação do jornal, Lula determinou sua expulsão do país.

‘A leitura do artigo escrito por esse personagem alienígena contém um amontoado de calúnias, difamações e inverdades dentro de um contexto insidioso, inverídico e de má-fé’, diz um dos trechos da nota. O documento é assinado pela Central Autônoma dos Trabalhadores, Força Sindical, Confederação Geral dos Trabalhadores, Central Única dos Trabalhadores e Social-Democracia Sindical.

A nota foi escrita e distribuída por e-mail a várias pessoas antes de Lula ter tomado a decisão. Mas o fato é que o panfleto só foi distribuído ontem no Planalto, por ocasião da reunião do conselho. A nota foi entendida como uma defesa de Lula.

Por meio de sua assessoria, a Força Sindical informou que, com a expulsão, ‘a nota ficou velha’ e que o que vale é a posição da central repudiando a decisão do governo brasileiro. ‘É mais uma trapalhada de Lula’, disse o presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

Apesar de a nota ter sido feita antes da decisão de Lula, um dos trechos afirma que Rohter tornou-se ‘inimigo da pátria’ e que deveria deixar o país.

A nota foi parar na pasta dos conselheiros -ao lado de cópias dos gráficos apresentados pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda)- por iniciativa de um sindicalista da CGT, segundo informação do Planalto.

O ministro Jaques Wagner (responsável pelo conselho) afirmou que o assunto não estava na pauta da reunião.’



Fabiano Maisonnave

‘Chavista defende medida de Lula contra jornalista’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Ex-embaixador no Brasil e presidente da TV estatal venezuelana, Vladimir Villegas comparou os dois países ao defender a decisão do governo Lula de expulsar o correspondente do ‘New York Times’ Larry Rohter. Ele disse porém que o presidente Hugo Chávez nunca fez algo semelhante desde o início de seu turbulento governo, há cinco anos.

‘Isso que ocorreu com o Lula, nós temos também na Venezuela. Há uma série de comentários depreciativos contra Hugo Chávez, de que ele está louco, tem um projeto totalitário. Assim começa uma campanha de desinformação e desestabilização contra o país, que parte tanto da imprensa nacional quanto da estrangeira, porque isso se retroalimenta’, disse Villegas, em entrevista à Folha.

Ex-deputado e jornalista de formação, ele é um dos homens de confiança de Chávez.

‘A reportagem é uma forma de desqualificar o presidente de Estado, e não a política que ele possa lançar. Trata-se de um presidente que mantém uma postura de muita independência ante os Estados Unidos. Por isso, não é um comentário gratuito. Todo governo tem o direito de decidir se a presença de uma pessoa com essas características é desejável no país.’

Guerra à CNN

Chávez mantém uma relação tumultuada com praticamente toda a grande imprensa venezuelana. Em abril de 2002, parte dos meios de comunicação apoiou com entusiasmo um frustrado golpe de Estado, que afastou Chávez do poder durante 48 horas.

A disputa tem levado Chávez a reforçar a VTV, desde novembro presidida por Villegas. A principal atração é o dominical ‘Alô, Presidente’, espécie de programa de auditório apresentado por Chávez que dura cerca de cinco horas.

No início deste mês, Chávez usou o ‘Alô, Presidente’ para criticar a atuação da TV CNN no país, que teria acordos com um canal de oposição. ‘Como vocês querem nos ridicularizar, declaro guerra comunicacional à CNN desde Caracas, com muita humildade.’ A guerra não incluiu a expulsão.’



Paulo Sotero e Roldão Arruda

‘Planalto ‘enxerga’ retratação e perdoa jornalista’, copyright O Estado de S. Paulo, 16/05/04

‘O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, anunciou ontem à noite, em São Paulo, que o governo decidiu reconsiderar a decisão de cassar o visto do jornalista Larry Rohter, do The New York Times. Explicou que no pedido de reconsideração da decisão governamental, encaminhado à tarde ao Ministério da Justiça pelos advogados do jornalista, há uma clara retratação. ‘Ele diz que não teve a intenção de ofender a honra do presidente’, disse Bastos, que, logo após ler o texto, ligou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o aconselhou a pôr um fim no caso. ‘Depois que disse a ele que, na minha opinião, aquela era uma retratação consistente, o presidente resolveu dar o caso por encerrado, numa demonstração de generosidade.’

Em Nova York, porém, o Times divulgou pouco depois comunicado em que se diz ‘muito satisfeito’ ao saber que o governo ‘reverteu a suspensão’ do visto de Rohter, mas avisa que continua ‘a sustentar a reportagem como correta’. Além disso, o jornal reafirma que o requerimento ao governo ‘não continha nem um pedido de desculpas nem retratação’.

Pouco antes, um porta-voz do Times, Toby Usnik, já havia dito ao Estado que o jornal ‘não escreveu carta sobre esse assunto nem o sr. Rohter’. Informado desse contato do Estado com o Times, Thomaz Bastos comentou: ‘Não é uma questão com o Times e sim com o jornalista.’ O ministro anunciou ainda, na entrevista – dada no início da noite, no escritório da Presidência da República, na avenida Paulista – que na segunda-feira deverá assinar um despacho revogando o cancelamento do visto.

Reação – Em seu entender, o episódio, ao contrário de parecer um retrocesso, mostra a capacidade de reação do governo: ‘O presidente reagiu duramente ao artigo e agora, diante da retratação, que retira a gravidade da coisa, reage democraticamente.’ Bastos enfatizou que Lula tem ‘grande apreço pela liberdade de imprensa’ e que ‘a atitude dele foi em defesa da imagem da Presidência’. Durante toda a entrevista, porém, evitou afirmar que o presidente tomou a decisão mais acertada. ‘Não quero entrar em juízo de valor’, respondeu, numa das cinco vezes em que os jornalistas tentaram obter dele alguma crítica. ‘Eu estava na Suíça. Não conheço as circunstâncias.’

Indiretamente, porém, admiu que o caso poderia ter tomado outro rumo. ‘Dentro de uma arsenal de medidas que tinha à sua disposição, escolheu uma medida dura.’ Por outro lado, não poupou o jornalista, qualificando seu trabalho de ‘amontoado de preconceitos, má fé e falta de informação.’

No documento encaminhado ao ministério, Rohter declara ‘jamais ter tido a intenção de ofender a honra do presidente da República’. Ele foi assessorado, no caso, pelo escritório Pinheiro Neto, Advogados’

***

‘‘Não houve pedido de desculpas’, ressalva ‘NYT’’, copyright O Estado de S. Paulo, 15/05/04

‘A direção do The New York Times informou, no início da noite de ontem, que está ‘muito satisfeita’ com a decisão do governo brasileiro de voltar atrás em sua decisão de revogar o visto – o que significaria expulsar do país – o seu correspondente Larry Rohter. A declaração, assinada pelo diretor de Relações Públicas da New York Times Company, Toby Usnik, deixa claro, no entanto, que o jornal não se retratou nem pediu desculpas, em comunicados públicos nem no pedido de reconsideração enviado pelos advogados de Rohter ao governo brasileiro.

O jornal, contudo, continuou sustentando sua posição, já revelada em afirmações feitas nos últimos dias, de que a reportagem é correta e o jornal, portanto, não tem do que se desculpar. ‘Continuamos a sustentar que a reportagem foi fiel e correta, como fizemos ao longo da semana. Ao mesmo tempo em que lamentamos que a controvérsia política que a matéria gerou, nosso requerimento ao governo não conteve um pedido de desculpas nem uma retratação’.

Na prática, a posição do jornal – que antes havia sido reafirmada ao embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Roberto Abdenur – mostra que não moveu uma palha na direção de qualquer acordo. O problema de se explicar, sewgundo os diretores do jornal, era do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou do governo do Brasil – não do repórter ou do Times.

Ainda assim, o jornal admite que ‘tanto o Brasil como o New York Times beneficiam-se’ com a presença, no País, de um correspondente. Menos de uma hora antes do anúncio do ministro da Justiça, em São Paulo, de que o governo vai desistir de expulsar Larry Rohter, Usnik já havia garantido ao Estado que ‘não há carta do New York Times ou de Larry Rohter sobre o assunto’.

Uma outra fonte do Times comentou, ainda, que ‘se o governo quiser interpretar a carta como uma retratação. Não vemos problema com isso. Mas não há retratação e a imprensa séria no Brasil certamente entenderá que não se trata disso, porque não há o que retratar de uma reportagem que apresenta comentários feitos por pessoas entrevistadas pelo correspondente e informações publicadas na imprensa brasileira e não contem juízo de valor’.’